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06/11/2006 - 10h25

Vitória em eleições pode ser revés para democratas nos EUA

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ANDREA MURTA
da Folha Online

Com todas as pesquisas de opinião pública apontando para uma vitória dos democratas nas eleições para o Congresso, a possível retomada do controle da Casa pelo Partido Democrata em 2007 pode resultar em revés. A opinião é de Matthew Crenson, 63, cientista político da Universidade Johns Hopkins, que falou à Folha Online de Maryland, por telefone.

Após uma década de maioria republicana, se vencerem agora, os democratas enfrentarão o fardo da responsabilidade sobre a Guerra do Iraque, que até hoje recaiu inteiramente sobre o presidente George W. Bush e está levando à derrocada dos republicanos nas urnas.

"A partir do momento em que controlarem parte do Congresso, os democratas vão ter de assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo. E o Partido Democrata é tão fragmentado e difuso que não estou convencido de que serão capazes de projetar uma plataforma clara de oposição ao presidente", disse Crenson.

O cientista, professor de desenvolvimento político americano, confirma a sensação de que a Guerra do Iraque é realmente o ponto que definirá o voto dos eleitores americanos em 2006. "As pessoas estão muito desencorajadas, e mesmo bravas, com o que está acontecendo no Iraque. E isso vai mesmo prejudicar os republicanos no Congresso. Parece bem provável que os democratas vão tomar o controle da Câmara dos Representantes, e um também --pouco menos talvez-- no Senado", avalia.

À sombra de Bush

Apesar disso, Crenson não vê a eleição como um "referendo" que aprovará ou reprovará o governo Bush. Ele afirma que, com a recente reorientação do presidente para uma posição mais próxima do que a opinião pública quer com relação ao Iraque, Bush deu uma saída para republicanos que querem tirar a guerra do foco das atenções, permitindo que o debate entre candidatos ao Congresso aconteça fora da sombra do presidente.

Mesmo com a insatisfação do público com a liderança republicana, o cientista diz acreditar que os democratas não oferecem uma alternativa viável à forma como os Estados Unidos vem sendo conduzidos até agora. Essa seria, aliada a uma tradicional aproximação do Partido Republicano com a direita cristã americana, os dois pontos de apoio para os candidatos do partido "salvarem" alguns votos nessas eleições.

Leia s seguir a íntegra da entrevista com o cientista político Matthew Crenson.

Folha Online - Em que medida a eleição para o Congresso funcionará como um "referendo" para as políticas do governo Bush?

Matthew Crenson
- É difícil dizer. O presidente está atualmente mudando várias de suas posições, especialmente sobre a Guerra do Iraque. Ele é um "alvo móvel". Se ele dissesse que devia continuar como está, seria um "alvo fixo", mais fácil de ser atingido. Mas agora que começou a mudar, ele deu uma saída para aqueles republicanos que querem se distanciar da Guerra no Iraque. Na verdade, muitos deles já estão dizendo isso em debates, que o presidente está se redirecionando para a posição que os americanos querem que ele esteja.

Em geral, no entanto, as pessoas estão muito desencorajadas, e mesmo bravas, com o que está acontecendo no Iraque. E isso vai mesmo prejudicar os republicanos no Congresso. Parece bem provável que os democratas vão tomar o controle da Câmara dos Representantes, e um pouco menos talvez no Senado.

Folha Online - Então queda de popularidade dos republicanos se deve mais, na sua opinião, à maneira como o governo Bush está agindo na Casa Branca do que à gerência republicana do Congresso?

Crenson
- Sim. A questão do Iraque está se sobrepondo a todo o resto. As previsões confiantes que foram feitas pelo governo à época da invasão do Iraque, em 2003, se mostraram completamente falsas. E enquanto a ação como um todo parece estar falhando, ninguém no governo apresentou uma nova estratégia para resolver o problema.

Folha Online - Com a oposição a Bush sendo tão prejudicial ao Partido Republicano, os eleitores estão "personalizando" seus votos e escolhendo mais com base na personalidade dos líderes do que nas políticas partidárias?

Crenson
- Acho que não. O que acontece é que para que ocorra uma mudança, a oposição [os democratas] tem que oferecer uma alternativa viável. E, francamente, a posição dos democratas em assuntos como a Guerra do Iraque é tão inconsistente e difusa que é difícil para o partido oferecer uma saída.

Há indivíduos que são "promessas" de se tornarem líderes cuja personalidade se sobreponha ao partido, como Barack Obama (democrata de Illinois). Ele é uma nova figura na política americana, está no Senado há apenas dois anos e já está sendo pressionado para concorrer à Presidência, especialmente por aqueles que temem que a candidatura de Hillary Clinton destrua o Partido Democrata.

Mas acho que, se ele chegar a se candidatar, provavelmente isso vai destruir sua carreira. O argumento que seria feito é que ele não tem experiência em política externa, é muito jovem, tem apenas dois anos de experiência política em nível nacional... mas ainda assim é um candidato muito atraente, o tipo de pessoa que poderia se sustentar em sua personalidade, e não em políticas.

Folha Online - Há uma espécie de tradição nos EUA, chamada de "maldição do segundo mandato", na qual presidentes enfrentam queda de popularidade na segunda vez em que assumem o poder. Será que parte da explicação para a queda de popularidade de Bush é o desgaste natural de um segundo mandato ou será que o caso dele é pior do que o, por exemplo, de Clinton?

Crenson
- O caso de Bush é muito, muito pior, apesar de ele não esta sofrendo processos de impeachment. Até quando foi ameaçado com o impeachment, Clinton conseguiu derrotar o Congresso por meio do uso de ordens executivas e limitações na autoridade das Casas.

Já Bush não consegue nenhuma dessas vitórias atualmente. E ele se encontra muito pior posicionado nas pesquisas do que Clinton jamais esteve. Aqui onde eu vivo, em Maryland, os candidatos democratas estão tentando com todas as forças relacionar os candidatos republicanos a Bush, porque é o mesmo que ligar o Iraque a eles. É uma forma de os afundar.

Folha Online - O dano provocado à imagem Bush pela Guerra do Iraque ganhou força ao longo de anos. O sr. consegue avaliar onde esse dano se tornou tão grande a ponto de ameaçar a liderança republicana no Congresso?

Crenson
- Acho que isso começou há muito tempo, mas há três ou quatro meses foram realizadas audiências no Congresso nas quais dois generais americanos disseram que estávamos próximos da guerra civil no Iraque. Quando os congressistas perguntaram o que eles sugeririam como mudança de estratégia para melhorar a situação, os generais não tinham nenhuma resposta.

Acredito que naquele momento alguma coisa se quebrou. A opinião pública provavelmente apoiaria a ação no Iraque se acreditasse que havia chance de vencer a guerra. Naquelas audiências, o que os generais fizeram foi declarar que não há esperança. Que não há solução. Essa posição só foi reforçada recentemente quando o Exército admitiu que seus esforços para trazer segurança a Bagdá falharam.

Então, apesar de o desencanto ter crescido gradualmente, incidentes recentes como a admissão do Exército [sobre a falha na condução da guerra] tiveram um impacto crítico na opinião pública.

Folha Online - Que peso tem hoje o escândalo do deputado republicano Mark Foley [que enviava e-mails com conteúdo sexual para estagiários adolescentes da Casa Branca] para a queda de popularidade do Partido Republicano?

Crenson
- Os eleitores realmente se ocuparam com esse escândalo por alguns dias, mas isso não chega nem perto do impacto que tem a guerra. Mark Foley é passado. Ele causou um sério dano ao Orador da Câmara dos Representantes [o republicano Dennis Hastert], e provavelmente atrapalha os republicanos de assumirem a posição de guardiões da moral, mas isso não é nem de longe tão importante quanto a questão do Iraque.

Folha Online - Defesa e política externa temas tradicionais dos republicanos. Isso ainda é verdade, após o fracasso no Iraque?

Crenson
- Acho que isso está mudando. Acredito que a imagem pública dos dois partidos, na verdade, está enfrentando uma mudança profunda. Não apenas em defesa e nas questões militares, mas em vários pontos. O Partido Republicano costumavam ser o "condutor" da responsabilidade fiscal, mas as administrações republicanas desde Reagan [Ronald, 1981-1989] tiveram enormes déficit fiscais. Na verdade, o último presidente que equilibrou o Orçamento foi Clinton [democrata].

Quanto ao partido mais confiável em questões de Defesa do país, acho que também está mudando. A transformação ainda não está completa, mas os resultados no Iraque estão corroendo a reputação republicana de ser o partido da segurança nacional. Especialmente agora que enfrentamos ameaças nucleares --Coréia do Norte e Irã-- e isso é algo que assusta muito as pessoas.

Folha Online - Em uma pesquisa realizada pela rede de TV CNN em agosto deste ano, a economia ficou em primeiro lugar na lista dos assuntos que mais interessam aos americanos na hora de decidir o voto. O sr. pensa que isso mudou ou ainda será o assunto dominante em novembro?

Crenson
- A economia sempre é o assunto principal. Mas ela tem ido relativamente bem nos últimos tempos, embora muitos americanos não se sintam confiantes quanto ao futuro, e não sentem em suas vidas o impacto do crescimento econômico. Penso que o presidente espera que a situação da economia o ajude, mas não acho que vai ajudar muito.

Folha Online - Com tudo isso, quais são os pontos fortes e fracos dos republicanos nessas eleições, em sua opinião?

Crenson
- O Iraque é definitivamente o ponto fraco. Eles têm muita dificuldade em explicar a situação no Iraque. Na verdade, muitos candidatos republicanos estão tentando minimizar sua filiação partidária por causa disso.

O ponto forte... é difícil identificá-los. Suponho que seja sua proximidade com o fundamentalismo religioso, e mesmo isso está diminuindo. O escândalo de Foley interferiu nessa proximidade, e muitos da direita cristã estão insatisfeitos e acham que Bush não ofereceu as políticas que eles queriam no quesito moral. Ainda assim, eles sabem que os democratas vão oferecer ainda menos dessas políticas.

Então, se há um ponto forte, é a tendência conservadora cristã dos republicanos. E a razão para isso é que a igreja cristã constitui uma das mais poderosas instituições de mobilização política do país. Os próprios partidos políticos estão enfraquecidos e não são mais capazes de mobilizar eleitores como já foram no passado. Eles operam em grande medida como parasitas de outras instituições.

Folha Online - Se as pesquisas se mostrarem corretas e os democratas realmente tomarem o controle da Câmara dos Representantes, que impacto essa derrota terá para os dois últimos anos do governo de Bush?

Crenson
- Na verdade, penso que na medida em que os democratas consigam o controle, eles podem se prejudicar. Uma coisa que eles ganham em ser maioria é que eles estarão na posição de lançar investigações sobre as ações do atual governo --o que eles não podem fazer agora. Isso eles têm de fazer hoje, enquanto estão fora do Congresso.

Mas a partir do momento em que controlarem parte do Congresso, os democratas vão ter de assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo. E o Partido Democrata é tão fragmentado e difuso que não estou convencido de que serão capazes de projetar uma plataforma clara de oposição ao presidente.

Folha Online - Então uma eventual vitória democrata no Congresso não seria uma preparação para uma campanha vitoriosa nas eleições presidenciais de 2008?

Crenson
- Certamente não há garantias. Acho que eles vão conseguir infligir danos à administração Bush por meio de seu poder de investigar o Executivo, mas se você observar os membros do Congresso que se consideram democratas, eles vão desde pessoas que querem a retirada imediata das tropas americanas do Iraque a outras que querem manter as tropas lá.

Devido a esse grande leque de opiniões, o partido não tem coerência suficiente para assumir a liderança. Em 2004, Bush danificou muito a campanha de Kerry [John, candidato democrata derrotado por Bush] ao dizer que ele tinha mudado de opinião várias vezes com relação à Guerra do Iraque. Kerry soava muito confuso.

Até agora, nenhum democrata conseguiu uma posição clara que tenha o apoio do partido. Hillary, por exemplo, votou a favor da resolução que permitiu ao presidente usar força militar no Iraque, e tem sido muito ambígua desde então. Já que ninguém toma uma posição coerente, fica fácil para os republicanos dizerem que os democratas não sabem o que estão fazendo.

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