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03/12/2006 - 09h16

Vitória de Chávez reforçará ascensão da esquerda na América do Sul

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JAMES CIMINO
da Folha Online

A América do Sul vive momento político peculiar com a ascensão de presidentes de esquerda em seis dos principais países do continente: Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva), Argentina (Néstor Kirchner), Chile (Michele Bachelet), Bolívia (Evo Morales), Equador (Rafael Correa) e, caso o presidente Hugo Chávez se reeleja neste domingo, a Venezuela.

Para cientistas políticos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB) esse "boom" dos partidos de orientação socialista é uma resposta ao fracasso social dos sistemas econômicos neo-liberais implantados nesses mesmos países durante a década de 90.

Rafael Villa, venezuelano e doutor em ciência política pela USP, diz que a eleição e, em alguns casos, a reeleição de presidentes de esquerda "significa que as opções conservadoras são vistas como fracassos". "Os eleitores não vêem mais a esquerda como uma ameaça, e o resultado das urnas é uma espécie de rejeição às políticas neo-liberais praticadas na década de 90."

O professor do Departamento de Relações Internacionais da UnB, Virgílio Arraes, engrossa o coro ao dizer que "o que une todos esses países é a decepção com os resultados sociais produzidos pelo neo-liberalismo", a despeito do sucesso parcial que esses sistemas tiveram em termos de estabilidade econômica e de acesso ao consumo. "O neo-liberalismo privilegiou o consumidor, e não o cidadão", completa Arraes.

Populismo repaginado

O sucesso da esquerda tem incomodado os estratos mais conservadores de todos esses países, que classificam estes governos, centrados em figuras carismáticas como Lula, Chávez e Morales, de populistas --sistemas de governo que privilegiam um diálogo direto entre o governante e as massas, muitas vezes desprezando outros dois importantes atores sociais dos regimes democráticos como os poderes Legislativo e Judiciário.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, e o recém-eleito equatoriano Rafael Correa são os principais exemplos dessa tendência, pois ambos pretendem realizar profundas modificações nas Constituições de seus países e, em discursos inflamados, amplamente apoiados pelas comunidades menos favorecidas, apontam certo desprezo pela opinião de congressistas da oposição acerca dessas mesmas alterações.

A justificativa seria a efetivação da igualdade proposta pela democracia, pois as tais reformas acabariam com os privilégios de uma pequena elite, mas a prática guarda em si um paradoxo, pois pretende legitimar a democracia passando por cima de suas próprias instituições. "O que a América Latina está vivendo hoje em dia é o paradoxo da democracia", afirma Virgílio Arraes.

"O que acontece hoje é uma reconfiguração do populismo dos anos 30 e 40, só que agora não mais travestido da forma ditatorial. Bem ou mal, esses presidentes todos passaram pelo crivo da eleição. É um populismo reconfigurado. Com uma pressão popular maior, que faz com que esses dirigentes se sintam tentados a cortar o processo político tradicional, desvirtuando todos os mecanismos da democracia. É aí que está o paradoxo, pois a pressão popular entre o real e o desejável faz com que os governantes caiam na tentação de ver o congresso como um 'burocratizador'", explica Arraes.

Segundo o professor, o povo "descobriu o valor do voto", mas o que me preocupa na América Latina é a valorização da figura do líder, não do partido. "A alternância de poder é salutar à democracia e acontece com muita freqüência na Europa e nos Estados Unidos, mas lá o eleitor se identifica com uma ideologia partidária", pondera o professor.

Venezuela

Já Rafael Villa reconhece o populismo como uma "prática enraizada à cultura latino-americana" e reconhece que esses governos "reproduzem comportamentos populistas", mas tem suas dúvidas sobre se "tudo que está surgindo pode ser desqualificado com o uso do termo populismo".

"Hoje em dia nenhum governante se mantém no poder na base do discurso, sem ter feito algo concreto", afirma Villa, que, como venezuelano, identifica políticas chavistas que podem ser as razões da provável reeleição do mandatário.

"Chávez conseguiu montar um sistema de políticas sociais muito aceitas em todos os segmentos sociais, como as relativas à erradicação do analfabetismo, assistência médica 24h para os setores mais pobres e créditos para as pequenas e médias empresas."

Mesmo assim, Villa apresenta uma contrapartida: "O que pode haver de melhor nessa eleição é que a oposição obtenha um número significativo de votos, porque não é saudável para a democracia a unanimidade."

Economia de mercado

Durante a campanha eleitoral para a Presidência do Brasil em 2006, a candidata Heloísa Helena, uma dissidente do PT de Lula, afirmou por diversas vezes não ver diferenças entre o petista e seu adversário Geraldo Alckmin (PSDB), pois ambos seriam "duas faces da mesma moeda".

Arraes vê certa coerência no discurso da candidata, pois a esquerda latino-americana está alinhada às demandas da economia de mercado.

"Todos esses presidentes hoje apresentados como de esquerda, embora haja um discurso inflamado, como é o caso do próprio Chávez, possuem medidas administrativas que, na prática, não conseguem sair do cunho compensatório [com distribuição de renda por meio de programas sociais, como o Bolsa Família]. Não há mudança na estrutura", diz o professor.

É o caso do Brasil e da Venezuela. O Brasil, que tem uma política mais diversificada, com a maior população e com um parque industrial razoavelmente eficiente, por isso tem mais chances de manter essa distribuição de renda. "Mas a Venezuela, o Equador e a Bolívia conseguem isso em função da alta dos preços do petróleo e do gás", acrescenta.

Mercosul

Arraes também tem dúvidas se o fortalecimento da esquerda sul-americana poderia consolidar o Mercosul, apesar dos alinhamentos políticos.

"Creio que falta ao Mercosul a vontade de uniformizar gradativamente os processos políticos e econômicos. Com a entrada da Venezuela e da Bolívia, o bloco se tornaria uma potência energética, mas o desafio do Mercosul é que ele não consegue ir além de um bloco comercial, já que nenhum desse presidentes rejeitam a presença de investimentos externos".

Para Arraes, há escassez de políticas sociais comuns, como os parâmetros mínimos de legislação trabalhista a serem adotados por todos os países, por exemplo. "O Mercosul tem de abandonar o personalismo de seus presidentes e investir em um Parlamento comum", afirma o especialista.

Mais otimista, o professor Villa vê melhor futuro para o bloco sul-americano. "Há muito mais possibilidade de integração [entre esses países] com o projeto da esquerda, que visa a fortalecer a identidade cultural latino-americana e a colaboração entre as nações, do que com o projeto neo-liberal, que é mais centrado na competição entre mercados."

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