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03/12/2006 - 09h49

Veneno que matou ex-espião russo é raridade

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CLAUDIO ANGELO
editor de Ciência da Folha de S.Paulo

A vida, às vezes, pode ser muito pior que a arte. Nem mesmo escritores de romances de espionagem, como Ian "007" Fleming, ousaram imaginar o assassinato de algum de seus personagens com o altamente mortal polônio 210, usado para dar cabo do ex-espião russo Alexander Litvinenko.

O ex-espião, que estava exilado havia seis anos, morreu em Londres no dia 23 de novembro, 22 dias depois de apresentar os primeiros sintomas de contaminação.

Esse elemento radiativo é tão raro e tão tóxico que simplesmente não existem estudos sobre qual é a dose letal para humanos. "Sabe-se que a quantidade letal para cobaias de laboratório é de aproximadamente 8,84 nanogramas [bilionésimos de grama] por quilo de peso", disse à Folha a bioquímica Sandra Bellintani, do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares).

Se parece pouco para você, é mesmo: Bellintani ressalta que a sensibilidade de humanos à radiação é menor que a das cobaias --portanto, a dose letal humana deve ser maior.

Perto do Po-210, até mesmo o cianureto, veneno por excelência dos espiões, parece inofensivo: o elemento químico que matou Litvinenko é 250 bilhões de vezes mais tóxico.

Veneno raro

O polônio é um dos elementos mais raros da natureza. Ele é produzido pelo decaimento (desintegração) do átomo de urânio, que tem um núcleo extremamente pesado e, portanto, instável. Para cada tonelada de urânio e tório existente na Terra, há apenas cem milésimos de grama de Po 210. Ele está presente normalmente no solo, em alguns lugares mais do que em outros. No Brasil ocorre, por exemplo, nas areias de Guarapari (ES), ricas em tório.

A ocorrência natural faz com que todos os seres humanos tenham também uma certa quantidade desse elemento no organismo: cerca de 20 becquerels (unidade de medida de radioatividade).

Fumantes têm bem mais: um único cigarro contém até 75 milésimos de becquerel, e estima-se que o polônio seja um dos fatores de risco de morte por câncer em tabagistas.

Para fabricar o elemento em usinas nucleares, é necessário usar um tipo especial de reator nuclear conhecido como FBR, ou "fast breeder". Só existem dois em operação no planeta --um deles na Rússia, de onde se suspeita que tenha partido a ordem para o assassinato. Estima-se que a produção mundial de Po-210 seja de meros cem gramas por ano.

Radiação

O Po-210 pertence à categoria dos chamados alfa-emissores. Trata-se de elementos com núcleos atômicos grandes, que emitem radiação em forma de partículas alfa, compostas por dois prótons e dois nêutrons.

Outros elementos radiativos, como o césio-137 que vitimou moradores de Goiânia na década de 1980, emitem partículas beta e raios gama, altamente energéticos e capazes de atravessar até paredes.

Como são muito pesadas, as partículas alfa não conseguem viajar muito longe. Isso torna o polônio um elemento radiativo relativamente fácil de conter.

Vidro bem fechado

"Sua radiação não consegue atravessar nem uma folha de papel", diz Bellintani. Um frasco de vidro bem fechado, portanto, não traria nenhuma dificuldade para ser transportado pelo assassino de Litvinenko.

Essa incapacidade de atravessar tecidos do corpo, por um lado, torna o polônio difícil de ser passado de uma pessoa envenenada a outra. Por outro, é justamente o que o faz tão letal.

"Ele se deposita nos tecidos moles do organismo, encosta nas células e libera nelas sua energia", disse Bellintani. A radiação arranca elétrons das moléculas que formam as células, destruindo-as. O resultado é uma morte lenta e inexorável, já que o Po-210 tem uma meia-vida de até 50 dias no corpo.

Do Nobel para a KGB

Ironicamente, o polônio foi o primeiro elemento químico batizado para chamar atenção para uma causa política --que, aliás, envolvia a Rússia.

Sua descoberta foi feita em 1898 por Marie Curie enquanto estudava as propriedades da pechblenda, o minério de urânio. O achado daria à cientista o Nobel de Física de 1911.

Batizado inicialmente de "rádio-F", por ser produzido durante o decaimento do átomo de rádio, ele foi depois rebatizado em homenagem à Polônia, terra natal de Curie. Segundo Krystyna Kabzynska, do Museu Marie Curie de Varsóvia, a esperança da pesquisadora era alertar o mundo para a causa de seu país, na época ocupado por russos, austríacos e prussianos.

Se escolheu esse veneno para liqüidar um dissidente político, o serviço secreto russo, que tem no presidente, Vladimir Putin, um de seus ex-funcionários mais ilustres, dificilmente poderia ter dado um recado mais claro.

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