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08/02/2007 - 02h10

Alemanha revive terror dos 1970 com pedido de libertação de condenados

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MARK LANDLER
DO "NEW YORK TIMES", EM FRANKFURT

Em outubro vai fazer 30 anos que os líderes do grupo Baader-Meinhof cometeram suicídio em suas celas de alta segurança em penitenciárias alemãs, encerrando com um sangrento ponto de exclamação uma temporada anárquica de seqüestros e assassinatos que veio a ser conhecida como "o outono alemão".

E exatamente quando a imprensa do país está começando a relembrar intensamente aqueles dias caóticos, dois dos últimos quatro membros aprisionados do grupo terrorista, que mais tarde veio a ser conhecido como Fração do Exército Vermelho, apresentaram petições às autoridades por libertação antecipada.

As petições deflagraram um debate furioso na Alemanha sobre a maneira pela qual deveriam ser tratados os dois terroristas de extrema esquerda, nenhum dos quais expressou em público arrependimento por seus crimes. Já que estamos falando da Alemanha, a discussão inevitavelmente passou a girar em torno de como enfrentar os fantasmas da História.

Os dois terroristas, Brigitte Mohnhaupt e Christian Klar, foram condenados pelos assassinatos de um presidente de banco, um promotor público federal e um líder sindical, durante uma onda de crimes que durou sete meses, em 1977, e deixou o país traumatizado. Sentenciados a prisão perpétua, os dois já serviram 24 anos.

Mohnhaupt, 57, solicitou liberdade condicional, e a promotoria alemã apoiou o pedido, alegando que ela já não representa ameaça para a sociedade. Klar, 54, terá de cumprir pelo menos mais dois anos de sua sentença de prisão, antes que se torne elegível para liberdade condicional, mas solicitou o perdão do presidente Horst Köhler pelos seus crimes.

Enquanto Köhler estuda a questão, o que não lhe falta são conselhos, vindos de todos os quadrantes.

"Uma expressão de remorso poderia ajudar; até agora, Klar não demonstrou arrependimento algum", escreveu o jornal "Stuttgarter Nachtrichten". O diário berlinense "Der Tagesspiegel" declarou que, nos termos das leis alemãs, o tribunal têm pouca escolha a não ser libertar Mohnhaupt, uma relíquia "da era paleozóica do terrorismo alemão".

A julgar pela atenção que vem sendo dedicada a esses exemplares obsoletos de terrorista, os alemães continuam profundamente fascinados, se não nostálgicos, por uma era em que os terroristas protestavam ferozmente contra os "porcos capitalistas" em nome da revolução mundial.

"Existe um pouco do típico romantismo alemão em ação, nesse caso", disse Henryk M. Broder, jornalista da revista "Der Spiegel". "Essas pessoas não estavam em busca de dinheiro. Não estavam em busca de poder. Não estavam em busca de altos cargos. Eram idealistas pervertidos ou desorientados, e é isso que os alemães tendem a cultuar".

Com o colapso do comunismo, a ideologia da Fração do Exército Vermelho parece anacrônica ao ponto da obsolescência, e certamente não mais representa ameaça.

Para muitos alemães conhecidos, a história desses militantes violentamente determinados serve mais como história cautelar. Homens como Joschka Fischer, que foi ministro do Exterior entre 1998 e 2005, e Daniel Cohn-Bendit, membro do Parlamento Europeu, conquistaram fama inicialmente como líderes estudantis de esquerda durante o período de inquietação do final dos anos 60. Para eles, os membros sobreviventes do grupo terrorista servem como um sombrio lembrete quanto ao caminho que optaram por não tomar.

Em termos práticos, uma larga maioria dos alemães se opõe a que Mohnhaupt e Klar sejam libertados. E até mesmo as pessoas que apóiam suas petições apresentam argumentos estritamente jurídicos, como o de que, e sob os padrões das leis alemãs, muito mais lenientes do que os norte-americanos, a dupla serviu sentenças extremamente longas, e não mais representa ameaça à sociedade. Os 24 anos que eles passaram presos, argumentam algumas dessas pessoas, superam o período de prisão que qualquer dos criminosos de guerras nazistas serviu no país.

Exigir expressões públicas de remorso, afirmam algumas pessoas, seria conceder a esses ex-terroristas um status superior ao de criminosos comuns o que sempre representou um dos objetivos da Fração do Exército Vermelho.

No entanto, a recente cobertura da mídia quanto ao grupo Baader-Meinhof apresenta tom inconfundivelmente mítico, relembrando em detalhes a forma pela qual os terroristas montavam emboscadas contra prósperos industriais nas ruas das cidades da Alemanha. Acompanhando as reportagens, há imagens em branco e preto de carros Mercedes Benz crivados de balas.

Para a Alemanha Ocidental, a onda de terrorismo dos anos 70 e 80 representou um teste da democracia instalada no país havia relativamente pouco tempo e as instituições foram aprovadas, em termos gerais. Embora alguns esquerdistas se queixassem do uso de táticas repressivas em excesso pelas autoridades, a polícia havia desbaratado a Fração do Exército Vermelho muito antes que o grupo se dissolvesse formalmente, em 1998.

O terrorismo islâmico atual funciona de maneira bastante diferente. Embora a Alemanha não tenha sofrido ataques terroristas na era inaugurada pelo 11 de setembro, poucos de seus cidadãos esqueceram que o complô para o seqüestro dos aviões usados nos atentados contra Washington e Nova York foi desenvolvido em Hamburgo, por terroristas islâmicos que não desfrutavam de notoriedade comparável à dos extremistas do Baader-Meinhof.

"Diante do terrorismo que temos de combater hoje, o dos anos 70 era brincadeira de criança", disse Josef Joffe, editor da revista semanal "Die Zeit". "Era o tipo de terrorismo que se podia combater com meios nacionais, e com as ferramentas comuns da justiça criminal".

Isso não representa grande consolo para as 34 vítimas fatais da Fração do Exército Vermelho e para os seus parentes e descendentes. Waltrude Schleyer, viúva de uma das vítimas mais famosas, expressou em público sua oposição à libertação de Mohnhaupt e Klar, afirmando que nenhum dos dois se declarara arrependido. "Essas pessoas não merecem clemência", disse Schleyer em entrevista ao jornal "Bild", um dos maiores do país.

O marido dela, Hanns-Martin Schleyer, ex-nazista que se tornou conselheiro e líder do sindicato dos funcionários do grupo automobilístico Daimler-Benz, e portanto era visto pelos terroristas como alvo ideal, foi seqüestrado em Colônia em 5 de setembro de 1977, em um ataque que causou a morte de seu motorista e de seu guarda-costas. Os seqüestradores exigiram a libertação de alguns de seus companheiros aprisionados, entre os quais o líder do grupo, Andreas Baader.

As fotos de Schleyer que acompanhavam o pedido de resgate e o exibiam posando diante do símbolo mal desenhado da Fração do Exército Vermelho, uma estrela cruzada por um fuzil de assalto Kalashnikov, se tornou um símbolo do terrorismo dos anos 70. Schleyer terminou executado a tiros em uma floresta na França, e seu corpo foi deixado no porta-malas de um Audi.

Depois que Baader se suicidou, em 1977, Mohnhaupt se tornou uma das líderes do grupo, e em 1981 participou de um ataque contra um general norte-americano, Frederick Kroesen, no qual a vítima mal sobreviveu aos foguetes disparados contra seu carro pelos terroristas. Ela foi detida no ano seguinte e, em companhia de Klar, condenada a cinco sentenças de prisão perpétua. Mohnhaupt é elegível para liberdade condicional a partir de março; Klar, em 2009.

Especialistas no grupo terrorista dizem duvidar de que os dois lamentem suas ações. "Brigitte Mohnhaupt estava na vanguarda mais extremista da organização, e Klar também era parte da linha dura", disse Wolfgang Kraushaar, historiador que acaba de publicar um livro sobre a Fração do Exército Vermelho.

Ainda assim, ele disse que o caso de Mohnhaupt deveria ser decidido de acordo com o que as leis dispõem. O caso de Klar, em sua opinião, é mais complicado, porque ele está solicitando perdão, e não liberdade condicional, algo que presidentes alemães do passado concederam a determinados membros do grupo.

Qualquer que venha a ser a decisão, alguns esperam que ela seja tomada com rapidez, para permitir que a Alemanha volte a se concentrar no perigo real. "Temos tarefa complicada o suficiente a realizar, no combate ao terrorismo islâmico militante", disse Rolf Tophoven, especialista em combate ao terrorismo. "Em comparação com a Al Qaeda, a Fração do Exército Vermelho será apenas uma nota de página nos livros de história".

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI

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