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12/02/2007
-
09h57
SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Wasghington
Modéstia e correção política. Eis duas qualidades que passam longe de Gore Vidal e de seus textos. Como o próprio já disse, "Vivi dois terços do último século e quase um terço da história norte-americana. Sei do que falo." Se a experiência e as amizades realmente dão peso às suas opiniões políticas, a soberba acirra ainda mais o ódio que ele desperta nos setores mais conservadores da vida americana.
O fato é que, com o lingüista Noam Chomsky e a ensaísta Susan Sontag, morta em 2004, Vidal foi dos únicos pensadores liberais a ousar vir a público para questionar a política externa norte-americana num período, o pós 11 de Setembro, em que um editor chegou a declarar que "a ironia está morta" e o então porta-voz da Casa Branca advertiu que os jornalistas deveriam ter "cuidado com o que escrevem".
Vidal desrespeitou as duas assertivas, especialmente nos textos das coletâneas "Perpetual War for Perpetual Peace or How We Came To Be So Hated" (guerra perpétua para paz perpétua ou como nos tornamos tão odiados, 2002), "Dreaming War - Blood for Oil and the Cheney-Bush Junta" (Sonhando com a guerra --sangue por petróleo e a junta Cheney--Bush, 2002) e "Imperial America - Reflections on the United States of Amnesia" (América imperial - reflexões sobre os Estados Unidos da Amnésia, 2004).
O mesmo espírito pode ser encontrado na segunda e última parte de suas memórias, que acabam de ser lançadas nos EUA. Em "Point to Point Navigation", há um desfilar de nomes que fizeram a história norte-americana nas últimas décadas, principalmente na política, mas também em Hollywood, nas letras, nas artes e, em menor medida, no empresariado.
O nome, navegação de cabotagem em português, ele tirou desse trabalho que realizou quando jovem --e onde teve sua primeira paixão fulminante, por um jovem marinheiro que depois morreria na Segunda Guerra Mundial. O assunto, a homossexualidade de Vidal, aparece tanto aqui quanto em "Palimpsesto", a primeira parte das memórias, lançada em 1995.
Afinal, é a conclusão da vida do mesmo autor que, indagado por um repórter sobre quando havia "saído do armário", respondeu: "Eu nunca estive no armário". O capítulo em que narra a morte de Howard Austen, seu companheiro por mais de 50 anos e com quem ele escreve nunca ter tido uma vida sexual, é um dos mais tocantes do livro, pela riqueza de detalhes que tentam esconder a emoção.
Hoje, debilitado por uma doença que o fez colocar um joelho artificial e o impede de andar e sair de casa sozinho, Vidal vive em seu palacete em estilo colonial espanhol de Hollywood Hills, em Los Angeles. Divide o lugar com um cozinheiro filipino e um assistente, que mora num apartamento na garagem.
Quando morrer, quer ser enterrado em Washington.
Frases ditas à Folha
"O único momento em que me sinto solitário é quando percebo que a mídia controlada pelas grandes corporações tem negado o direito de crítica contra um regime cada vez mais totalitário."
"[Com seis anos de Bush] perdemos um dos presentes que os ingleses nos deram como despedida quando deixamos de ser uma colônia: a Carta Magna e, com ela, o habeas corpus e os processos devidos da lei."
"Posso ver uma espécie de Guarda Pretoriana sendo formada, por gente com dinheiro, imperadores magnatas do petróleo. Afinal, a grande conquista dos Bushes foi nos levar para muito longe da nossa Constituição e da nossa Carta dos Direitos."
"Chávez é um cínico fabuloso. É um herdeiro que honra a revolução iniciada por Castro."
"Como o malicioso general De Gaulle uma vez disse, o Brasil é a grande nação do futuro, e sempre será."
Frases clássicas
"Não existe guerra contra o terrorismo. Não se pode lutar contra um pronome abstrato; é como guerrear contra a caspa --não tem fim nem razão."
"As figuras públicas de hoje não conseguem mais escrever seus próprios discursos ou livros --e há provas de que não conseguem lê-los também."
"Escreva. O que for, mesmo uma carta de suicídio, mas escreva."
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da Folha de S.Paulo, em Wasghington
Modéstia e correção política. Eis duas qualidades que passam longe de Gore Vidal e de seus textos. Como o próprio já disse, "Vivi dois terços do último século e quase um terço da história norte-americana. Sei do que falo." Se a experiência e as amizades realmente dão peso às suas opiniões políticas, a soberba acirra ainda mais o ódio que ele desperta nos setores mais conservadores da vida americana.
O fato é que, com o lingüista Noam Chomsky e a ensaísta Susan Sontag, morta em 2004, Vidal foi dos únicos pensadores liberais a ousar vir a público para questionar a política externa norte-americana num período, o pós 11 de Setembro, em que um editor chegou a declarar que "a ironia está morta" e o então porta-voz da Casa Branca advertiu que os jornalistas deveriam ter "cuidado com o que escrevem".
Vidal desrespeitou as duas assertivas, especialmente nos textos das coletâneas "Perpetual War for Perpetual Peace or How We Came To Be So Hated" (guerra perpétua para paz perpétua ou como nos tornamos tão odiados, 2002), "Dreaming War - Blood for Oil and the Cheney-Bush Junta" (Sonhando com a guerra --sangue por petróleo e a junta Cheney--Bush, 2002) e "Imperial America - Reflections on the United States of Amnesia" (América imperial - reflexões sobre os Estados Unidos da Amnésia, 2004).
O mesmo espírito pode ser encontrado na segunda e última parte de suas memórias, que acabam de ser lançadas nos EUA. Em "Point to Point Navigation", há um desfilar de nomes que fizeram a história norte-americana nas últimas décadas, principalmente na política, mas também em Hollywood, nas letras, nas artes e, em menor medida, no empresariado.
O nome, navegação de cabotagem em português, ele tirou desse trabalho que realizou quando jovem --e onde teve sua primeira paixão fulminante, por um jovem marinheiro que depois morreria na Segunda Guerra Mundial. O assunto, a homossexualidade de Vidal, aparece tanto aqui quanto em "Palimpsesto", a primeira parte das memórias, lançada em 1995.
Afinal, é a conclusão da vida do mesmo autor que, indagado por um repórter sobre quando havia "saído do armário", respondeu: "Eu nunca estive no armário". O capítulo em que narra a morte de Howard Austen, seu companheiro por mais de 50 anos e com quem ele escreve nunca ter tido uma vida sexual, é um dos mais tocantes do livro, pela riqueza de detalhes que tentam esconder a emoção.
Hoje, debilitado por uma doença que o fez colocar um joelho artificial e o impede de andar e sair de casa sozinho, Vidal vive em seu palacete em estilo colonial espanhol de Hollywood Hills, em Los Angeles. Divide o lugar com um cozinheiro filipino e um assistente, que mora num apartamento na garagem.
Quando morrer, quer ser enterrado em Washington.
Frases ditas à Folha
"O único momento em que me sinto solitário é quando percebo que a mídia controlada pelas grandes corporações tem negado o direito de crítica contra um regime cada vez mais totalitário."
"[Com seis anos de Bush] perdemos um dos presentes que os ingleses nos deram como despedida quando deixamos de ser uma colônia: a Carta Magna e, com ela, o habeas corpus e os processos devidos da lei."
"Posso ver uma espécie de Guarda Pretoriana sendo formada, por gente com dinheiro, imperadores magnatas do petróleo. Afinal, a grande conquista dos Bushes foi nos levar para muito longe da nossa Constituição e da nossa Carta dos Direitos."
"Chávez é um cínico fabuloso. É um herdeiro que honra a revolução iniciada por Castro."
"Como o malicioso general De Gaulle uma vez disse, o Brasil é a grande nação do futuro, e sempre será."
Frases clássicas
"Não existe guerra contra o terrorismo. Não se pode lutar contra um pronome abstrato; é como guerrear contra a caspa --não tem fim nem razão."
"As figuras públicas de hoje não conseguem mais escrever seus próprios discursos ou livros --e há provas de que não conseguem lê-los também."
"Escreva. O que for, mesmo uma carta de suicídio, mas escreva."
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