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17/02/2007 - 02h30

"Paraguai não pode esperar pelo Mercosul", diz vice-presidente

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RAUL JUSTE LORES
Enviado especial da Folha de S.Paulo a Assunção

O vice-presidente do Paraguai, Luis Castiglioni, 44, afirmou que vai buscar um acordo comercial com os Estados Unidos se for eleito presidente no ano que vem. "A burocracia da negociação bloco a bloco com o Mercosul é muito lenta, e o Paraguai não pode esperar, temos que buscar prosperidade e mercados para nossos produtos", disse em entrevista à Folha.

Castiglioni é o favorito a ser o candidato do Partido Colorado nas eleições de abril de 2008, segundo pesquisa divulgada ontem pelo jornal "Última Hora", de Assunção. Entre os cinco favoritos, Castiglioni tem 39,6%, bem à frente da ministra da Educação, Blanca Ovellar, e do neto do ex-ditador Alfredo Stroessner, Goli Stroessner.

Engenheiro-civil e empresário da construção, Castiglioni é chamado em Assunção de "homem dos Estados Unidos". Além de apoiar o TLC, que passaria por cima do Mercosul, ele defendeu a presença de tropas americanas no país até o final do ano passado.

A polêmica é tanta que, há dois meses, a embaixada americana até emitiu comunicado dizendo que não tinha candidato e que não iria interferir na política interna do país.

O jovem político contou à reportagem da Folha que foi convidado pelo vice-presidente José Alencar a visitar o Brasil em março. O convite foi feito pessoalmente pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, em Assunção.

Mas o governo brasileiro ainda não convidou o favorito para as eleições paraguaias, o ex-bispo esquerdista Fernando Lugo, 55. Sua bandeira de campanha é exigir aumento da tarifa da energia elétrica excedente de Itaipu que o Paraguai vende ao Brasil.

Castiglioni foi constituinte aos 29 anos, e está no Partido Colorado desde 1979. O único obstáculo a sua candidatura é a vontade do presidente Nicanor Duarte Frutos de querer aprovar uma emenda constitucional para permitir a reeleição. Se não conseguir, Nicanor apoiará Castiglioni. Leia trechos da entrevista que Castiglioni concedeu à Folha.

Folha - O favorito em todas as pesquisas eleitorais é o ex-bispo Fernando Lugo. À Folha ele disse que podem impedir sua vitória. Ele pode ser o próximo presidente?

Luis Castiglioni -
Neste momento, ele tem um impedimento constitucional. Seu problema não é o governo ou o Partido Colorado. A resposta de Sua Santidade, o papa Bento 16, diz que ele continua sendo bispo, padre, e nossa Constituição é clara em dizer que qualquer ministro de qualquer religião não pode ser candidato.

Folha - Não vai parecer que o Partido Colorado o impediu?

Castiglioni -
Não somos nós que vamos impedi-lo. A Justiça ordinária ou a eleitoral decidirá. A questão é de apego à lei. As leis precisam ser respeitadas por todos. Não podemos fazer exceções. Não podemos dizer "Ah, vamos fazer uma exceção porque ele é um senhor muito bom, respeitável". Todos têm que respeitar a Constituição.

Folha - Se o senhor for eleito, quais serão suas prioridades?

Castiglioni -
Levar o Paraguai a um caminho de desenvolvimento sustentável. Não quero apenas crescimento porque ele não resolve os problemas sociais. Quero uma política social muito forte para lutar contra a pobreza e a desigualdade. O Paraguai, como o Brasil, tem muita desigualdade. A distribuição de riqueza que é criada não é derramada naturalmente entre todos os setores. Isso não acontece. Temos que diminuir as brechas entre quem tem e quem não tem. O crescimento só favorece os que mais têm.

Quero uma política econômica séria que aponte ao Estado de Direito, segurança jurídica, ambiente favorável aos negócios e transparência. Quero abrir o Paraguai ao mundo, a todo o mundo. Tem que buscar investimentos no Mercosul, na Europa, na América do Norte. Estive na China, no Oriente Médio, em Israel, no México, nos Estados Unidos, na Alemanha, chefiando missões comerciais.

Folha - E o Mercosul?

Castiglioni -
O Paraguai tem um mercado muito pequeno. Precisamos desenvolver mercados externos. Temos que aperfeiçoar o Mercosul. Precisamos levar em conta as enormes diferenças entre um gigante como o Brasil e nosso país. Paraguai e Uruguai não chegam a 1% da economia do Mercosul. Não queremos uma integração solidária, não queremos caridade. Precisamos de uma integração justa. Uma vizinhança onde há regiões com muita pobreza, miséria, que são fontes de violência e crime organizado, será um problema. Não queremos ser um problema. Quero interação com o Brasil. Confio no Brasil como um líder positivo, que faça o Mercosul se relacionar com todo o mundo.

Folha - No passado, o senhor já chamou os fundos estruturais do Mercosul de "migalhas". Continua a achar isso?

Castiglioni -
Isso mudou. Notamos que Lula tem um interesse genuíno em superar as assimetrias. É um sinal concreto, me entusiasma. Mas o Mercosul continua sofrendo com as barreiras extra-tarifárias, que bloqueiam a entrada de nossos produtos, de nossos poucos produtos com valor agregado ao Brasil. Nossos inseticidas, por exemplo, que têm ISO 9001, e tudo mais, não conseguem entrar no Brasil há 13 anos. Há uma longa lista de produtos que são barrados inexplicavelmente. Nossos supermercados no Paraguai estão cheios de produtos brasileiros, por isso seria justo deixar os produtos paraguaios chegarem aos supermercados em São Paulo, Curitiba ou Santa Catarina.

Folha - O Tratado de Itaipu é um grande tema na campanha eleitoral. Vários candidatos falam em revisá-lo e que o Brasil precisaria pagar muito mais pela energia que compra do Paraguai. Qual é a sua opinião?

Castiglioni -
Precisamos tratar desse tema muito seriamente. Estão usando esse tema como um clichê, de forma eleitoreira. Não dizem à população que qualquer mudança precisa da aprovação das duas partes. Fernando Lugo prometeu mudar o tratado, mas ele não pode. Tem que falar com o Brasil primeiro. Precisamos tirar mais benefícios de Itaipu, e confiamos que nosso sócio, o Brasil, tenha abertura necessária para entender e ir negociando por partes. É o que podemos dizer. O resto é demagogia e populismo, a única coisa que o populismo faz é empobrecer os povos. O que posso dizer é que só com um diálogo franco, sincero e respeitoso com o Brasil poderemos avançar em uma ampla agenda.

Folha - O senhor falou que o populismo empobrece os povos e já criticou o presidente venezuelano Hugo Chávez. Acha que ele prejudica o Mercosul?

Castiglioni -
Não quero entrar em questões internas da República Bolivariana da Venezuela, que tem um povo livre e soberano. O que eu digo é que os debates que temos no Mercosul não devem misturar os temas de integração com as questões ideológicas. Isso prejudicaria a integração. As questões ideológicas dependem fundamentalmente dos líderes que ocupam conjunturalmente os governos. Neste momento, o Brasil tem um presidente de centro-esquerda, depois pode entrar um diferente, e não é por isso que o Mercosul mudará ou vai desaparecer. Negociações têm que levar em conta temas econômicos, não condicionamentos ideológicos, se negociamos com a China, ou com os Estados Unidos. Não podemos criar barreiras ideológicas.

Folha - O senhor defende acordos bilaterais com os EUA.

Castiglioni -
A assinatura do tratado por um governo dito de esquerda, do presidente Tabaré Vázquez, do Uruguai, com a economia mais importante do mundo, os Estados Unidos, é um exemplo, e vai ajudar muito o Uruguai. Ele não disse, "sou um socialista, não posso assinar com os EUA". Eu apóio completamente o Tabaré [o governo uruguaio está negociando um acordo de investimentos e comércio com os EUA]. Ele buscou o que seu povo necessita. Se for presidente, farei o que favoreça o povo paraguaio, isso é o que guiará minha política externa.

Uma ideologização do Mercosul levantará barreiras que até hoje não existiam.

Folha - Se o senhor for presidente, o Paraguai também buscará acordo com os EUA?

Castiglioni -
Sim. Com certeza. Mas sem prejudicar o Mercosul. Quero deixar isso claro. Temos o direito justo de procurar nosso desenvolvimento e prosperidade com esse tipo de acordo que o Uruguai quer assinar. Espero que o Mercosul se aperfeiçoe tanto que no futuro nós negociamos com todos os blocos econômicos. Com a Europa, com o Nafta

Enquanto persistem os problemas de integração, as assimetrias não solucionadas, acho que os países menores, menos desenvolvidos, têm o direito de procurar esse tipo de acordo.

Folha - Mas o Mercosul está tentando há tempos fazer tratados com esses blocos. O Paraguai não pode esperar?

Castiglioni -
Nós vemos que o povo não pode esperar. Não é ideologia. É o futuro de nossas nações. Gosto que os EUA vejam o Brasil como líder de uma revolução energética. Comemoramos porque o Paraguai se beneficia como sócio. Mas não podemos esperar pela prosperidade. 38% de nossa população é pobre. Não dá para esperar as burocracias, a lentidão das burocracias, dos discursos. Precisamos políticas sociais consistentes, como o Fome Zero. Precisamos mercados e bons preços para os nossos produtos.

Em 2006, nossas carnes atingiram US$ 540 milhões em exportações para a Europa do Leste, Rússia e vários países. O Uruguai vende um terço da carne que nós vendemos, mas eles vendem para os EUA. E obtêm o mesmo dinheiro que nós. O preço que os EUA paga é três vezes maior. Por isso estamos negociando para entrar no mercado americano.

Folha - O senhor já defendeu a presença de militares americanos no Paraguai. O senhor ofereceria espaço para uma base militar americana no Paraguai?

Castiglioni -
Não, de jeito nenhum. Quero desmentir categoricamente as mentiras das agências de notícias que dizem que temos uma base militar no Chaco paraguaio. Isso é mentira. Não existe. Nem uma barraca. Os militares que vieram por convênio aprovado pelo Congresso fizeram exercícios militares com os paraguaios, assim como nosso Exército faz exercícios com os brasileiros e argentinos. A maior parte deles era formada por médicos militares. Tivemos 450 militares americanos aqui, em grupos de 12 ou 15. Nem chegaram juntos! Querem distorcer a imagem do Paraguai, isso tem finalidade política. Mas acredito na cooperação em temas de segurança, temos missão permanente com Brasil e Argentina.

Folha - Os americanos desconfiam da Tríplice Fronteira, de Ciudad del Este, como fonte de financiamento de grupos terroristas. O senhor também tem essa desconfiança?

Castiglioni -
Lamentavelmente a Tríplice Fronteira ganhou essa fama por fatos reais. Não quero tapar o sol com um dedo. Há muito tempo, nessa região se criou um ambiente propício para atividades ilícitas e para o crime organizado. É um desafio para essa região e para os três países. Não é só Ciudad del Este, mas Foz do Iguaçu, Puerto Iguazú e Ciudad del Este. Uma região que poderia atrair turistas de todo mundo para ver suas riquezas naturais.

Por muito tempo, o contrabando circulou livremente. Hoje continua operando, mas muito menos. A maioria das lojas já emite nota fiscal, foi regularizada. Mas precisamos da cooperação e do envolvimento dos três países naquela área.

Folha - Há uma grande disputa no Partido Colorado porque o presidente Nicanor Duarte busca a reeleição. O senhor já é candidato?

Castiglioni -
Neste momento, já dei a palavra para o presidente que vou esperar a decisão da emenda constitucional que será apresentada ao Congresso para permitir a reeleição. Se o presidente consegue a modificação e o referendo popular aprova a reeleição, eu apóio o presidente.

O presidente fez um trabalho muito bom. Resgatamos o país de um processo de default e quebra econômica em 2003. Em um ano e meio, devolvemos estabilidade econômica ao país. O FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) nos têm usado como exemplo. Há três anos temos superávit fiscal, depois de uma década de déficit consecutivo. Controlamos a inflação, temos recorde histórico de reservas, o triplo do que em 2003. Nossas exportações subiram 75%. A arrecadação de impostos aumentou em 100%.

Principalmente, há uma acelerada formalização do sistema econômico. Fizemos reformas e novas leis fiscais que ajudam a formalizar a economia, com vantagens para a pessoa sair da informalidade e pagar impostos.

Hoje o Paraguai tem a menor pressão tributária de toda a região. Não chega a 11%. O IVA é de 10%. O imposto de renda das empresas baixou de 30% para 10%. E o imposto de renda pessoal é de 10%. Demos facilidade para que as pessoas paguem impostos. Há um recorde de novos contribuintes. A economia está se formalizando e combatendo a sonegação.

Folha - Mas os paraguaios continuam muito pobres.

Castiglioni -
É verdade. Mas havia 46% de paraguaios na pobreza e 21% em pobreza extrema em 2003, hoje temos 38% de pobres, com 16% de extrema pobreza. Não é o que buscamos, claro, mas mostra uma tendência positiva.

O presidente deveria continuar. Mas se ele não conseguir, há um novo panorama. Já refleti e penso em lançar um projeto presidencial. Sim, é muito provável que eu seja o candidato. Em 60 dias, saberemos se haverá reeleição ou não, e o que nosso partido quer dizer.

Folha - O Partido Colorado está há 60 anos no poder e é acusado há anos de muita corrupção. Os paraguaios não querem uma mudança agora? O que fazem os colorados para combater a corrupção?

Castiglioni -
Começamos um processo de mudança, mas falta muito o que fazer. Luto por uma depuração no partido. Tenho problemas com certos setores do partido porque defendo uma renovação de mentalidade. O Partido Colorado precisa recuperar suas raízes, que seja porta-voz da sociedade em geral. Que sejamos um interlocutor válido, e que não se limite a ser uma máquina eleitoral que vence eleições. Precisamos depurar.

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