Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
22/04/2007 - 09h40

"Faça o barulho das balas cessar", rezou sobrevivente de massacre

Publicidade

SÉRGIO DÁVILA
enviado especial da Folha de S.Paulo a Blacksburg (Virgínia)

"Bang, bang, bang." Essa é a lembrança que Haiyan Cheng tem da última segunda-feira. São dos tiros disparados bem perto de seus ouvidos, que deixaram um zunido que persistia quando ela conversou com a Folha na noite de quinta-feira, por telefone, em Blacksburg, depois de ter trocado e-mails com a reportagem.

Professora-assistente do Virginia Tech, caminho escolhido por muitos ex-alunos como ela ao se formar, Haiyan ajuda o titular da cadeira de ciência de computação na preparação das aulas e no trato com os alunos. Chinesa, veio estudar nos EUA como o sul-coreano Cho Seung-hui e mais de 7,5% dos alunos e professores de uma universidade de 26 mil pessoas.

Até o massacre que matou 32 pessoas e o atirador, Haiyan nunca tinha ouvido falar de Cho. Ela se lembra que aquela manhã era mais fria que o habitual em Blacksburg em abril. Passou pelo escritório, checou e-mails e deixou o celular carregando --na semana anterior, esquecera de fazer isso e, para desespero do marido, se viu sem carga no meio de uma suspeita de bomba no prédio.

A polícia acredita que o autor das três ameaças de bomba tenha sido Cho, num plano para testar a velocidade de resposta da polícia do campus e a segurança do edifício de engenharia, futuro palco do que seria descrito por agentes veteranos como "a pior cena de crime já vista", com três dezenas de corpos espalhados por quatro classes e pelas escadas, a maioria alvejada pelo menos três vezes.

Às 8h59, Haiyan chegou ao prédio. Não sabia se sua classe era a 204 ou 205. Pelo canto dos olhos, viu que a 204 já tinha um professor mais velho. Era o sobrevivente do Holocausto Liviu Librescu, que minutos depois salvaria a vida de seus alunos e perderia a própria ao usar o corpo como barreira contra Cho, enquanto seus estudantes pulavam pela janela e se salvavam.

Disparos e sirenes

Às 9h, Hayan começou a aula, após abrir a janela e deixar a brisa fria entrar. O tema do dia era "Soluções numéricas de ODE", sigla em inglês para equações diferenciais ordinárias, um conceito matemático. Faltando 15 minutos para o fim da aula, ela ouve o barulho.

"Bang, bang, bang".

São vários, e muito altos. Haiyan e os alunos pensam que vêm de uma construção. O ruído pára por alguns segundos. E volta. Ela ainda não sabe, mas é Cho recarregando uma das duas armas que havia comprado nos últimos 30 dias, uma Glock 9mm e uma Walther .22. Segundo a polícia e ex-colegas, ele havia deixado seu dormitório por volta das 7h, depois de se exercitar, como começara a fazer em março.

Estava com o cabelo recém-cortado, coberto por um boné vinho, uma das cores da universidade, um colete bege em que levava pentes de munições e uma mochila com duas facas. Nos próximos minutos, mataria dois estudantes num dormitório vizinho, voltaria a seu quarto, número 2.121, indicado por um peixe na entrada com o nome dos dois moradores, "Joseph + Seung-hui", concluiria seu "manifesto multimídia" e o poria no correio às 9h01.

E caminharia até o prédio onde Haiyan dava aula. É Cho descarregando parte do que a polícia acredita ter sido até 250 tiros que a professora-assistente ouve agora. Então, a pausa. Ela iria iniciar outro tópico quando os barulhos recomeçaram. "Bang. Bang." Uma aluna chamada Teresa vai para a porta; ela a segue, com as anotações ainda na mão.

Pela porta entreaberta, vê um rapaz passar. Só por um segundo, mas percebe que ele leva uma pistola preta em uma das mãos, que se veste de preto e tem o rosto arredondado. Ela e Teresa se viram e correm. Haiyan ouve um barulho quase ensurdecedor, seguido de um objeto que zune a seu lado e se aloja no tablado sob a mesa.

Um aluno indiano sugere uma barricada. Outros três o ajudam na empreitada. Os tiros seguem no corredor, com uma parede separando-os de Cho. Que pára, vira e tenta entrar na classe. Ele empurra a porta, que empurra a mesa, mas os quatro alunos a empurram de volta. Cho dispara várias vezes.

Dois estudantes estão chamando a polícia pelo telefone. Quatro garotas se jogam no chão. Os disparos seguem, agora cada vez mais longe da porta. Haiyan se ajoelha e começa a rezar. "Por favor, faça com que ele pare, por favor, faça o barulho das balas cessar", é o que pede. Então, ela e seus onze alunos ouvem sirenes, mais alguns disparos. E silêncio.

Em segundos, alguém bate na porta. É um policial, que procura sobreviventes. A professora-assistente lidera os alunos e, na escada, pega na mão de Lisa, outra das alunas, para que desviem das poças de sangue no chão. Depois, um paramédico lembraria que, enquanto ele e os colegas recolhiam os 33 corpos, os celulares dos mortos não paravam de tocar.

Sem celular, Haiyan pede o laptop emprestado de um dos que trabalham no resgate e manda um e-mail ao marido: "Sobrevivi", resume.

Ao repórter, concluiria o relato: "Temos de valorizar cada minuto da vida".

Leia mais
  • Governador da Virgínia declara dia de luto por massacre
  • Parentes e alunos fazem luto por mortos em massacre na Virgínia
  • Comentário: Tragédia nos EUA traz à tona questão de liberdade e porte de arma
  • Atirador comprou arma por US$ 571; Coréia do Sul teme retaliação
  • Para "New York Times", controle de armas é necessidade urgente

    Especial
  • Enquete: O que pode ajudar a prevenir ataques dentro de universidades nos EUA?
  • Leia a cobertura completa sobre o massacre na Virgínia
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página