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10/05/2007 - 19h12

Blair será lembrado pela invasão do Iraque, afirma especialista

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ANDREA MURTA
da Folha Online

A saída do premiê do Reino Unido, Tony Blair, do governo britânico --anunciada nesta quinta-feira e que deve acontecer em 27 de junho-- se dá sob a sombra de um grande fracasso: o apoio aos Estados Unidos na invasão do Iraque, em 2003. Para Steven Kettell, professor de política da Universidade de Warwick (Inglaterra) e editor do periódico "British Politics" (Política Britânica), Blair será lembrado especialmente pela guerra.

"A sugestão de que Blair foi o 'poodle' de [o presidente americano, George W.] Bush é, na minha opinião, completamente errada. Blair queria fazer a guerra contra Saddam Hussein. Ele a conseguiu. E será lembrado por ela para sempre", diz Kettell.

Apesar de dizer que há vários pontos positivos nos dez anos em que Blair ficou no poder, Kettell afirma que o premiê "poderia, e deveria, ter feito um governo muito melhor". Ainda assim, ele crê que os trabalhistas vencerão as próximas eleições gerais britânicas (em 2009) sob a liderança do ministro das Finanças, Gordon Brown, favorito a suceder o premiê.

Leia a seguir a íntegra da entrevista que Kettell deu à Folha Online por e-mail.

Folha Online - Que mudanças Tony Blair trouxe ao Reino Unido durante os dez anos que permaneceu no poder?

Steven Kettell
- É fácil ter uma visão em uma dimensão, em "preto e branco", sobre Tony Blair e o Partido Trabalhista dado o efeito polarizador que uma década no poder exerce. Mas, claramente, a realidade é uma mistura de pontos positivos e negativos.

No lado positivo, é importante reconhecer os benefícios de um longo período de estabilidade econômica --apesar de isso ter mais a ver com [o ministro das Finanças] Gordon Brown e com a política antiinflacionária dos conservadores antes de 1997. Há também uma melhora nas relações com a Europa. Outro ponto importante é o acordo de divisão de poder alcançado na Irlanda do Norte, e ainda o processo de reforma constitucional.

No lado negativo, os níveis de desigualdade social cresceram na última década. Vastas somas de dinheiro foram gastas em uma tentativa mal feita de reformar o funcionalismo público por meio de um maior envolvimento do setor privado. O sistema político perdeu parte de sua credibilidade por uma combinação de mentiras e do estilo pouco democrático de Blair de governar. E, é claro, a herança do [envolvimento britânico na guerra do] Iraque continuará a ser sentido por muitos anos.

No geral, Blair poderia, e deveria, ter feito um governo muito, muito melhor.

Folha Online - O premiê deixa o governo sob a sombra da guerra no Iraque, que parece se sobrepor a todas as suas ações no governo. Dada a aliança entre os Estados Unidos e o Reino Unido, o que poderia ter sido feito diferentemente no curso da guerra?

Kettell
- Não sei o que ele poderia ter feito diferente depois que a guerra começou, mas Blair poderia certamente ter tomado outro rumo de ação antes da invasão. O envolvimento britânico na invasão do Iraque foi solicitado pelos EUA por uma questão diplomática, não militar. Se Blair tivesse optado por não apoiar a guerra, isso não a impediria de acontecer.

Há a percepção de que Blair sofreu forte pressão de [o presidente dos EUA] George W. Bush para ajudar na guerra, mas na verdade ele foi um dos principais protagonistas de toda a ação.

A sugestão de que Blair foi o "poodle" de Bush é, na minha opinião, completamente errada. Blair queria fazer a guerra contra Saddam Hussein. Ele a conseguiu. E será lembrado por ela para sempre.

Folha Online - O premiê afirmou nesta quarta-feira que a formação de um governo de divisão de poder entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte foi um de seus maiores sucessos no governo. Qual é a percepção dos britânicos sobre o acordo?

Kettell
- Eu diria que estamos ceticamente otimistas. É claramente um grande progresso, e com certeza um sucesso --pelo menos no curto prazo. O sucesso real, porém, é o fato de que mesmo se este novo governo da Irlanda do Norte cair, todos os partidos investiram tanto no processo de paz que não há como voltar para os antigos problemas. Um estilo de política estável e pacífico na Irlanda do Norte é algo que todos podem comemorar.

Folha Online - Os separatistas da Escócia conseguiram uma grande vitória e se tornaram o partido dominante na assembléia da Província. A derrota dos trabalhistas é um reflexo da deterioração da imagem de Blair ou este é um fenômeno separado?

Kettell
- É uma combinação de ambos os fatores. A imagem de Blair enfrenta hoje um nível de deterioração recorde (apesar de certa recuperação nas últimas semanas), e as pessoas estão profundamente decepcionadas com os trabalhistas. Mas o movimento de "devolução" da Escócia foi baseado por um desejo positivo de uma forma de política mais social-democrática --especialmente depois de anos de governo conservador.

Enquanto a impopularidade de Blair teve seu papel, também influenciou a derrota trabalhista a atração que exerce o Partido Nacionalista Escocês. O principal problema para os nacionalistas, é claro, é que não há um grande desejo de independência entre o povo escocês. Os nacionalistas planejam organizar um referendo sobre a independência em 2009, e será interessante observar o que acontecerá se o resultado for, como eu espero, a favor da continuidade da Província no Reino Unido.

Folha Online - E quanto ao crescimento dos conservadores no Reino Unido? É reflexo da impopularidade de Blair ou se deve a uma real atração exercida pelo partido?

Kettell
- Esse fenômeno se deve também a uma combinação de fatores. As pessoas estão cansadas de Blair e dos trabalhistas, mas não há uma grande sensação de redirecionamento a favor dos conservadores. É preciso lembrar que o sucesso dos trabalhistas em 1997 foi baseado em grande medida na adoção de posições que agradavam aos eleitores conservadores.

Os conservadores sempre tiveram uma base eleitoral larga e profunda no Reino Unido, especialmente na Inglaterra. O "crescimento" dos conservadores, portanto, é o que se pode esperar em condições normais no país. Os últimos dez anos foram, em termos históricos, uma aberração para os conservadores, então a recuperação do partido é na verdade um retorno a sua posição "normal".

Folha Online - Que mudanças podemos esperar no Reino Unido caso o favoritismo de Gordon Brown se confirme e ele substitua Blair como premiê?

Kettell
- Dado o fato de que Brown deteve grande controle sobre a direção geral das políticas sociais e econômicas do Reino Unido nos últimos dez anos, é difícil ver qualquer mudança. Também não vejo uma mudança dramática na política externa, já que o ministro foi levado a apoiar a posição de Blair nos últimos meses para fortalecer sua posição frente aos simpatizantes do premiê.

A mudança mais notável será vista no estilo de governar, pelo menos em termos de apresentação. Quanto ao gerenciamento do partido, temo que as coisas permanecerão tão centralizadas quanto durante a liderança de Blair --com um estilo diferente de centralização. O Partido Trabalhista atual é tanto uma criação de Brown quanto de Blair. Então não espero nenhuma grande mudança na direção política do país.

Folha Online - Nesse cenário de impopularidade, quais são, na opinião do sr., as chances dos trabalhistas nas próximas eleições gerais britânicas (em 2009)?

Kettell
- Acho que eles vão ganhar, mas será uma eleição apertada. Aparentemente não há um grande apetite por um governo conservador no Reino Unido, e grande parte da negatividade que cerca o Partido Trabalhista vem da antipatia a Blair e seus aliados, muitos dos quais, como John Reid e John Prescott, também vão deixar o governo com o premiê.

A chegada de personagens novos e um novo líder não falharão em dar novo impulso aos trabalhistas. É muito improvável que Brown convoque eleições antecipadas, portanto, até a votação nacional em 2009, há tempo suficiente para o partido mudar as coisas.

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