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05/11/2000 - 11h48

"Vitória de Gore seria triunfo da política sobre dinheiro", diz Mangabeira

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

O triunfo dos democratas na eleição presidencial dos EUA representaria, simbolicamente, que o dinheiro não deve ser mais importante que a política. Contudo poderia ser pior para o Brasil, pois seus líderes, além de avessos a concessões comerciais em setores como os do aço e do suco de laranja, são mais intervencionistas.

É o que pensa o brasileiro Roberto Mangabeira Unger, professor na Universidade Harvard (EUA) e ideólogo da campanha de Ciro Gomes (PPS) à Presidência do Brasil. Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.


Folha - O sr. considera o sistema eleitoral dos EUA mais democrático que o brasileiro?
Roberto Mangabeira Unger - Ele é mais democrático porque os EUA possuem uma sociedade menos desigual que a brasileira, na qual o nível de informação disponível para os eleitores é elevadíssimo.

Por outro lado, o sistema norte-americano também apresenta características menos democráticas, pois o poder do dinheiro é ainda maior nos EUA que no Brasil.

Folha - Qual é sua opinião sobre os dois principais candidatos, o democrata Al Gore e o republicano George W. Bush?
Mangabeira - Existem diferenças tangíveis entre os dois candidatos, no entanto elas são limitadas.

Primeiro, na repartição do benefício social e do sacrifício tributário. Bush propõe o uso da maior parte dos recursos disponíveis para diminuir os impostos da parcela mais rica da população. Já Gore, embora careça de um projeto para atacar a crescente desigualdade social dos EUA, deseja manter a progressividade, ao menos aparente, do sistema tributário e distribuir mais equitativamente os benefícios que ele possa financiar.

Em segundo lugar, há a diferença na perspectiva da composição da Suprema Corte, que é a instituição que toma decisões sobre muitas das questões que mais interessam aos norte-americanos. Teme-se que, com a vitória de Bush, várias decisões, como a que afirma a inconstitucionalidade da proibição do aborto pelos Estados, sejam revistas e alteradas.

A terceira área é a das relações internacionais. Os republicanos desejam fortalecer as Forças Armadas; entretanto, ao mesmo tempo, têm uma visão mais restritiva do uso do poderio militar dos EUA no exterior.

Os democratas, por sua vez, cultivam a tradição de utilizar a intervenção econômica ou militar do país não apenas quando interesses concretos estão em jogo, mas também em cruzadas ideológicas. Além disso, há uma diferença intangível. Os democratas ainda estão vinculados a uma tradição progressista, que procura englobar as preocupações da maioria dos trabalhadores do país.

Já a vitória dos republicanos simbolizaria a confirmação da pouca confiança da maioria branca trabalhadora norte-americana na política e no Estado como um todo. Seria um sinal do descrédito que existe porque os democratas não conseguiram renovar a agenda social do país, não foram capazes de democratizar o mercado.

Folha - Porém, em termos econômicos, o país vai muito bem, não?
Mangabeira - Creio que vários fatores devam ser levados em consideração na análise do contexto em que ocorre a eleição.

Primeiro, os EUA vivem um momento triunfal ou até triunfalista de sua história no que concerne às relações internacionais, no entanto há um profundo desinteresse por parte da maioria de sua população quanto ao que acontece fora de seu território.

Segundo, os benefícios do dinamismo da economia, verificado nos últimos dez ou 15 anos, foram quase inteiramente capturados pelos 10% ou 15% mais ricos. A situação socioeconômica da maioria dos trabalhadores estagnou. Na verdade, ela havia regredido e, só nos últimos três ou quatro anos, voltou a melhorar.

Terceiro, é preciso entender que os EUA estão apostando num tipo de inversão do keynesianismo (teoria do economista britânico John Maynard Keynes que enfatiza a importância da demanda agregada na determinação do nível de produto e de emprego da economia e a consequente necessidade de políticas governamentais de estímulo à demanda, em situações de recessão).

Isso significa que o governo poupa, as pessoas físicas gastam -hoje a taxa agregada de poupança é negativa nos EUA-, e o resto do mundo financia a extravagância norte-americana. Embora a economia do país demonstre muita vitalidade, sobretudo nos bolsões de criatividade tecnológica, há uma grande fragilidade criada pela expectativa de uma explosão da bolha especulativa, uma queda repentina do dólar e um processo em cadeia de falências, não só de empresas, mas também de pessoas físicas. Isso tudo poderia revelar a fragilidade subjacente ao esbanjamento.

Folha - Como o resultado da eleição pode influenciar o modo como o governo dos EUA vê o Brasil?
Mangabeira - Os EUA continuarão a reivindicar o fortalecimento da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e, nesse sentido, vêem o Brasil como um obstáculo. Não podemos esperar concessões nem de Bush nem de Gore quanto às proteções tarifárias em setores como os do aço e do suco de laranja. Talvez pudéssemos dizer que a vitória dos democratas fosse pior para o Brasil, pois seus líderes são mais intervencionistas.

Apesar disso, preferiria assistir ao triunfo de Gore, pois creio que isso representaria, simbolicamente, que o dinheiro não deve ser mais forte que a política.

  • Leia mais no especial Eleições nos EUA.

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