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05/11/2000 - 11h58

Eleição nos EUA decide também perfil ideológico da Suprema Corte

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Folha de S.Paulo

Embora a maioria deles não saiba, os norte-americanos estarão escolhendo mais do que o presidente e o vice ao votar para a Presidência na terça-feira. Nos próximos quatro ou oito anos, quem estiver na Casa Branca poderá reconfigurar por completo a formação ideológica da Suprema Corte.

As implicações das indicações para o preenchimento de vagas na mais alta instância judiciária do país não podem ser subestimadas.

Desde Alexis de Toqueville, o estudioso francês que descreveu de maneira genial as instituições políticas dos Estados Unidos no século 19, reconhece-se que "quase nenhuma questão política escapa de, cedo ou tarde, se transformar numa questão jurídica".

Por exemplo, foi graças à Suprema Corte que acabou a segregação racial nas escolas públicas em 1954, mas também foi ela que, em 1896, consagrou a doutrina de "separados mas iguais" que legalizou por seis décadas o apartheid no sul do país.

O eleitor médio não percebe a relevância da Suprema Corte quando vota para presidente. O assunto é complexo demais para uma campanha eleitoral dominada pelas aparências e pelo duelo de personalidades.

Este ano até que o assunto andou aparecendo em alguns debates. O motivo é que um dos temas sobre os quais a Suprema Corte tem poder de decisão, o direito ao aborto, recebe grande visibilidade pública.

Desde 1973, quando a Corte resolveu o caso Roe versus Wade, a prática do aborto é legal nos EUA. Nos últimos 20 anos, no entanto, desde a "Revolução Conservadora" liderada por Reagan, esse direito tem estado sob crescente assédio.

A composição atual da Suprema Corte ainda tem garantido a manutenção do veredicto de Roe versus Wade. Mas, em algumas decisões sobre a questão do aborto, como a do caso Stenberg versus Carhart, em 1992, que buscava proibir um tipo específico de aborto no Estado de Nebraska, a maioria tem sido estreitíssima: 5 votos contra 4.

Sete dos nove juízes atuais foram indicados por presidentes filiados ao Partido Republicano (de George W. Bush), que se opõe ao direito de aborto. Apenas dois vieram do governo de Bill Clinton, do Partido Democrata (de Al Gore).

Apesar disso, como alguns dos juízes indicados pelos presidentes Gerald Ford e George Bush, por razões políticas da época (Ford) ou erro de avaliação (Bush), não têm posições políticas distintamente conservadoras, o direito ao aborto tem sobrevivido.

A situação pode mudar, no entanto, se George W. Bush for eleito. Ele já deixou claro que seu critério de escolha para a corte seguirá o modelo de seu pai, George Bush, que governou o país entre 1989 e 1993 e conduziu ao fórum máximo da Justiça do país o juiz Clarence Thomas, um extremado conservador.

O próximo presidente terá a chance de escolher três ou quatro juízes. O cargo é vitalício, mas tem sido comum no passado recente o juiz pedir aposentadoria aos 75 anos. Na corte atual, há dois juízes acima dessa idade.

Um deles, John Paul Stevens, 80, é um dos últimos remanescentes do pensamento liberal na Casa. Outro é o presidente da Suprema Corte, o conservador moderado William Rehnquist, que, por sua própria posição, tenta se manter imparcial na maioria das situações.

Além disso, as duas mulheres da Casa, Sandra Day O'Connor, 70, e Ruth Bader Ginsburg, 67, têm enfrentado sérios problemas de saúde. A primeira é uma conservadora moderada, a segunda foi uma das indicações de Bill Clinton para a corte e costuma votar com Stevens.

Desde Richard Nixon, que indicou quatro juízes, nenhum presidente norte-americano passou de três indicações. Dos atuais nove componentes da corte, um ainda é da safra Nixon, um foi indicado por Gerald Ford, três por Ronald Reagan, dois por George Bush e dois por Clinton.

Se Bush for eleito e conseguir colocar três conservadores do tipo de Clarence Thomas e Antonin Scalia, que votam sempre juntos e em favor das alternativas mais conservadoras possíveis, o comportamento da Suprema Corte vai mudar de modo radical.

Não é só o aborto que estará em jogo. Há a questão da pena de morte, que pode ter sua aplicação ampliada ou restringida, de acordo com o julgamento feito pela corte de casos que tentam limitar o direito do condenado de recorrer da sentença e que dão ou tiram dos Estados autonomia para decidir quando e como realizar as execuções.

Há ainda o problema dos direitos dos homossexuais, dezenas de ações que envolvem políticas de ação afirmativa (que dão a integrantes de minorias raciais acesso privilegiado a serviços públicos), problemas relativos a direitos sociais de imigrantes em condição ilegal no país, tentativas de restringir a liberdade de expressão nos novos meios de comunicação (como a Internet), a manutenção da separação entre igreja e Estado em dezenas de situações (como orações e ensino de religião em escolas públicas), questões da organização federativa da nação (maior ou menor autonomia dos Estados em diversas áreas da legislação), procedimentos de apuração de responsabilidade criminal (direitos de acusados de crimes que têm sido progressivamente ameaçados no país), leis antitruste, leis de defesa do ambiente e direitos dos trabalhadores.

O presidente dos Estados Unidos ainda indica centenas de juízes de tribunais federais de recursos, também importantes na estruturação jurídica da sociedade. Tanto essas indicações quanto as da Suprema Corte são submetidas ao Senado, que raramente as recusam.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor"

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