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11/01/2001 - 11h25

Nader admite influência na vitória de Bush

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo
de Nova York

Ralph Nader é o culpado pela derrota de Al Gore para George W. Bush nas eleições presidenciais norte-americanas? Desde o término das eleições, o candidato do Partido Verde vinha declarando peremptoriamente que não.

Agora, relativiza o discurso. Diz que "há muitas condicionais na história" e que ele é "apenas mais uma delas". Cita o fracasso do democrata Gore em seu Estado natal, o Tennessee, a ausência do presidente Bill Clinton na campanha e até o candidato ultraconservador Pat Buchanan.

O advogado Ralph Nader, 66, conhecido mundialmente por seu papel na defesa do consumidor desde os anos 60 -a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança em carros é uma de suas vitórias-, teve um papel polêmico nas eleições de novembro.

Por um lado, defendia sua permanência na corrida como uma oportunidade de crescimento para o Partido Verde, o que efetivamente ocorreu. Por outro, sofreu críticas duras de setores progressistas por não abdicar de sua candidatura em favor de Gore, que precisava desesperadamente do voto verde para derrotar o republicano Bush.

Os republicanos perceberam logo o papel de fiel da balança do candidato verde e chegaram a pagar anúncios de página inteira com títulos como "Amigo Verde, Siga sua Consciência: Vote em Ralph Nader" em jornais de Estados em que a diferença entre Gore e Bush era muito pequena.

No final, Nader não conseguiu seu principal objetivo: obter 5% do voto nacional (teve 3%) e, com isso, ter direito a verbas oficiais de campanha no próximo pleito.

E parece ter eleito Bush. Na Flórida, que, com seus 25 votos no Colégio Eleitoral, definiu o pleito, Nader conseguiu quase 100 mil votos. A vantagem de Bush sobre Gore no Estado ficou em apenas 537 votos.

Nader fala sobre esses e outros assuntos na entrevista exclusiva que deu à Folha, que encerrou com uma frase em português: "Precisamos fazer reforma agrária radical!". De volta ao inglês: "Sério. O Partido Verde é o único a falar sobre isso nos EUA."


Folha - A pergunta fatal: a derrota de Gore para Bush é mesmo culpa sua?

Ralph Nader - Há muitas condicionais, a minha parte na história da derrota dele é apenas mais uma delas. Antes de tudo, Al Gore deveria ter cuidado melhor do seu Estado natal, o Tennessee, o que a maioria dos candidatos consegue sem nenhuma dificuldade.
Ou quem sabe ter deixado Bill Clinton ir junto fazer a campanha em Arkansas. Ele fez uma campanha muito pobre, não se deu bem nos debates. Al Gore foi seu próprio inimigo nessa eleição, não precisou de ajuda de ninguém.

Há ainda o problema final na Flórida. O condado de Palm Beach, que é um condado controlado pelos democratas, não conseguiu recontar os votos em tempo de pegar o prazo da Suprema Corte. São tantas condicionais...
Por exemplo, o que teria acontecido se Pat Buchanan não tivesse concorrido? Bush teria ganho Winsconsin, Iowa e Novo México e teria vencido a eleição. Gore venceu nesses Estados por apenas 17 mil votos, e Bush perdeu por causa de Buchanan.


Folha - O sr. continua achando que o país seria o mesmo se governado por Bush ou por Gore?
Nader - Na política externa não haverá nenhuma diferença. Na política interna, na maioria dos assuntos, idem. A maioria das coisas ficaria igual com um ou com outro.

O Tesouro, o Departamento de Defesa, as agências reguladoras federais estiveram pior com a dupla Clinton-Gore, acredite, do que com Reagan-Bush (pai do presidente eleito) dez anos antes. Você pode dizer que haveria alguma diferença em questões ambientais. De retórica, eu digo.

Gore fala muito do aquecimento do planeta, mas ele e Clinton não fizeram nada para impedir que os carros soltem a fumaça que provoca o fenômeno. Os dois não fizeram absolutamente nada em oito anos sobre este assunto. Nem Bush pode fazer algo pior que isso.


Folha - Vendo o novo gabinete de Bush, é difícil concordar que não há nenhuma diferença.
Nader - O.k., há diferenças, na natureza do corte de impostos, na Previdência Social e em alguns outros assuntos, como as florestas nacionais. Mas a razão das muitas semelhanças é que as grandes corporações comandam o governo, não importa quem esteja sentado na cadeira oficial.

Elas pagam pelas campanhas nos dois partidos, colocam os próprios executivos no governo. E isso aconteceu mesmo no governo Clinton-Gore. Veja o Robert Rubin: ele era de Wall Street e foi secretário do Tesouro. E as corporações têm 22 mil lobistas em Washington. São muito mais elas que comandam a capital do que o Partido Republicano ou o Democrata.


Folha - O sr. ou o Partido Verde aceitaria um convite para participar do governo Bush?
Nader - Não. E não aceitaria nem se o vitorioso fosse Al Gore. Quanto a outras pessoas do partido, cabe a elas tomar essa decisão.

Folha - O sr. pretende concorrer de novo em 2004?
Nader - É muito cedo para dizer. O que eu pretendo fazer é construir o Partido Verde, que é muito pequeno no mundo inteiro.

Ocorrerá uma convenção global dos Partidos Verdes em Canberra, na Austrália, em abril. O Partido Verde brasileiro vai estar lá, assim como os de outros países da América do Sul. Pretendo também atrair novos candidatos para cargos municipais e estaduais nas eleições de 2001 e 2002.

Folha - No balanço final, a impressão que dá é a de que o Partido Verde mais perdeu em imagem do que ganhou em tamanho passadas as últimas eleições. O sr. concorda?
Nader - Antes de tudo, é importante dizer que os democratas só ganharam duas novas cadeiras no Senado por causa do Partido Verde. Não havia nenhum candidato verde para o Senado, então as pessoas que decidiram votar em mim para presidente acabaram optando por Maria Cantwell no Estado de Washington, por exemplo.

Folha - Mas a plataforma dos verdes, basicamente de causas ambientais, não está fadada a atingir mesmo poucas pessoas?
Nader - Discordo. E mesmo que seja um partido que atinja poucas pessoas, vai ter influenciado o Partido Democrata, e isso já é um grande avanço.

Na última eleição, mandamos uma mensagem a eles: se vocês não começarem a ser mais progressistas e menos corporativistas, vão perder cada vez mais votos para os verdes, e isso pode custar mais cargos e cadeiras importantes.

Folha - Qual a sua avaliação do imbróglio na Flórida? Não está na hora da reforma eleitoral?
Nader - Sei que a confusão na Flórida deu ao Brasil um legítimo complexo de superioridade. Ouvi dizer que algumas pessoas do seu país queriam mandar observadores para vigiar as eleições dos EUA (risos). É verdade, vocês têm um esquema de eleição muito mais moderno do que o nosso.

O problema na Flórida mostrou ao país e ao resto do mundo como a máquina eleitoral do país é obsoleta e discriminatória com os pobres e as minorias, principalmente os negros. No final, vai obrigar o país a fazer uma reforma que já era necessária.

Folha - Foi também a eleição presidencial mais cara da história. Quanto o sr. gastou?
Nader - Menos de 1% do que Bush e Gore gastaram: US$ 8 milhões, e nenhum centavo vindo de corporações. Nada de "soft money" (doações não-declaradas que se aproveitam de uma brecha na legislação atual) para o Partido Verde.

Todo o dinheiro foi doado por indivíduos ou obtido em comícios. O de Nova York foi o comício político que mais arrecadou dinheiro em qualquer eleição para presidente.

Lotamos as maiores arenas do país, fizemos muito mais dinheiro dessa maneira do que Bush e Gore juntos. Nossas doações de campanha foram um modelo de reforma a ser seguido.

Democratas e republicanos enfrentaram muitas denúncias de corrupção nas arrecadações de campanha, mas nenhum editorialista de nenhum jornal teve a grandeza de dizer que o Partido Verde estava fazendo tudo como devia ser feito.

Folha - O sr. tem contato com o Partido Verde brasileiro?
Nader - Sim. Conheço o deputado Fernando Gabeira, sei do trabalho dele, mas ainda não o encontrei pessoalmente.


 

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