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16/09/2001 - 03h16

Bin Laden recebeu apoio da CIA

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JAVIER VALENZUELA
do "El País"

A CIA (o serviço de inteligência norte-americano), durante a guerra do Afeganistão, foi quem ensinou a Osama bin Laden muitas das sofisticadas técnicas terroristas que o sinistro milionário saudita está conjugando com o fanatismo islâmico suicida em sua guerra santa contra os Estados Unidos.

Agora a CIA e os outros dois grandes serviços de inteligência norte-americanos -o FBI (polícia federal norte-americana) e a Agência Nacional de Segurança, NSA- enfrentam um duplo desafio: proporcionar ao presidente George W. Bush um alvo para suas represálias e evitar novos ataques antiamericanos.

Depois de semear o terror no coração dos Estados Unidos com aviões sequestrados convertidos em projéteis, Bin Laden pode estar planejando ações com armas químicas, biológicas e até mesmo nucleares.

O inimigo que os Estados Unidos enfrentam é um que se move na sombra -um exército terrorista pequeno, eficiente e anônimo, que já foi capaz de evitar todos os sistemas de detecção, desde o espião em carne e osso até o grampo telefônico via satélite, passando pelo rastreamento de suas atividades na internet, através de programas como o sofisticado e polêmico Carnivore.

O compreensível afã dos Estados Unidos em castigar os responsáveis pelo ataque apocalíptico da terça-feira de maneira pronta e dura tropeça num primeiro obstáculo importante: identificar o alvo.

Principal suspeito
Embora as suspeitas se concentrem sobre Bin Laden, a grande pergunta permanece: onde está o milionário saudita convertido em chefe da Jihad (combate contra os obstáculos à fé muçulmana)? Qual é o seu centro de operações, se é que ele tem algum centro fixo no Afeganistão? Quem são seus padrinhos?

O fracasso da CIA, do FBI e da NSA é estrondoso. Esses serviços de inteligência passaram anos apontando Bin Laden como o maior perigo para os Estados Unidos e advertindo que o extremista saudita sonhava em lançar uma "grande ação" contra o país que muitos árabes e muçulmanos identificam como sendo o protetor de Israel e de sua política de repressão das revoltas palestinas.

Em dezembro de 2000, na véspera das comemorações do novo milênio em Nova York e Washington, o FBI e a CIA divulgaram o aviso de que Bin Laden estaria planejando uma operação sangrenta em solo norte-americano. As medidas de segurança foram intensificadas, e um argelino foi detido com explosivos na fronteira entre o Canadá e o Estado de Washington.

É sabido que Bin Laden pensa em termos grandiosos, mas teria sido difícil imaginar que ele pudesse organizar alguma coisa como as cenas de fim de mundo proporcionadas pelos ataques às torres gêmeas do World Trade Center e ao Pentágono.

Cria da CIA
Foi a CIA que lhe ensinou audácia, nos anos em que Bin Laden e os Estados Unidos foram aliados na guerra contra a ocupação soviética do Afeganistão.

Foi também a CIA que lhe ensinou os truques da guerra clandestina: como movimentar dinheiro através de empresas-fantasma e paraísos fiscais, como preparar explosivos, como utilizar códigos cifrados para se comunicar com seus agentes e evitar a detecção, como retirar-se para uma base segura depois de um golpe feroz.

"Bin Laden é produto dos serviços americanos", declarou ontem ao "Tribune de Genève" o escritor Richard Labévière, autor de "Les Dollars de la Terreur, les États Unis et les Islamistes" (os dólares do terror, os Estados Unidos e os islâmicos, em francês).

O primeiro contato entre os dois lados se deu em 1979, quando Bin Laden, recém-formado pela Universidade de Jidda, entrou em contato com a embaixada norte-americana em Ancara (capital da Turquia).

No início dos anos 80, com a ajuda da CIA e dos serviços de espionagem das Forças Armadas norte-americanas, ele criou uma rede de coleta de fundos e recrutamento de combatentes para os "mujahaddin" afegãos -guerrilheiros que combatiam as forças soviéticas. Bin Laden o fez desde Peshawar, cidade paquistanesa próxima do Afeganistão.

Parte dessa atividade, que formou a semente da atual rede Al Qaeda (a base, em árabe) de Bin Laden, foi financiada com a produção e o tráfico de morfina, a base da heroína.

Ruptura com os EUA
A ruptura definitiva entre Bin Laden e seus aliados norte-americanos aconteceu em 1990, quando, para combater o Iraque de Saddam Hussein, os Estados Unidos enviaram tropas à Arábia Saudita, terra das cidades santas muçulmanas de Meca e Medina. Mas, seguindo a linha do fundamentalismo islâmico moderno, que não hesita em fazer uso da tecnologia ocidental mas rejeita seus valores laicos e democráticos, Bin Laden, assim como o Hizbollah libanês ou o Hamas palestino, conjuga as técnicas norte-americanas com o fanatismo dos desesperados dos campos de refugiados e dos subúrbios pobres do norte da África e do Oriente Médio.

Os serviços de inteligência americanos acreditam que seus agentes são palestinos, libaneses, jordanianos, egípcios e habitantes da península arábica que podem viver tão bem nas proximidades de Amã quanto no bairro do Brooklyn, em Nova York. São pessoas que conhecem bem os Estados Unidos. E, embora sejam possuídos pelo espírito camicase -devido à crença em que o suicídio cometido num ataque contra israelenses ou norte-americanos é a chave do paraíso-, muitos desses agentes têm formação técnica e científica. São profissionais de informática, engenheiros, médicos e até pilotos de aviões.

Sequestradores
As primeiras investigações do FBI indicam que os autores dos atentados eram árabes que conheciam bem os Estados Unidos. Dois deles teriam até mesmo tido aulas de pilotagem numa escola particular na Flórida. Segundo o secretário de Justiça dos Estados Unidos, John Ashcroft, eles agiram em grupos de três a seis pessoas por avião, burlando as medidas de segurança dos aeroportos de Boston, Newark e Washington-Dulles. Estavam armados com facas e cortadores de caixas.

No futuro, é possível que usem métodos diferentes. Segundo publicou o "The New York Times" em janeiro, no acampamento de Bin Laden em Abu Jabab, no Afeganistão, seus homens já fizeram experiências com o uso de gases mortíferos, usando cães e coelhos como cobaias.

Bin Laden e seus associados utilizam a internet com grande habilidade
para comunicar-se em escala internacional, conforme informaram os serviços secretos americanos na primavera passada. Não apenas usam o correio eletrônico, evitando escrever palavras que possam despertar a desconfiança de programas de rastreamento como o Carnivore, como também, e sobretudo, as milhares de salas de bate-papo existentes no ciberespaço. Quanto aos celulares, eles usam os pré-pagos, que dificultam a identificação do usuário, mesmo quando este já tenha sido localizado. E descartam seus celulares rapidamente, como se fossem lenços de papel.

Muito dinheiro
Essa rede movimenta muito dinheiro -o da fortuna pessoal de Bin Laden, avaliada em cerca de US$ 300 milhões, e o dinheiro que seus integrantes vão obtendo pelo caminho. Mas nem todo o poderio norte-americano foi capaz, até agora, de localizar e desembaraçar a teia de aranha de empresas-fantasma e contas pouco conhecidas pelas quais esse dinheiro circula. E, o que é ainda mais inquietante para a segurança norte-americana e ocidental, Bin Laden é muito bem informado.

No caso do ataque ao navio de guerra americano USS Cole com uma lancha suicida, no Iêmen, Washington imaginou que a informação da chegada do navio tivesse sido transmitida por algum funcionário do porto de Aden que fosse simpatizante da causa da guerra santa. Mas isso não traz resposta para a incógnita principal: será que essa rede terrorista tem o apoio de algum serviço secreto estatal?

Depois dos acontecimentos da terça-feira, muitos especialistas acham que sim. Mas de qual? Lançar uma represália militar imediata é difícil para Bush porque dificilmente algum Estado terá deixado rastros claros nos audazes ataques suicidas de Nova York e de Washington.

No verão de 1998, depois dos atentados terroristas contra duas das embaixadas americanas na África, Bill Clinton se viu diante de um dilema semelhante. A CIA e o FBI imediatamente atribuíram os ataques a Bin Laden, mas os problemas começaram quando, numa reunião de seu Conselho Nacional de Segurança, o presidente pediu a essas organizações e ao Pentágono que identificassem alvos para uma represália.

Como contou o "The New York Times", os serviços de inteligência americanos se viram obrigados a fornecer a Clinton, rapidamente, os nomes de dois lugares a serem bombardeados à distância.

Um deles foi um acampamento guerrilheiro no Afeganistão que era vinculado a Bin Laden. Contudo o esperto e sinistro chefe terrorista não estava no local quando os mísseis o atingiram.

O outro foi uma fábrica próxima a Cartum e na qual a CIA suspeitava que fossem produzidas armas químicas.

A CIA tinha essa pista devido a uma amostra de terra colhida por um colaborador local pouco confiável. O alvo atingido revelou ser uma fábrica de produtos farmacêuticos que trabalhava com organizações humanitárias internacionais.

Inimigo oculto
Franklin D. Roosevelt não teve problemas para decidir sua resposta ao ataque aeronaval à base de Pearl Harbor. As coisas não são tão fáceis para Bush nesta primeira guerra internacional do terceiro milênio.

Os Estados Unidos sofreram um novo Pearl Harbor, e, dessa vez, em seu próprio território continental. A resposta imediata é criar uma ampla coalizão internacional, com países da Otan e árabes, como na Guerra do Golfo, para uma ação bélica que provavelmente não se limitará ao bombardeio à distância com mísseis Tomahawk, mas incluirá o uso de forças terrestres, a começar pelos comandos Seal da Marinha e a Delta Force da infantaria.

  • Tradução de Clara Allain
    Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
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