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16/09/2001 - 03h19

Recessão é inevitável, diz economista

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GUILHERME BARROS
editor do Painel S.A

O economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton (EUA), 53, há 31 vivendo nos EUA, acha que a recessão, no Brasil, será praticamente inevitável.

"Se tivesse que apostar, eu diria que a possibilidade de recessão aumentou muito", afirmou. Segundo ele, o Brasil já convivia com o problema na Argentina e com a desaceleração da economia no mundo. A crise gerada com os atentados terroristas nos EUA só agravou a situação.

Scheinkman afirma que o que faz o Brasil ser mais vulnerável que outros países como o México e o Chile é o fato de ter uma taxa muito baixa de poupança doméstica. "Mesmo com números pífios de investimento, nós temos de importar muito capital", diz.

Só quando encontrar uma solução para esse problema, o Brasil poderá, a seu ver, iniciar um processo consistente de redução das taxas de juros. A seguir, a entrevista com o economista feita por telefone na sexta-feira:

Folha - Como o senhor acha que a economia mundial irá reagir à crise gerada pelo ataque terrorista nos Estados Unidos?
José Alexandre Scheinkman -
O grande perigo será como o consumidor irá reagir a essa ameaça de guerra. O melhor exemplo é a Guerra do Golfo. Os Estados Unidos já estavam num processo de desaceleração econômica antes da invasão do Kuait. Muitos analistas acham que a guerra detonou um processo de queda de confiança da sociedade e isso levou à recessão. Muita gente atribui a derrota do presidente George Bush pai nas eleições à recessão dessa época.

Outro problema que contribuiu para a recessão daquele período foi o fato de a guerra ter influenciado os preços do petróleo. Hoje, de novo, os mercados convivem com esses mesmos receios. O preço do petróleo está perto de US$ 30 o barril. Na Guerra do Golfo, chegou a US$ 40. Na Guerra do Golfo, tanto o Kuait como o Iraque eram grandes produtores de petróleo, o que é diferente de hoje.

Os efeitos sobre o preço do petróleo só ocorrerão no caso de uma retaliação econômica e se os países atacados reduzirem a produção de petróleo. São esses os dois perigos do momento na economia. Uma coisa importante para lembrar é que, até agora, a desaceleração americana ocorreu do lado dos investimentos das empresas. O consumidor americano manteve o consumo, o que atenuou a desaceleração até agora. Se essa perna se enfraquecer, a recessão será inevitável.

Folha - E o reflexo no Brasil?
Scheinkman -
O Brasil é um sério importador de capital. Mesmo com números pífios de investimento, nós temos de importar muito capital. A nossa taxa de poupança interna está na faixa de 15% do PIB, e os nossos investimentos, em 19% do PIB. Portanto, para financiarmos esse investimento, precisamos importar 4% do PIB de capital. Isso é um limitador importante. Embora nossa dependência de petróleo não seja tão alta, já que hoje produzimos por volta de 70% a 80% do que consumimos, nossa economia é muito pouco integrada ao resto do mundo. Por isso, um aumento no preço do petróleo sempre impõe pressão na balança comercial. Não deveria ser assim. O aumento no preço do petróleo deveria ser uma coisa trivial para a gente.

Folha - Foi um erro de política econômica do Brasil deixar a economia muito fragilizada externamente?
Scheinkman -
O maior erro do Brasil foi não ter se integrado mais com o resto do mundo. É um erro dizer que o Brasil é uma das economias mais abertas do mundo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do planeta. Tínhamos que estar importando duas vezes mais e exportando mais de duas vezes. O Brasil ficou muito tempo desligado do resto do mundo e, para se religar, vai demorar algum tempo.

Folha - O dólar vai continuar em alta no Brasil?
Scheinkman -
O dólar hoje reflete exatamente a questão do prêmio de risco. Os prêmios de risco de todos os países, inclusive do Brasil, subiram muito. Apesar disso, o Brasil não deve mudar a política econômica. Agora, qualquer mudança será besteira. Numa situação de crise, o que deve ser feito é exatamente o que os bancos centrais americano e europeu fizeram e o que, na verdade, o Banco Central do Brasil também fez. Ou seja, garantir o sistema de pagamentos, dar liquidez ao mercado. A crise é essencialmente política e, para que não se transforme numa crise do sistema financeiro, os bancos centrais precisam dar liquidez ao mercado. Afinal, uma firma que tem dinheiro para receber dos Estados Unidos não deveria ir à falência. Trata-se de uma questão temporária. O dinheiro virá dos Estados Unidos daqui a poucos dias.

Folha - Há espaço para o Brasil baixar as taxas de juros?
Scheinkman -
O Fed tem baixado os juros substancialmente, desde janeiro. Nós estamos certos de que o Fed irá até acelerar essa política. O Banco Central Europeu também deve baixar mais as taxas de juros. Isso vai dar até um certo espaço para uma queda dos juros no Brasil. Mas o melhor é tomar essa atitude no momento em que ficar mais claro o que vai acontecer com a economia mundial.

Folha - O sr. acha possível o Copom baixar os juros nesta semana?
Scheinkman -
Eu não sei o que vai acontecer na reunião do Copom. A situação pode estar melhor, pior ou muito pior. Eventualmente, os juros vão ter que baixar no Brasil. É claro que a política das taxas de juros está muito ligada à questão do curto prazo. A verdade, porém, é que os juros reais no Brasil só serão mais baixos quando houver uma poupança mais adequada. Essa deveria ser uma preocupação central tanto desse governo, como do próximo. Trata-se de um problema de longo prazo. Só que os economistas não têm uma receita de como aumentar a poupança. O fato é que o Brasil tem uma taxa de poupança incompatível com juros razoáveis e com uma taxa de crescimento elevado.

Folha - No curto prazo, o senhor acha difícil então a redução dos juros no Brasil?
Scheinkman -
O Brasil ainda tem dois problemas sérios externos. Um é a Argentina, que está nessa morte anunciada há meses. E outro, evidentemente, já era a desaceleração no mundo, agravada agora com a confusão criada pelo atentado terrorista.
Se tivesse que apostar agora, eu diria que a probabilidade de recessão aumentou muito. Essa combinação é difícil para o Brasil porque o país precisa atrair capital de fora. Essa dependência externa dá muito pouca liberdade para uma política de redução da taxa de juros, desde que, claro, não queira causar inflação. Afinal, você sempre pode baixar a taxa nominal de juros e provocar inflação depois.

O que deveria preocupar a gente, no entanto, não é o fato de a taxa de juros estar alta nesses meses, e sim o fato de convivermos há anos com taxa de juros real muito alta. É muito difícil você viabilizar projetos de investimento com essas taxas de juros médias que tivemos nos dois últimos anos. E a única maneira de resolvermos esse problema é aumentando a oferta de poupança doméstica no país. O Brasil é um dos países que têm a menor proporção de seus investimentos financiados com sua própria poupança.

A Argentina financia 77% de seus investimentos, e o Brasil, 78%. O Chile, quase 100%. Mesmo o México financia 88% de seus investimentos com poupança doméstica. Sem falar na Coréia, que financiou mais de 100%.
Esses números explicam por que a pressão econômica é muito maior sobre o Brasil e a Argentina do que sobre o Chile ou o México.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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