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18/09/2001 - 03h45

Análise: A globalização foi usada como arma

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FÁBIO ZANINI
da Folha de S.Paulo

Os terroristas que lançaram dois aviões contra o World Trade Center e um sobre o Pentágono, há uma semana, usaram a globalização como arma.
Esta é a interpretação para a série de atentados do historiador Eric Hobsbawm, professor emérito de história econômica e social da Universidade de Londres e autor de, entre outros livros, "A Era dos Extremos".

Em entrevista à Folha, Hobsbawm, 84, um dos maiores historiadores vivos, sustenta que os extremistas não apenas se aproveitaram da liberdade de movimento e fácil acesso à informação para viabilizar o atentado.
Souberam atacar no exato instante em que os EUA demonstram vulnerabilidade econômica (espelhada na recessão) e política (a escalada de hostilidade com que seus aliados no Oriente Médio têm de lidar).

"O mundo moderno é extremamente vulnerável a qualquer tipo de interrupção em seus fluxos normais. Os terroristas foram bem-sucedidos em explorar isso. Em períodos de sensibilidade generalizada, atos terroristas podem fazer uma diferença", disse de sua casa, em Londres.

Apesar do perigo que representam, os grupos terroristas não têm, na visão de Hobsbawm, capacidade para destruir um Estado, quanto mais uma superpotência como os EUA. Por isso, acha que não há motivo para histeria.

Autor da tese de que o século 20 foi "breve", por ter se estendido da Primeira Guerra Mundial (anos 10) à queda do chamado socialismo real (virada dos anos 80 e 90), ele acha que os atentados são o início de uma "nova era". O trauma para os EUA, na opinião dele, é inigualável: maior até que o do assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy, em 1963.

O historiador vê riscos "episódicos" para as liberdades civis. Mas se mostra confiante de que a democracia americana resistirá.

Folha - Por que um ataque tão violento a símbolos do poder econômico e militar norte-americano?
Eric Hobsbawm -
Seria mais fácil saber se conhecêssemos exatamente quem o realizou. Mas é claramente um grupo de revolucionários islâmicos, fundamentalistas, porque há muito ressentimento, particularmante no mundo islâmico, contra os EUA. Em parte porque é a maior superpotência imperialista e, mais especificamente, por causa do conflito palestino-israelense.

Folha - Qual foi o alvo exato dos ataques?
Hobsbawm -
Foi um ataque aos EUA. É um ataque feito por pessoas que estão extremamente bem-organizadas e que, eu acho, descobriram que o mundo moderno é ao mesmo tempo globalizado e extremamente complexo. Portanto, sensível, vulnerável a qualquer tipo de interrupção em seus fluxos normais. E exploraram isso de forma bem-sucedida.

Folha - Então a globalização foi usada como arma?
Hobsbawm -
Tornou-se possível haver movimentos como esse por causa da moderna globalização. Esta é uma operação que foi feita, digamos, por 50 a 100 pessoas. Quase todas moravam nos EUA havia um ou dois anos.
O mundo hoje está cheio de pessoas indo de um país para outro, não é nada surpreendente. Cinquenta anos atrás, seria surpreendente encontrar um grupo de 25, 30 jovens sauditas ou iemenitas em qualquer universidade. Hoje, encontrá-las em universidades alemãs, americanas ou canadenses é normal. Isso viabiliza este tipo de atividade terrorista global.

Folha - Seria também um ataque contra a globalização?
Hobsbawm -
Não. O ataque é político. Os terroristas sabem que não podem nem pensar em vencer uma guerra contra os EUA. Mas podem desestabilizar a situação nos países muçulmanos afinados com o Ocidente cujos governos não têm apoio das massas.

E, se você pensar que estas pessoas estão querendo derrubar governos na Arábia Saudita ou mesmo no Egito, pense como um grande gesto público contra os EUA teria implicações enormes nestes países, em que grupos menores representam uma força política em posição de afetar os governos locais. Os alvos reais são todos os governos destes Estados nominalmente muçulmanos que são apoiados pelos americanos e apóiam os americanos.

Folha - Pode ser feita alguma comparação entre os objetivos destes grupos e a onda de protestos anticapitalismo que também têm os EUA como alvos principais?
Hobsbawm -
A única raiz comum que existe é que os movimentos antiglobalização também operam globalmente. São também, em larga medida, movimentos de minorias. E operam por enormes golpes de publicidade. Mas é tudo. Não há absolutamente outras similaridades.

Os movimentos terroristas são conduzidos por um número pequeno de pessoas, que não tentam mobilizações de massa. Não acho que se interessem pelos temas dos movimentos antiglobalização, como meio ambiente.

Folha - É célebre a análise que o sr. fez de que o século 20 foi breve, por ter começado com a Primeira Guerra. Nos últimos dias, tem sido feita uma analogia com essa tese, pela qual o século 21 começa com estes atentados. O sr. concorda?
Hobsbawm -
O ataque é obviamente parte de uma nova era. Não é similar a nada do século 20, exceto em um aspecto: no curso das últimas décadas do século 20, tornou-se claro para os governos que seria muito difícil, sob as condições de uma democracia liberal, eliminar a atividade armada de pequenos grupos. Os governos perderam o monopólio da força física. Estes pequenos grupos não podem vencer, mas são muito difíceis de eliminar.

Nós, na Inglaterra, temos tido problemas com o IRA [grupo guerrilheiro que luta pela separação da Irlanda do Norte do Reino Unido" por 30 anos e eles ainda estão lá. Na Espanha, temos um problema similar com o ETA [grupo separatista basco]. A capacidade dos terroristas de interromper o funcionamento dos EUA ou mesmo de países pequenos é muito limitada. Mas, em períodos de sensibilidade generalizada, podem fazer uma diferença.

Folha - Eles escolheram então o momento em que os EUA caminham para a recessão para atacar?
Hobsbawm -
Sim. A situação econômica é mais frágil e economicamente este evento teve um impacto muito maior do que politicamente. Mas o poder dos terroristas é extremamente limitado e não deveríamos ficar histéricos.

Folha - Qual será o tamanho deste trauma nos EUA? É comparável ao assassinato de Kennedy ou à Guerra do Vietnã?
Hobsbawm -
Tenho certeza de que é um trauma enorme para os americanos porque, pela primeira vez na história, operações militares estrangeiras tiveram um impacto no território dos EUA.

No século 20, um século cheio de guerras mundiais, elas aconteciam em qualquer outro lugar que não nos EUA. Agora, pela primeira vez, o centro exato dos EUA, o centro militar, o centro econômico, foi diretamente afetado. E este é o trauma. Não é o fato de 5.000 pessoas terem sido mortas, o que é terrível e estarrecedor, mas na verdade não é maior do que outras catástrofes. O trauma é que isto aconteceu sem a ajuda de nenhum Estado estrangeiro, só pela ação de algumas dúzias de pessoas sequestrando aviões com canivetes, que destruíram áreas de Manhattan e do Pentágono. Por causa disso, me parece que é muito mais importante que o assassinato de Kennedy, que não mudou muita coisa na política americana.

Folha - Que tipo de consequência haverá para os fundamentos da nação americana? O sr. teme que o combate ao terrorismo resulte em supressão de liberdades civis?
Hobsbawm -
Eu acho que a estrutura da República americana é suficientemente forte para resistir a isso. A democracia americana vai continuar, mas sem dúvida haverá episódios em que os americanos tentarão ficar mais burocráticos ou limitar liberdades civis. Mas serão apenas episódios.

A força da América está na natureza pluralista de sua estrutura. Na última terça-feira, por cerca de 24 horas, pareceu a mim, vendo de longe, que o Estado americano virtualmente se desintegrou. Houve um período de 12 horas em que ninguém sabia onde o presidente estava, nada parecia funcionar. Ainda assim, os EUA seguiram em frente. Essa é a grande força dos EUA: a capacidade de seguir adiante, apesar dos colapsos temporários.

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