Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
25/11/2001 - 07h46

Reunião em Bonn serve para ganhar tempo

Publicidade

IGOR GIELOW
da Folha de S.Paulo, em Cabul

Sob os olhos de todo mundo, um grupo formado por algo entre 30 e 50 chefes tribais deve se reunir nesta semana em Bonn (Alemanha) para buscar um rumo para o Afeganistão após a retração da milícia fundamentalista Taleban ao sul do país.

O prognóstico não é exatamente otimista. Segundo a Folha apurou, os enviados da ONU para a questão estão apenas querendo ganhar tempo até que seja definido um pacote de intervenção que inclua forças multinacionais e muito, muito dinheiro para a estabilização do país.

Ganhar tempo no caso significa evitar que a Aliança do Norte, um amontoado de facções rivais por etnia ou orientação tribal, se dissolva e dê a oportunidade para que o Taleban contra-ataque.

No curto período de tempo em que a Folha está no Afeganistão foi possível constatar a completa fragmentação das forças que antes combatiam o Taleban sob as ordens do carismático Ahmed Shah Massoud.

O assassinato do líder em setembro abriu o apetite de facções rivais. Não se pode andar dois quarteirões em Cabul sem prestar contas a um chefe militar que não é exatamente amigo do vizinho.

Mais: a cúpula da Aliança, reunida no partido Jamiat-i-Islami, está mostrando sinais de desunião séria. E também não há um claro representante dos pashtus, maior etnia afegã.

"Eu acho que o principal problema é unificar a posição pashtu no Afeganistão. A Aliança do Norte está dividida, mas o verdadeiro problema é descobrir quem falará pelos pashtus. Até agora só apareceram chefes locais e líderes no exílio", disse ontem à Folha em Cabul o paquistanês Ahmed Rashid, um dos maiores especialistas em Taleban.

Muitos na Aliança desconfiam da proximidade do chanceler Abdullah Abdullah com o Ocidente -termo genérico que politicamente significa os EUA e, em menor medida, a Europa. Ele virou o interlocutor predileto dos norte-americanos e também foi eleito pela ONU como a cara a ser apresentada do "novo Afeganistão".

Emergindo como candidato a alguma coisa, Abdullah começa a tomar espaço do presidente deposto pelo Taleban em 1996, Burhanuddin Rabbani, que pertence à linha dura do Jamiat-i-Islami.

Rabbani se opõe a uma influência maior dos EUA, apesar de ter podido voltar a Cabul na esteira dos "carpetes de bombas" lançados por Washington sobre as posições do Taleban.

A conferência em Bonn é o primeiro sinal visível de predominância de uma vontade de Abdullah, aliada à do Ocidente, se sobrepondo à de Rabbani, que desejava uma reunião em Cabul.

Mas a bucólica cidadezinha, que foi capital da Alemanha devido a contingências da Guerra Fria, tampouco será palco de uma reunião amigável. Uzbeques, tadjiques e hazaras, principais componentes da Aliança, não são majoritários no Afeganistão.

Somam juntos quase tanta gente quanto a maior etnia, a pashtu. Só que os pashtus também estão divididos: o exilado líder Pir Gailani deve ir a Bonn, por exemplo, mas a forte facção dos pashtus do leste afegão ainda é uma dúvida.

Baseados em Jalalabad, esses pashtus não aceitam o poder da Aliança e têm o apoio velado do Paquistão -que tem forte minoria pashtu em seu oeste. Mas pashtus do sul do país, que antes eram aliados do Taleban, foram anunciados para compor a mesa.

Ainda não sabendo exatamente que papel lhe caberá, o ex-rei Mohammad Zahir Shah está representado na Alemanha. Na região de Cabul e no leste afegão, o reinado do velho monarca, encerrado em 73, é lembrado como uma época de estabilidade. Definitivamente, Shah é popular em Cabul.

Mas, aos 86 anos, o ex-rei só pode ocupar uma função simbólica numa sociedade de fortes tradições tribais, que sempre dá ouvido aos mais velhos. Nas ruas afegãs, basta um senhor de barbas brancas dar uma ordem que todos os jovens presentes obedecem, sem reclamar.

A reunião será uma preliminar da chamada Loya Jirga, nome do conselho tribal que já foi emprestado, após Shah ter sido deposto por um parente amigo de militares comunistas, para denominar o Parlamento.

A recente reunião de líderes tribais pashtus baseados em Peshawar (Paquistão) mostrou a viabilidade desse tipo de assembléia nos dias de hoje -quase nenhuma.

Falta também o Taleban. Ao ignorar totalmente a milícia, a reunião de Bonn faz uma aposta arriscada. Por um lado, os extremistas estão totalmente na retaguarda, confinados no sul do país e em alguns bolsões.

Por outro, uma eventual desintegração da Aliança poderia estimular uma nova guerra civil, lançando as bases para um movimento que prometa a pacificação da terra, exatamente como o Taleban fez, ainda que utilizando o terror e a intolerância como instrumentos.

Uma versão menos radical do Taleban, talvez, poderia ganhar força aproveitando a estrutura militar da milícia.

Mas os cenários são imprevisíveis. Na noite de sexta, havia rumores em Cabul de que a conferência de Bonn poderia até estar ameaçada. Isso seria um desastre de relações públicas para a Aliança, para a ONU e para o Ocidente.

A situação é complicada, mas, se deixarem os afegãos de mão abanando como fizeram em 1989, após a expulsão dos comunistas pelos guerrilheiros islâmicos e o colapso econômico da URSS, os EUA correm o risco de ver novos Taleban e Bin Laden surgindo na região.


Leia mais:
  • Conheça as armas usadas no ataque

  • Saiba tudo sobre os ataques ao Afeganistão

  • Entenda o que é o Taleban

  • Saiba mais sobre o Paquistão

  • Veja os reflexos da guerra na economia



  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página