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02/12/2001 - 05h27

Expandir guerra requer nova estratégia

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

Com o futuro político afegão começando a ser delineado na conferência de Bonn e com o Taleban quase derrotado no Afeganistão, a "guerra ao terrorismo", declarada por George W. Bush logo após os ataques suicidas de 11 setembro, pode ganhar novos alvos, como o Iraque, o Iêmen e a Somália.

Analistas ouvidos pela Folha indicam, no entanto, que, para tanto, a nova fase do esforço internacional contra o terrorismo, comandado por Washington, deve sofrer uma alteração de estratégia: os alvos deixam de ser exclusivamente países que apóiam o terrorismo e passam a englobar Estados que podem produzir armas de destruição em massa.

"Com a virtual derrota do Taleban, a administração americana passou a enfatizar a ameaça representada por armas de destruição em massa. O fato de que países como o Iraque [considerado delinquente pelos EUA" possuem capacidade de produzi-las é bastante preocupante. Após os atentados, a comunidade internacional percebeu que o risco não pode ser negligenciado", analisou Ivo Daalder, do Instituto Brookings.

Com efeito, o discurso pronunciado por Bush na última segunda-feira foi emblemático dessa mudança de estratégia. Nele o presidente dos EUA afirmou que o Iraque e a Coréia do Norte devem permitir que funcionários das Nações Unidas inspecionem suas instalações de produção de armas químicas ou biológicas. Quanto a Bagdá, Bush indicou que, se não autorizar as inspeções, o governo iraquiano "descobrirá" o que vai acontecer.

Desde 1998, o Iraque se recusa a permitir a entrada de especialistas da ONU, que, para Bagdá, trabalhavam como espiões dos EUA. O país ainda teria, segundo alguns especialistas, além de estoques de armas químicas e biológicas, a capacidade de produzir armas nucleares. As afirmações de Bush causaram furor na imprensa (oficial) iraquiana, que acusa Washington de inventar uma desculpa para atacar novamente o país. Os dois Estados se enfrentaram na Guerra do Golfo, em 1991.

Coalizão internacional
Contudo uma expansão da "guerra ao terrorismo" a outros países não seria facilmente aceita pelos governos que compõem a coalizão internacional formada após 11 de setembro. Depois do discurso de Bush, a França, a Alemanha, o Japão e até mesmo o Reino Unido -o maior aliado dos EUA na ofensiva militar contra o Afeganistão- expressaram preocupação quanto a um alastramento do conflito.

Os analistas divergem quanto à eventual anuência internacional à expansão do combate ao terrorismo a outros Estados. "Há cerca de 12 anos, a rede terrorista Al Qaeda [de Osama bin Laden, acusado de ter orquestrado os atentados suicidas" começou a recrutar seus membros e a treiná-los em diversos países, como o Iêmen, a Somália, o Sudão, a Líbia e, provavelmente, o Iraque", disse Martin Edmonds, diretor do Centro para Estudos sobre Defesa e Segurança Internacional (Reino Unido).

"Se os EUA tiverem indícios suficientes que apóiem a tese de que esses países ainda colaboram com o terrorismo, caberá a seu serviço diplomático convencer os outros membros da coalizão internacional de que esse perigo tem de ser erradicado. Não se trata de uma tarefa impossível", acrescentou.

"Embora sua posição ainda não seja totalmente clara, pois alguns membros de seu governo provavelmente não se oporiam ao alastramento da guerra, não seria fácil convencer o Reino Unido a dar início a uma nova campanha militar vultosa, sobretudo se isso implicasse a abertura de outras frentes de batalha", declarou Anne-Marie Le Gloannec, diretora-adjunta do Centro Marc Bloch, um centro de pesquisa franco-alemão situado em Berlim.

"Quanto ao restante da União Européia, a situação seria ainda mais complexa, e a oposição aos ataques, ainda mais clara. Apesar de a Espanha e a Itália já terem indicado que apoiariam Bush em quaisquer circunstâncias, a França, a Alemanha e vários outros países da UE são contrários a essa possibilidade. Não podemos esquecer que Paris e Berlim têm de preocupar-se com questões domésticas de peso, afinal, há eleições cruciais em 2002 tanto na França quanto na Alemanha."

Além disso, a reação dos países árabes, que já enfrentam certa oposição interna por causa de seu apoio à retaliação contra o Taleban, também é incerta. Na última terça-feira, Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe, que reúne 22 Estados, sustentou que os árabes não aceitariam uma extensão da "guerra ao terrorismo" ao Iraque e que isso poderia provocar o colapso da coalizão internacional.

De qualquer modo, o Iraque parece ser a bola da vez em Washington. Ademais, por razões geopolíticas ligadas à Coréia do Sul, um ataque à Coréia do Norte pode ser excluído. E, na administração americana, vozes influentes defendem uma ofensiva contra o ditador Saddam Hussein.

Entre as mais ativas estão a do subsecretário da Defesa, Paul Wolfowitz, e a da poderosa assessora para assuntos de segurança nacional Condoleezza Rice. Até mesmo o secretário de Estado, Colin Powell, considerado moderado, já disse que Saddam deveria levar a sério a ameaça de Bush.

Analistas políticos veiculam até a possibilidade de Washington dar mais apoio financeiro e logístico à oposição iraquiana, como fez com a Aliança do Norte.

Ofensiva "cirúrgica"
No que se refere à Somália, ao Sudão e ao Iêmen, a situação é diferente. Nesses casos, nenhum especialista reputado arriscaria descartar a possibilidade da ocorrência de ataques "cirúrgicos" -precisos e específicos no jargão militar- a campos de treinamento ou a possíveis bases de grupos extremistas ligados à Al Qaeda.

"Se os EUA decidirem dar início a uma ofensiva contra um desses países, não será nada como o que vimos até agora no Afeganistão. Quando fala em agir, Bush não quer dizer depor os governos somali, sudanês ou iemenita", salientou Edmonds.

"Está implícito que qualquer ataque visaria a destruir campos de treinamento usados por terroristas. Aliás, também está subentendido que os ataques ocorreriam com a aprovação desses governos, que poderiam levar vantagens financeiras com isso."

Para tanto, os serviços secretos americano e britânico já começaram a coletar indícios que possam provar a existência de campos terroristas nesses países. De acordo com o jornal britânico "The Sunday Times", os militares dos dois países já começaram a preparar-se embora os alvos ainda não estejam definidos, e os primeiros ataques podem ocorrer no final de janeiro caso o conflito no Afeganistão já esteja resolvido.

Especialistas consideram o Iêmen -onde 17 americanos morreram num atentado suicida ao destróier USS Cole no ano passado- o alvo mais provável de um primeiro ataque. Afinal, simpatizantes da Al Qaeda, incluindo muitos que fizeram estágios no Afeganistão, teriam montado bases nas montanhas do norte do país, onde existiriam campos de
treinamento de terroristas.

Uma ofensiva na Somália não pode, porém, ser descartada, já que serviços secretos europeus -sobretudo o francês- conseguiram obter pistas que descrevem o país como um possível refúgio para membros da Al Qaeda. "Serviços de inteligência europeus acreditam que a Somália possa abrigar simpatizantes de Bin Laden que consigam fugir do Afeganistão", indicou John Reppert, da Universidade Harvard.

Assim, o Sudão deve ser poupado num primeiro momento. Uma "equipe técnica" dos EUA deve visitar o país ainda nesta semana, levando detalhes de propostas de cooperação feitas pelo enviado especial americano para o Sudão, o ex-senador John Danforth.


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