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22/04/2002 - 19h07

Leia discurso do Brasil em defesa de Bustani na Opaq

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da Folha Online

O Itamaraty divulgou hoje discurso de defesa à permanência do embaixador José Maurício Bustani na direção-geral da Opaq (Organização de Proibição de Armas Químicas). Sob pressão dos EUA, Bustani foi destituído hoje do cargo durante votação extraordinária.

O discurso reproduzido abaixo foi proferido ontem pelo embaixador Luiz Augusto de Araújo Castro, subsecretário-geral de Assuntos Políticos Multilaterais, chefe da delegação do Brasil à conferência especial dos Estados-membros da Convenção de Armas Químicas, em Haia (Holanda).


"Senhor Presidente, caros Representantes,

"Estamos aqui reunidos em circunstâncias extraordinárias.

"Estamos aqui reunidos hoje para decidir sobre uma proposta, sem precedentes, de remover de seu cargo o diretor-geral de uma organização intergovernamental, três anos antes da conclusão do mandato para o qual foi devida e unanimemente eleito pelos Estados-membros. Os senhores estão solicitados a fazê-lo não porque se acuse o diretor-geral de um crime ou mesmo de uma contravenção mas porque se alega que ele teria um mau estilo administrativo e teria tomado decisões administrativas e financeiras, estritamente de acordo com as regras e regulamentos que é obrigado a obedecer, com as quais alguns Estados-membros não concordam.

"Há cinco anos, os representantes de 87 Estados aqui se reuniram para criar uma organização internacional que seria responsável por implementar um acordo modelo no campo do desarmamento e não-proliferação: a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre sua Destruição.

"Juntamente com muitos outros Estados, o Brasil participou ativamente das negociações complexas e difíceis que finalmente levaram à adoção da Convenção sobre Armas Químicas (CAQ). Todos nós trabalhamos arduamente para desenvolver um conjunto de regras acordadas que, esperávamos, contribuiriam para a promoção da paz e da segurança internacional.

"O texto da Convenção, que foi aberto à assinatura em 1993 e entrou em vigor quatro anos após, continha elementos a que havíamos almejado: desarmamento sem exceções, não-proliferação através de verificação, cooperação como um instrumento para promover os usos pacíficos de tecnologias sensíveis, assistência para as vítimas dessas armas horrendas. Direitos e obrigações assimétricos contidos em outros instrumentos internacionais foram cuidadosamente evitados na CAQ.

"Tendo trabalhado por muitos anos em assuntos relativos a desarmamento e controle de armas, e tendo sido eleito em 1993 presidente da Comissão de Desarmamento das Nações Unidas, recordo como a Convenção sobre Armas Químicas foi saudada como o primeiro acordo multilateral obrigatório equilibrado e não discriminatório que promoveria efetivamente e verificaria de maneira confiável o desarmamento e a não-proliferação na área crucial das armas de destruição em massa.

"A independência da organização criada para assegurar a implementação da Convenção de Armas Químicas constituía uma das qualidades primeiras da Convenção.

"O valor real das negociações seria posto à prova por nossa capacidade de implementar as disposições da convenção em estrita concordância com esses princípios. De forma a contribuir para a implementação efetiva, plena e equilibrada da convenção, na Primeira Conferência dos Estados Partes, realizada em 1997, o Governo brasileiro propôs o nome do Embaixador José Maurício Bustani, um diplomata de carreira com longa experiência em matéria de organizações internacionais e desarmamento, para chefiar o Secretariado da recentemente fundada Organização para a Proibição das Armas Químicas (Opaq). O Embaixador Bustani foi unanimemente eleito diretor-geral da organização, e foi posteriormente reeleito, também unanimemente, para um segundo mandato.

"Sob sua liderança, a organização tem atingido resultados muito significativos em seus primeiros cinco anos de existência. Testemunhamos um aumento impressionante no número de membros da Opaq, que cresceu rapidamente dos 87 membros fundadores de 1997 para o total atual de 145 Estados-membros.

"O secretariado conduziu mais de 1.100 inspeções em mais de 55 Estados-partes. Sob a direção-geral de Bustani, a Opaq certificou a destruição irreversível de mais de 15% dos estoques declarados de armas químicas no mundo. Ele tem sido particularmente favorável à promoção e ao fortalecimento de programas de cooperação internacional para o uso pacífico da tecnologia química. Os esforços para estabelecer uma rede internacional de ajuda e assistência em caso de ataques de armas químicas contribuem para fortalecer o papel humanitário da Opaq.

"O desempenho do senhor Bustani nos cinco anos de sua gestão tem sido marcado por sua dedicação aos objetivos da convenção e da organização e aos princípios de independência e não-discriminação. Como diretor-geral da Opaq, sempre exibiu altos padrões de integridade pessoal e compromisso profissional.

"Desde o começo, o governo brasileiro deixou claro que não instruiria o diretor-geral a renunciar a seu cargo e que qualquer decisão referente ao que ele deveria ou não fazer seria uma decisão a ser tomada por ele com base em seu próprio julgamento da situação. Como é conhecido, o senhor Bustani está em licença temporária do Serviço Exterior Brasileiro para exercer um mandato como diretor de uma organização internacional.

"Ele não responde e não pode responder às autoridades do governo brasileiro ou de qualquer outro governo; ele é responsável perante os membros da Opaq como um todo, de acordo com a convenção. Essa é a razão de sempre termos considerado esse um assunto multilateral.

"Como está disposto na Convenção de Armas Químicas, o diretor-geral não pode buscar ou receber instruções de qualquer governo ou de qualquer fonte externa à organização; da mesma forma, cada Estado Parte tem que respeitar o caráter exclusivamente internacional das responsabilidades do diretor-geral e não pode tentar influenciá-lo no cumprimento de suas responsabilidades.

"Este princípio da independência dos funcionários de organizações intergovernamentais é um elemento de importância vital para a credibilidade do sistema multilateral que todos nos comprometemos a promover e fortalecer.

"Senhor presidente, infelizmente as possibilidades de diálogo e entendimento entre Estados-membros e o diretor-geral não foram plenamente exploradas e o Conselho Executivo da Opaq foi convocado para votar a 'moção de não-confiança' que foi apresentada em sua sessão realizada de 19 a 22 de março. A delegação do Brasil votou contra a moção, que não alcançou o número de votos positivos requeridos para sua aprovação. Nós votamos contra a moção assim como faremos novamente hoje pelas razões expressas no discurso pronunciado perante o Conselho no dia 19 pelo Embaixador Affonso Massot, representante permanente do Brasil junto à Opaq.

"Consideramos que a realização desta Conferência Especial dos Estados Partes da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas, convocada para o propósito de tomar uma decisão sobre a proposta de remover de seu cargo o Diretor-Geral de nossa Organização, é um assunto que se relaciona com a credibilidade da Opaq e dos esforços multilaterais no campo do desarmamento e da não-proliferação.

"Toda essa questão tem sido acompanhada de muito perto pela imprensa e pela opinião pública no Brasil e se tornou um tema político intensamente discutido no Congresso Nacional brasileiro. Tanto o Senado Federal como a Câmara dos Deputados adotaram declarações muito vigorosas de solidariedade e apoio ao Embaixador José Maurício Bustani como diretor-geral da organização para a Proibição das Armas Químicas.

"A posição do governo brasileiro nesta matéria reflete a grande importância que sempre conferimos aos objetivos de assegurar o funcionamento efetivo e confiável das organizações internacionais e de preservar o sistema multilateral como um instrumento fundamental para assegurar o império da lei nas relações internacionais. Nesse contexto, não podemos deixar de chamar atenção para o precedente que seria estabelecido se o mandato do diretor-geral da Opaq fosse abruptamente terminado nas presentes circunstâncias.

"Como mencionei, estamos considerando este assunto estritamente em suas dimensões multilaterais; nossa posição de princípio de forma alguma afeta a qualidade do relacionamento entre o Brasil e outros membros desta organização.

"Desde que se tornou claro que estava sendo buscado e reunido o apoio requerido para que esta reunião se realizasse hoje, o governo brasileiro instruiu suas embaixadas ao redor do mundo a confirmar aos governos de todos os Estados-partes da convenção que nós não compartilhamos a visão de que a gestão do diretor-geral Bustani tenha sido afetada por um desempenho administrativo deficiente, e tampouco a visão de que ele seja responsável pelos atuais problemas financeiros da organização. Acreditamos que, com referência às objeções específicas levantadas sobre seu desempenho, ele deu resposta apropriada, no exercício de suas responsabilidades como diretor-geral, na sessão de 19 de março do Conselho Executivo da Opaq, bem como nas cartas que endereçou aos chanceleres dos Estados membros em 11 de março e novamente no dia 2 de abril.

"Informamos a todos os Estados-partes que o governo brasileiro não apoiaria a proposta de convocar esta conferência especial e que, se a conferência se realizasse, o Brasil votaria contra qualquer moção ou projeto de decisão destinado a remover o embaixador Bustani de sua posição de diretor-geral da Opaq, e lhes pedimos que levassem em conta nossas posições ao avaliar estas questões.

"Estamos conscientes de que, de acordo com as regras aplicáveis, a aprovação de qualquer decisão substantiva, incluindo uma moção de destituição do diretor-geral, exigirá os votos afirmativos de pelo menos dois terços dos delegados presentes e votantes. Os votos a favor ou contra a moção são os únicos que serão considerados válidos na Conferência; as abstenções não serão contadas e para todos os efeitos práticos podem ser consideradas votos em apoio do projeto de decisão.

"Remover o diretor-geral da Opaq cujo desempenho se tem conformado estritamente às disposições da Convenção de Armas Químicas enviaria um sinal equivocado sobre como os Estados-partes pretendem interpretar os princípios básicos da Convenção. Também poderia afetar as perspectivas para os progressos que se fazem urgentemente necessários no campo do desarmamento e da não-proliferação de armas químicas e outras armas de destruição em massa.

"Senhor presidente, de forma a salvaguardar os princípios que são a base do apoio que a Organização para a Proibição das Armas Químicas alcançou, o Brasil votará contra qualquer proposta destinada a remover o embaixador José Maurício Bustani do cargo de diretor-geral e espera contar com o apoio dos membros da Opaq.

"Muito obrigado."

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