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28/04/2002 - 07h40

Cresce anti-semitismo nos países muçulmanos

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SUSAN SACHS
do "The New York Times"

Hospede-se num hotel cinco estrelas em qualquer lugar entre a Jordânia e o Irã e você poderá comprar a infame falsificação "Protocolos dos Sábios do Sião'', livro que "descreve" uma inexistente conspiração judaica para dominar o mundo.

Compre um jornal em qualquer país árabe e verá uma suástica sobreposta à bandeira de Israel.

Essas imagens anti-semitas já fazem parte do discurso cotidiano envolvendo judeus em boa parte do mundo islâmico, na imprensa popular e nos periódicos acadêmicos. O fenômeno não se limita a países que estejam em guerra com Israel: podem ser encontrados em publicações de interesse geral vendidas no Egito e na Jordânia, que assinaram acordos de paz com Israel, e também em escolas religiosas independentes no Paquistão e no sudeste da Ásia.

Os governantes árabes, por sua parte rejeitam a acusação de que sua imprensa, suas universidades e suas TVs divulgam pontos de vista anti-semitas. Dizem que a história islâmica não contém nada que chegue perto dos horrores anti-semitas da Europa cristã.

O uso de imagens nazistas, as caricaturas de judeus com narizes aduncos, até mesmo os livros didáticos árabes em que os judeus são descritos como perversos conspiradores mundiais _tudo isso, afirmam os governantes, reflete a rejeição ao sionismo e aos israelenses, mas não aos judeus.

No entanto, em muitos países muçulmanos o ódio aos judeus é alimentado há gerações através da cultura popular. Um exemplo é um livro didático publicado pelo governo jordaniano para o ensino fundamental. Nele, os judeus são descritos como corruptos e mentirosos inatos. "Até agora'', afirma o livro, "eles são os mestres da agiotagem e líderes do exibicionismo sexual e da prostituição.''

Para estudiosos do islamismo, textos como esses são sinais de que o conflito árabe-israelense já foi transformado _de embate político, nacionalista e territorial_ em guerra entre religiões, ou mesmo entre o bem e o mal.

Um fator que contribui para essa percepções é a longa duração do conflito no Oriente Médio. "Você vê um certo nível de anti-semitismo e pensa 'como podem pessoas inteligentes acreditarem nisso?'", disse John Esposito, professor de religião e assuntos internacionais na Universidade Georgetown. "Parte da explicação é que elas cresceram com isso desde crianças, mas parte, também, é que cresceram numa situação de confronto. O mundo é reduzido a 'nós' e 'eles'.''

Tanto judeus quanto muçulmanos disseminam o ódio baseado em leituras equivocadas de suas escrituras, disse Esposito.
Os fundamentalistas islâmicos frequentemente se referem a judeus como filhos ou netos de macacos. A afirmação é feita em mesquitas nos territórios palestinos, e também entre religiosos sauditas.

A referência é tirada de um verso no Alcorão que, visto em seu devido contexto, faz referência a judeus e cristãos que desrespeitam o sábado e que zombam dos primeiros muçulmanos, devido a suas crenças. O Alcorão diz que Deus fez essas pessoas tão desprezíveis quanto macacos, porcos e adoradores de ídolos.

A doutrina islâmica relativa aos cristãos também vem sendo reinterpretada, nas últimas décadas, na tentativa de forjar um vínculo antijudaico entre muçulmanos e cristãos. O islã literal reconhece Jesus como profeta, mas não acredita que ele tenha sido crucificado. O Alcorão diz que os judeus tentaram crucificá-lo, mas que Deus salvou Jesus e que, em lugar dele, os judeus mataram apenas uma imagem de Jesus.

No entanto uma acusação hoje feita por muçulmanos hoje é que os judeus de fato mataram Jesus. Quando João Paulo 2º visitou Damasco, no ano passado, o presidente Bashar al Assad o saudou com um discurso em que acusou os judeus justamente disso.

Que os judeus sejam demonizados por alguns árabes e que árabes sejam demonizados por alguns judeus pode não surpreender. E, como Israel foi fundado como país judeu, a religião sempre foi um fator em suas relações com seus vizinhos árabes.

Para Bernard Lewis, historiador do islã e do Oriente Médio, há uma "islamização do anti-semitismo'', cuja literatura inclui textos clássicos do anti-semitismo europeu, como os "Protocolos dos Sábios do Sião''. Nas últimas décadas, esse material vem sendo complementado por textos sobre a perversidade inata dos judeus.

Durante séculos, entretanto, os judeus tiveram presença pequena nos escritos teológicos islâmicos, disse Lewis. Eles figuram no Alcorão como obstinados opositores dos esforços do profeta Maomé para levar o islã aos povos da península Arábica. Das tribos que ele encontrou, os judeus foram os mais hostis a sua mensagem. Mas as tribos judaicas acabaram derrotadas, e o Alcorão se refere a elas como um povo cuja rebeldia sempre foi castigada por Deus.

Nos ensinamentos islâmicos mais modernos, nos livros didáticos árabes e em artigos publicados pela grande imprensa, a descrição feita no Alcorão da oposição dos judeus a Maomé assume importância monumental. De acordo com interpretações, os judeus corromperam a palavra de Deus desde o início, e seu conspirar contra o profeta foi uma expressão de sua maldade.

"Algumas pessoas confundem determinados versos do Alcorão que atacavam os judeus daquela época com um ataque ao próprio judaísmo'', disse Seyyed Hossein Nasr, professor de estudos islâmicos na Universidade George Washington. "Não é um mal-entendido inocente. É uma confusão proposital, e acontece de ambos os lados.'' Segundo ele, esse é um fenômeno moderno e que, em sua esteira, derruba toda uma longa tradição de amizade entre o islã e o judaísmo. "Se as autoridades de ambas as religiões priorizarem as exigências de Deus acima dos sentimentos nacionalistas e étnicos'', disse Nasr, "então talvez seja possível resolver algo.''
 

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