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14/07/2002 - 05h39

Líder cocaleiro desestabiliza sucessão na Bolívia

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RODRIGO UCHÔA
da Folha de S.Paulo

"Pego em armas para defender os recursos naturais da Bolívia." "Não negociarei com os neoliberais os votos que conseguimos. Se precisar, barro suas propostas."

Mesmo com remotas chances de vencer o segundo turno indireto da eleição presidencial, o líder cocaleiro Evo Morales tornou-se um dos líderes políticos mais importantes da Bolívia e promete defender suas propostas radicais.

Nas declarações acima, dadas à Folha na semana passada, pode-se ler "gás", no lugar de "recursos naturais". Quanto a parar as propostas dos neoliberais, Morales não se refere a barrá-las no Congresso, onde seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), dominará a segunda maior bancada, e sim pará-las fisicamente, nas ruas. Ele promete liderar marchas e fechar as rodovias do país.

Analistas afirmam que Evo Morales, 42, não deve conseguir se eleger presidente no Congresso, o qual deverá escolher o sucessor de Jorge Quiroga no dia 4 de agosto, dois dias apenas antes da posse.

É bom lembrar, entretanto, que os analistas já contavam como certa, um dia antes do pleito de 30 de junho, a eleição do populista Manfred Reyes Villa, da NFR (Nova Força Republicana), se não em primeiro, pelo menos em segundo. Reyes Villa terminou atrás de Gonzalo "Goni" Sánchez de Lozada, do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), e do próprio Evo Morales.

Sánchez de Lozada, 72, que foi presidente de 1993 a 1997, teve 624.126 votos, contra 581.884 de Morales e 581.163 de Reyes.
Como nenhum deles teve mais da metade dos votos válidos, a Constituição prevê um segundo turno indireto no Congresso _que tem 130 deputados e 27 senadores_ entre os mais votados.

Para Isaac Bigio, da London School of Economics, os dois contendores, Goni e Morales, representam setores sociais e interesses totalmente contrapostos.

"Sánchez representa a nova elite econômica que prosperou com o modelo monetarista lançado pelo MNR em 1985. Com esse novo sistema, desmantelou-se um outro baseado em forte intervencionismo estatal, protecionismo e subsídios sociais." Morales, por sua vez, representaria os marginalizados nesse processo, essencialmente os indígenas, que são 55% da população de 8,2 milhões.

Inicialmente, Goni terá 40 deputados e 8 senadores do MNR _com aliados menores, ele chegaria a 64 parlamentares. Enquanto isso, o MAS disporá de 26 deputados e 8 senadores e de seis deputados do MIP (Movimento Indígena Pachakuti).

O analista boliviano Jorge Lazarte crê que Manfred Reyes Villa, um capitão reformado do Exército que foi aluno da infame Escola das Américas, abusou do discurso populista, sem grandes propostas, e, por isso, "desinflou". Porém Reyes Villa, apesar de "desinflado", ainda tem uma posição essencialmente de direita.

Os 23 deputados e dois senadores do partido elegeram-se com base em plataformas totalmente opostas à do MAS.

Carlos Calvo, presidente da Confederação dos Empresários da Bolívia, a principal associação patronal, afirma "que é um momento crucial". "Há necessidade de proporcionar segurança jurídica para os investimentos que trarão recursos ao país." Com esse discurso, Calvo indica que os empresários não admitem uma Presidência de Evo Morales.

Afinal de contas, Morales prega a reestatização das empresas privatizadas nos últimos 20 anos.

O também ex-presidente (1989-93) Jaime Paz Zamora, quarto lugar no pleito do dia 30 de junho, disse que seu partido, o MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária), irá anular os votos na eleição indireta.
Com isso, ele abriu caminho para que Goni seja eleito, já que, se não houver maioria do Congresso até um terceiro escrutínio, a maioria necessária passa a ser simples, ou seja, o MNR e seus aliados de direita prevaleceriam.

"Mesmo que Goni assuma a Presidência, como tudo indica, a governabilidade da Bolívia ficará seriamente ameaçada, já que o MIR e o MAS formaram uma oposição quase intransponível", afirma o cientista político peruano Tito Zambra.

Duas frentes
Além da reestatização _que bateria de frente com interesses brasileiros na Bolívia, onde a Petrobras é a maior empresa_, Morales defende o fim dos programas de erradicação da coca.

Para ele, o cultivo da planta é muito mais importante do que a utilização dela como matéria-prima para a cocaína.

Não é assim que os EUA vêem a coisa. Dias antes do pleito de 30 de junho, o embaixador americano em La Paz, Manuel Rocha, disse que, caso Morales fosse eleito, Washington poria fim ao auxílio financeiro que presta à Bolívia e fecharia aos bolivianos o mercado de gás da Califórnia.

Para Zambra, "sem dúvida essas declarações deram razão a um 'voto de protesto', a um 'voto de soberania', mas isso sozinho não explica a votação no MAS".

O analista crê que a mobilização de Morales calou fundo em grande parte dos bolivianos, que passam por uma profunda crise econômica. "Ele toma ares messiânicos", afirma.

Durante a semana passada, deputados e líderes de entidades indígenas de toda a América Latina mandaram congratulações a Morales. Muitos deles falaram no "exemplo a ser seguido".

Isso poderia indicar que o líder cocaleiro começa a ganhar um certo prestígio extrafronteiras.

Agora, se Evo Morales pegaria mesmo em armas para defender os recursos naturais do país e se teria apoio popular para isso, nenhum analista se arrisca a dizer.
 

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