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28/01/2003 - 05h16

Leia a íntegra das declarações de Blix ao Conselho de Segurança

da Folha de S.Paulo

O chefe dos inspetores de armas da ONU, Hans Blix, entregou ontem ao Conselho de Segurança seu relatório sobre as inspeções no Iraque. Leia a seguir a íntegra de suas observações.

"Senhor presidente, senhor secretário-geral, a resolução adotada pelo Conselho de Segurança sobre o Iraque em novembro do ano passado pede que a Unscom [Comissão de Monitoração, Verificação e Inspeção das Nações Unidas] e a AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica] "apresentem informações atualizadas ao Conselho 60 dias após a retomada das inspeções". Isto é hoje.

A apresentação das informações atualizadas faria parte de uma avaliação feita pelo Conselho e seus membros dos resultados obtidos pelas inspeções até agora e de seu papel como meio de se chegar a um desarmamento verificável no Iraque.
Como esta é uma reunião aberta do Conselho, pode ser apropriado fornecer algumas informações resumidas de fundo para uma melhor compreensão do pé em que nos encontramos hoje.

Com sua autorização, farei isso agora.

Começo por lembrar que as inspeções, como parte de um processo de desarmamento do Iraque, tiveram início em 1991, imediatamente após a Guerra do Golfo. Elas continuaram por oito anos, até 1998, quando os inspetores foram retirados.

Logo, não houve inspetores por quase quatro anos. As inspeções foram retomadas apenas no final de novembro do ano passado. Embora o objetivo fundamental das inspeções no Iraque sempre tenha sido o de verificar o desarmamento, as resoluções sucessivas adotadas pelo Conselho ao longo dos anos apresentaram variações de ênfase e abordagem.

Em 1991, a Resolução 687, adotada unanimemente como parte do cessar-fogo após a Guerra do Golfo, possuía cinco elementos básicos, sendo que os três primeiros eram relativos ao desarmamento. Elas pediram declarações do Iraque quanto a seus programas de armas de destruição em massa e de mísseis de longo alcance, a verificação das declarações por meio da Unscom e da AIEA e a supervisão, por essas organizações, da destruição ou eliminação dos programas e itens proibidos.

Após a conclusão do desarmamento, o Conselho teria a autoridade para revogar as sanções, e as organizações de inspeção passariam a realizar monitoramento e verificação contínuos e de longo prazo.

A Resolução 687 de 1991, como as resoluções subsequentes às quais farei referência, exigiam a cooperação do Iraque, mas esta com frequência não era dada ou era dada de má vontade.

Diferentemente da África do Sul, que decidiu por conta própria eliminar suas armas nucleares e saudar a inspeção como maneira de suscitar confiança em seu desarmamento, o Iraque não parece ter aceitado de fato, nem mesmo hoje, o desarmamento que lhe foi exigido e que ele precisa realizar para poder conquistar a confiança do mundo e viver em paz.

Como sabemos, a operação dupla de declaração e verificação prevista na Resolução 687 em vários momentos se transformou num jogo de esconde-esconde. Em lugar de apenas verificar declarações e evidências que as comprovassem, as duas organizações de inspeção se viram engajadas em esforços para mapear os programas de armas e buscar provas por meio de inspeções, entrevistas, seminários, investigações junto a fornecedores e a organizações de inteligência.

Em consequência disso, a fase do desarmamento não foi concluída no curto espaço de tempo previsto. As sanções foram mantidas e impuseram ao Iraque um preço alto, até que o país aceitou o programa de petróleo por alimentos e o desenvolvimento gradual desse programa mitigou os efeitos das sanções.

Não obstante, a implementação da Resolução 687 gerou resultados consideráveis no âmbito do desarmamento. É reconhecido que mais armas de destruição em massa foram destruídas sob a égide dessa resolução do que as que foram destruídas durante a Guerra do Golfo. Grandes quantidades de armas químicas foram destruídas antes de 1994 sob a supervisão da Unscom [a organização antecessora da Unmovic].

Embora o Iraque afirme, mas ofereça poucas evidências comprobatórias, que destruiu todas as suas armas biológicas unilateralmente em 1991, é certo que a Unscom destruiu grandes instalações de produção de armas biológicas em 1996. A grande infra-estrutura nuclear foi destruída, e todos os materiais fissionáveis foram retirados do Iraque pela AIEA.

Uma das três perguntas importantes que se colocam diante de nós hoje é: quanto pode ter permanecido sem ser declarado e, portanto, intacto, de antes de 1991 e, possivelmente, depois disso? A segunda pergunta é: o que foi produzido ou adquirido ilegalmente após 1998, quando os inspetores deixaram o país, se é que algo foi produzido ou adquirido? E a terceira pergunta é: como se pode impedir que qualquer arma de destruição em massa seja produzida ou adquirida no futuro?

Em dezembro de 1999, após um ano sem inspeções no Iraque, a Resolução 1284 foi adotada pelo Conselho de Segurança, com quatro abstenções. Complementando as resoluções básicas de 1991 e dos anos seguintes, a resolução propunha uma abordagem menos abrangente sobre o Iraque.

Em troca da cooperação em todos os aspectos por um período de tempo especificado, incluindo avanços na resolução das tarefas-chave do desarmamento que ainda não tinham sido concluídas, a resolução abriu a possibilidade de as sanções serem não revogadas, mas suspensas.

Durante quase três anos, o Iraque recusou-se a aceitar qualquer inspeção da Unmovic. Foi apenas após apelos lançados pelo secretário-geral e os Estados árabes e de pressões exercidas pelos Estados Unidos e outros Estados-membros que, em 16 de setembro do ano passado, o Iraque declarou que voltaria a aceitar inspeções incondicionais.

A Resolução 1441 foi adotada em 8 de novembro do ano passado e reafirmou enfaticamente a exigência de cooperação feita ao Iraque. Ela exigia que essa cooperação fosse imediata, incondicional e ativa. A resolução continha muitos dispositivos que saudamos como elementos que fortalecem e incrementam o regime de inspeções. A unanimidade com a qual foi adotada enviou ao Iraque um sinal forte de que o Conselho estava unido em sua determinação de criar uma última oportunidade de desarmamento pacífico no Iraque, por meio das inspeções.

A Unmovic compartilha o sentimento de urgência manifestado pelo Conselho quanto a utilizar as inspeções como caminho para alcançar o desarmamento verificável do Iraque dentro de um prazo razoável. Sob as resoluções que citei, as inspeções seriam seguidas pelo monitoramento pelo tempo que o Conselho considerasse necessário.

As resoluções também apontam como meta última uma zona livre de armas de destruição em massa.

Na condição de organismo subsidiário do Conselho, a Unmovic tem plena consciência da atenção que o Conselho dedica às inspeções no Iraque. Embora a apresentação do relatório atualizado de hoje esteja prevista na resolução 1441, o Conselho pode pedir briefings adicionais sempre que quiser, e o faz. Um deles foi feito em 19 de janeiro, e outro briefing desse tipo já foi marcado provisoriamente para 14 de fevereiro.

Agora, senhor presidente, falarei sobre a exigência-chave da cooperação e de como o Iraque reagiu a ela. Pode-se dizer que a cooperação diz respeito tanto à substância quanto ao processo. Pela experiência que tivemos até agora, parece que o Iraque decidiu, em princípio, cooperar quanto ao processo, especialmente no que diz respeito ao acesso.

É indispensável que seja tomada uma decisão semelhante de cooperar quanto à substância, para que a tarefa do desarmamento possa ser concluída por meio do processo pacífico da inspeção e para que a tarefa do monitoramento possa ser bem iniciada.

Um passo inicial pequeno seria a adoção, já muito atrasada, da legislação prevista pelas resoluções.

Tratarei primeiro da cooperação quanto ao processo. Ela diz respeito aos procedimentos, mecanismos, infra-estrutura e medidas práticas para levar adiante as inspeções e buscar o desarmamento verificável. Embora as inspeções não sejam baseadas sobre a premissa da confiança, mas possam levar à confiança se forem bem sucedidas, é preciso que exista um certo grau de confiança mútua desde o princípio no tocante à realização das operações de inspeção. O Iraque, de maneira geral, vem cooperando bastante bem com a Unmovic nessa área.

O ponto importante que quero transmitir é que nos foi permitido o acesso a todos os locais que quisemos inspecionar. E, com uma exceção, esse acesso aconteceu sem problemas. Além disso, temos tido muita ajuda na construção da infra-estrutura de nosso escritório em Bagdá e nossa agência de campo em Mosul. Os dispositivos e serviços disponibilizados para nosso avião e nossos helicópteros têm sido bons.

O ambiente tem sido um que permite que se trabalhe. Nossas inspeções já abrangeram universidades, bases militares, locais presidenciais e residências particulares. Também já foram realizadas inspeções em sextas-feiras, o dia de descanso muçulmano, no dia do Natal e no dia do Ano Novo. Essas inspeções foram conduzidas da mesma maneira que todas as outras. Buscamos ser ao mesmo tempo eficazes e corretos.

Apesar disso, sou obrigado a registrar alguns problemas neste relatório atualizado. Os primeiros dizem respeito a dois tipos de operação aérea. Embora já tenhamos a capacidade técnica de enviar um avião U-2 colocado à nossa disposição para obter imagens aéreas e fazer vigilância aérea durante as inspeções e embora tenhamos informado ao Iraque que pretendemos fazê-lo, o Iraque se negou a garantir a segurança da aeronave a não ser que sejam satisfeitas uma série de condições.

Como essas condições foram além do estipulado na Resolução 1441 e que foi praticado pela Unscom e o Iraque no passado, observamos que o Iraque não está, até agora, atendendo a nossas exigências. Espero que essa atitude mude.

Outro problema de operação aérea que aconteceu durante nossas conversações recentes em Bagdá dizia respeito ao uso de helicópteros voando nas zonas de exclusão aérea. O Iraque insistira em enviar helicópteros próprios para acompanhar os nossos.

Isso teria suscitado um problema de segurança.

A questão foi solucionada com a oferta feita por nós de levar os supervisores iraquianos que nos acompanhariam aos locais em nossos próprios helicópteros, um arranjo que já foi praticado pela Unscom no passado.

Sou obrigado a tomar nota de alguns incidentes e molestamentos recentes preocupantes. Por exemplo, há algum tempo vêm sendo feitas publicamente alegações forçadas e exageradas segundo as quais algumas perguntas formuladas pelos inspetores teriam por objetivo obter informações de inteligência. Embora eu possivelmente não defenda cada pergunta que os inspetores possam ter formulado, o Iraque sabe que eles não trabalham com vista a obter inteligência e não deveria dizer que o fazem.

Em diversas ocasiões, manifestações ocorreram diante de nossos escritórios e em locais que estavam sendo inspecionados. Outro dia, uma visita turística feita por cinco inspetores a uma mesquita foi seguida por uma queixa pública injustificada. Os inspetores foram sem as insígnias da ONU e foram recebidos com a cortesia que é característica da atitude que os iraquianos normalmente têm para com estrangeiros. Tiraram os sapatos e foram acompanhados pela mesquita. Fizeram perguntas totalmente inocentes e partiram com o convite de voltar.

Pouco depois, recebemos protestos das autoridades iraquianas quanto a uma inspeção não-anunciada e a perguntas não-relevantes sobre as armas de destruição em massa. De fato, elas não diziam respeito a isso.

É pouco provável que manifestações e queixas desse tipo ocorram no Iraque sem a iniciativa ou o encorajamento das autoridades. Devemos nos perguntar quais seriam as motivações por trás desses fatos. Eles não facilitam em nada um trabalho que já é difícil, no qual procuramos ser eficientes, profissionais e, ao mesmo tempo, corretos. Onde nossos colegas iraquianos têm alguma queixa a fazer, eles podem apresentá-la de maneira mais calma e menos desagradável.

A cooperação substantiva exigida diz respeito, sobretudo, à obrigação que tem o Iraque de declarar todos os programas de armas de destruição em massa e de ou apresentar itens e atividades para serem eliminados ou fornecer evidências que comprovem a conclusão de que não resta nada que seja proibido.

O parágrafo 9 da Resolução 1441 afirma que essa cooperação deve ser ativa. Não basta que se abram portas. A inspeção não é um jogo de pega-pega. Em lugar disso, como eu já observei, é um processo de verificação com a finalidade de criar confiança. Ela não se ergue sobre a premissa da confiança. Em lugar disso, seu objetivo é conduzir à confiança, desde que exista abertura em relação aos inspetores e ações para apresentar a eles itens para serem destruídos ou evidências dignas de crédito da ausência de tais itens.

Em 7 de dezembro de 2002, o Iraque submeteu ao Conselho de Segurança uma declaração de cerca de 12 mil páginas em resposta ao parágrafo 3 da Resolução 1441, dentro do prazo estipulado pelo CS. Nos campos dos mísseis e da biotecnologia, a declaração contém uma boa quantidade de materiais e informações novos referentes ao período de 1998 e desde então.

Essas informações são bem-vindas.

Poderíamos ter esperado que, ao redigir a declaração, o Iraque tivesse procurado responder, esclarecer e oferecer evidências comprobatórias em relação às muitas questões em aberto relativas ao desarmamento com as quais o lado iraquiano já deve estar familiarizado em razão do documento 9.9994 da Unscom e do chamado painel Amorim, de março de 1999. São questões que já foram frequentemente citadas pela Unmovic, os governos e comentaristas independentes.

Embora a Unmovic venha preparando sua lista própria de questões ainda não resolvidas relativas ao desarmamento e às tarefas-chave de desarmamento, em resposta às exigências da Resolução 1284, consideramos profissionalmente justificadas as questões citadas como não-resolvidas nos dois relatórios que mencionei.

Esses relatórios não afirmam que ainda restam armas de destruição em massa no Iraque, mas tampouco excluem essa possibilidade. Eles apontam para a ausência de provas e as inconsistências que suscitam pontos de interrogação que precisam ser resolvidos para que seja possível encerrar os dossiês das armas e que possa ser criada confiança. Eles merecem ser levados a sério pelo Iraque, em lugar de serem tratados meramente como tramas malignos da Unscom.

Lamentavelmente, a declaração de 12 mil páginas, boa parte da qual é uma reimpressão de documentos anteriores, não parece conter nenhuma evidência nova que possa eliminar as dúvidas ou reduzir o número delas.
Mesmo a carta enviada pelo Iraque ao presidente do Conselho de Segurança, em 24 de janeiro, em resposta a nossas discussões recentes em Bagdá, não conduz à resolução desses pontos.

Darei apenas alguns exemplos de questões e problemas que precisam ser respondidos, voltando-me primeiramente para a área das armas químicas.

O agente nervoso VX é um dos mais tóxicos já desenvolvidos. O Iraque declarou que produziu VX apenas em escala piloto, apenas algumas poucas toneladas, e que a qualidade era ruim e o produto, instável.

Consequentemente, disse que o agente nunca chegou a ser desenvolvido a ponto de poder ser utilizado como arma.

A Unmovic, entretanto, possui informações que se chocam com essa versão. Existem indicativos de que o Iraque tenha trabalhado para resolver o problema da pureza e da estabilidade e que mais avanços tenham sido feitos do que os que foram declarados. Na realidade, até mesmo um dos documentos fornecidos pelo Iraque indica que o grau de pureza do agente, pelo menos em produção laboratorial, era mais alto do que o declarado.

A Unmovic, no entanto, dispõe de informações que conflitam com esse relato. Há indicações de que o Iraque trabalhou no problema da pureza e da estabilização e que suas realizações superam o que foi declarado. De fato, até mesmo um dos documentos fornecidos pelo Iraque indica que a pureza do agente, pelo menos em produção de laboratório, era superior à esperada.

Existem também indicações de que o agente foi transformado em arma. Além disso, há questões a serem respondidas quanto ao paradeiro do precursor químico VX que o Iraque declara ter sido perdido durante o bombardeio da Guerra do Golfo ou ter sido destruído unilateralmente pelo Iraque.

Eu gostaria agora de tratar do chamado documento da Força Aérea, que discuti anteriormente com o Conselho. O documento foi localizado originalmente por uma inspetora da Unscom em um cofre na sede da Força Aérea iraquiana em 1998 e tirado dela por seus acompanhantes iraquianos. O texto era um relato sobre o dispêndio de bombas, incluindo bombas químicas, pelo Iraque durante a Guerra Irã-Iraque. Fico encorajado por o Iraque agora ter fornecido esse documento à Unmovic.

O documento indica que 13 mil bombas químicas foram lançadas pela Força Aérea iraquiana entre 1983 e 1998, enquanto o Iraque declarou que 19,5 mil bombas foram usadas naquele período. Assim, existe uma discrepância de 6.500 bombas. A quantidade de agente químico contido nessas bombas seria da ordem de mil toneladas. Na falta de provas em contrário, devemos presumir que não houve prestação de contas quanto a esse material.

A descoberta de algumas ogivas químicas para foguetes de 122 milímetros de diâmetro em uma casamata de um depósito de armazenagem a 170 quilômetros a sudoeste de Bagdá foi divulgada com destaque. Trata-se de uma casamata relativamente nova, e, portanto, os foguetes devem ter sido transferidos para lá nos últimos anos, em um período em que o Iraque não deveria dispor desse tipo de munição. A investigação quanto a esses foguetes prossegue.

O Iraque afirma que eles sobraram do conflito de 1991, parte de um lote de cerca de 2.000 que foi armazenado na casamata durante a Guerra do Golfo. Pode ser que seja verdade. Mas eles podem também ser a ponta de um iceberg. A descoberta de alguns foguetes não resolve, mas pelo menos indica a questão dos diversos milhares de foguetes com ogivas químicas cujo paradeiro é desconhecido. A localização dos foguetes demonstra que o Iraque precisa se esforçar mais para garantir que sua declaração seja completa.

Durante minhas recentes discussões em Bagdá, o Iraque declarou que faria novos esforços quanto a isso e estabeleceu um comitê de investigação. Desde então, o comitê reportou a descoberta de mais quatro foguetes químicos em um depósito em Al Haji. Eu poderia mencionar, adicionalmente, que os inspetores descobriram em outro local um volume experimental de precursor para gás mostarda.

Ao tratar das questões químicas, devo mencionar um assunto que reportei em 19 de dezembro do ano passado, envolvendo equipamento em uma indústria química civil em Al Fallujah. O Iraque declarou que havia reparado equipamento de processamento químico destruído anteriormente sob supervisão da Unscom e que o havia instalado em Fallujah para a produção de cloro e fenóis. Inspecionamos o equipamento e estamos conduzindo uma avaliação técnica detalhada a respeito dele. Quando a concluirmos, decidiremos se esse e outros equipamentos recuperados pelos iraquianos devem ser destruídos.

Agora tratarei das armas biológicas. Mencionei a questão do antraz ao Conselho em ocasiões anteriores e volto a ela, dada a sua importância. O Iraque declarou ter produzido cerca de 8.500 litros desse agente de guerra biológica e alegou tê-los destruído unilateralmente no terceiro trimestre de 1991.

O Iraque forneceu poucas provas da produção desse material e nenhum indício convincente de sua destruição.

Existem fortes indicações de que o Iraque tenha produzido mais antraz do que declarou e que ao menos parte dele foi retida depois da data declarada de destruição. Talvez o agente ainda exista.

Ou ele deve ser localizado e destruído sob supervisão da Unmovic, ou indícios convincentes devem ser apresentados quanto à suposta destruição em 1991.

Como reportei ao Conselho em 19 de dezembro do ano passado, o Iraque não declarou quantidade significativa, cerca de 650 quilos, de caldo de cultivo bacteriano, que foi reconhecido como reportado no material entregue pelo Iraque ao painel Amorim em fevereiro de 1999. Como parte de sua declaração de 7 de dezembro de 2002, o Iraque reapresentou o documento do painel Amorim, mas a tabela mostrando o material em questão não estava incluída. A ausência dessa tabela parece deliberada, já que as páginas do documento reapresentado foram renumeradas.

Em carta de 24 de janeiro deste ano ao presidente do Conselho de Segurança, o ministro do Exterior do Iraque declarou, cito: "Todas as quantidades importadas de caldo de crescimento foram declaradas". Isso não prova nada. Eu gostaria de lembrar que a quantidade de caldo envolvida bastaria para produzir, por exemplo, cerca de 5.000 litros de antraz concentrado.

Tratarei a seguir, sr. presidente, do setor de mísseis. Restam questões significativas quanto à retenção de mísseis tipo Scud pelo Iraque depois da Guerra do Golfo. O Iraque declarou o consumo de diversos mísseis Scud como alvo no desenvolvimento de um sistema de defesa contra mísseis nos anos 80, mas não foram fornecidas informações técnicas sobre o programa ou dados sobre o consumo de mísseis.

Houve diversos desdobramentos no campo de mísseis nos últimos quatro anos, apresentados pelo Iraque na declaração como atividades não-proscritas. Estamos tentando compreender claramente o que foi realizada por meio de inspeções e discussões nos locais.

Dois projetos se destacam, em especial. São eles o desenvolvimento de um míssil acionado por combustível líquido chamado Al Samud 2 e de um míssil de propelente sólido chamado Al Fatah. Ambos os mísseis foram testados de forma a comprovar alcance superior aos 150 quilômetros permitidos, com o Al Samud atingindo 183 quilômetros e o Al Fatah 161 quilômetros de alcance. Alguns exemplares de ambos os modelos de mísseis já foram fornecidos às Forças Armadas iraquianas, ainda que a declaração informe que eles estão ainda em desenvolvimento.

O diâmetro do Al Samud foi ampliado da versão anterior para os 760 milímetros atuais. A modificação foi realizada a despeito de uma carta do presidente executivo da Unscom, em 1994, instruindo o Iraque a limitar o diâmetro de seus mísseis a menos de 600 milímetros. Além disso, uma carta do presidente-executivo da Unscom em novembro de 1997 proibia que o Iraque usasse propulsores de determinados mísseis terra-ar para acionar mísseis balísticos.

Durante minha recente reunião em Bagdá, fomos informados sobre os dois programas. Foi-nos dito que o alcance final de ambos os sistemas seria inferior ao máximo permitido de 150 quilômetros.

Os mísseis podem bem representar casos concretos de sistemas proscritos. Os alcances de testes superiores a 150 quilômetros são significativos, mas outras considerações técnicas precisam ser feitas antes que cheguemos a uma conclusão quanto a essa questão. Nesse meio tempo, pedimos ao Iraque que suspendesse os testes de vôo de ambos os mísseis.

Além disso, o Iraque está reformando sua infra-estrutura para a produção de mísseis. Especialmente, o Iraque reconstituiu diversas câmaras de moldagem que haviam sido destruídas anteriormente sob supervisão da Unscom. Elas eram usadas na produção de mísseis de combustível sólido.

Quaisquer que sejam os sistemas de mísseis a que essas câmaras se destinam, elas poderiam produzir propulsores para mísseis com alcance significativamente superior aos 150 quilômetros.

Também associados a esses mísseis e desdobramentos correlatos está a importação de itens, no curso dos últimos dois anos, apesar das sanções, entre as quais transações realizadas em dezembro de 2002. A principal delas é a importação de 300 propulsores para foguetes que podem ser usados no Al Samud 2.

O Iraque declarou também a importação de produtos químicos usados em propelentes, instrumentos de testes e orientação e sistemas de controle. Esses itens podem ser usados para fins proscritos; isso ainda não foi determinado.

O que fica claro é que eles foram trazidos ao Iraque ilegalmente; ou seja, o Iraque ou alguma empresa contornou as restrições impostas por diversas resoluções.

Senhor presidente, mencionei algumas das questões de desarmamento que continuam em aberto e que precisam ser respondidas se os casos têm de ser fechados e a confiança restaurada.

Que meios o Iraque tem em mãos para responder a essas questões?

Indiquei alguns durante minha apresentação sobre essas questões; permita-me agora ser um pouco mais sistemático. Nossas contrapartes no Iraque gostam de dizer que não existem itens proibidos e que, se não houver prova em contrário, eles deveriam contar com o benefício da dúvida e serem considerados inocentes.

A Unmovic, de sua parte, não presume que haja itens e atividades proscritos no Iraque. Mas a organização, e creio que ninguém mais, tampouco presume o oposto, depois das inspeções realizadas entre 1991 e 1998. As suposições não resolvem o problema; provas e plena transparência talvez o façam.

Permitam-me ser específico. Informações fornecidas por países-membros nos dizem sobre o transporte e a camuflagem de mísseis, armas químicas e unidades móveis de produção de armas químicas. Devemos com certeza seguir quaisquer pistas confiáveis que nos sejam dadas e reportar aquilo que pudermos encontrar, bem como qualquer negação de acesso.

Até agora, reportamos sobre a recente descoberta de um pequeno número de ogivas vazias para armas químicas de 122 milímetros de diâmetro. O Iraque declarou que indicou uma comissão de inquérito para procurar novas ogivas. Muito bem. Por que não ampliar a busca a outros itens? Declare-se o que for encontrado e execute-se a destruição sob nossa supervisão.

Quando instamos nossas contrapartes iraquianas a apresentar mais indícios, muitas vezes recebemos respostas vagas no sentido de que não existem outros documentos. Todos os documentos relevantes existentes foram apresentados, dizem. Todos os documentos referentes ao programa de armas biológicas foram destruídos junto com as armas.

No entanto o Iraque dispõe de todos os arquivos do governo e de seus vários departamentos, instituições e mecanismos. Deve dispor de documentos orçamentários, pedidos de verba e relatórios sobre como essas verbas podem ter sido usadas. O país deve ter também cartas de crédito e manifestos de carga, relatórios e registros de produção e perdas de material.

Em resposta a um recente pedido da Unmovic por diversos documentos específicos, o único material fornecido pelo Iraque foi um diário de 1.093 páginas que, segundo os iraquianos, incluía todas as informações da Divisão de Importação Técnica e Científica, a autoridade de importação para os programas de armas biológicas, entre 1983 e 1990. Isso poderia ajudar a resolver algumas questões em aberto.

A recente descoberta pelos inspetores, na residência de um cientista, de uma caixa com cerca de 3.000 páginas de documentos, boa parte dos quais referentes ao enriquecimento de urânio, dá sustentação a uma preocupação há muito existente, de que os documentos possam ter sido dispersados nas casas de indivíduos envolvidos. Essa interpretação é refutada pelo lado iraquiano, o qual alega que os pesquisadores ocasionalmente tiram documentos de seus locais de trabalho.

De nossa parte, é impossível evitar a idéia de que o caso talvez não seja isolado, e que essa dispersão de documentos seja deliberada, para dificultar sua descoberta e tentar proteger os documentos armazenando-os em residências particulares.

Qualquer novo indício de documentos ocultos será considerado sério. O lado iraquiano se comprometeu em nossas recentes negociações a encorajar as pessoas a aceitar o acesso a locais privados. Não pode haver santuários para itens, atividades ou documentos proscritos. Uma negação de acesso imediato a qualquer local será considerada como um caso sério.

Quando o Iraque alega que indícios tangíveis na forma de documentos não estão disponíveis, deveria, ao menos, localizar os indivíduos, engenheiros, cientistas e executivos, para que testemunhassem sobre suas experiências. Os grandes programas de armas são tocados e administrados por pessoas. Entrevistas com indivíduos que podem ter participado dos programas no passado preencheriam lacunas de conhecimento e compreensão. Também poderia ser útil descobrir que eles agora estão empregados em atividades pacíficas. Existem razões para que a Unmovic solicite uma lista dessas pessoas, nos termos da Resolução 1441.

Cerca de 400 nomes para todos os programas de armas químicas e biológicas, bem como os programas de mísseis, foram fornecidos pelo lado iraquiano. Isso deve ser comparado aos cerca de 3.500 nomes associados a programas armamentistas passados que a Unscom entrevistou nos anos 90 ou cuja existência era conhecida com base em documentos ou outras fontes.

Na minha recente reunião em Bagdá, os iraquianos se comprometeram a suplementar a lista, e cerca de 80 nomes adicionais foram fornecidos.

No passado, informações valiosas foram obtidas em entrevistas. Houve casos, também, em que o entrevistado se sentia claramente intimidado pela ocorrência de interrupção da parte de funcionários do governo iraquiano.

Foi essa a motivação para a cláusula da Resolução 1441 que estipula que a Unmovic e a AIEA têm o direito de realizar entrevistas privadas "da forma e no local" de nossa escolha, em Bagdá ou até mesmo no exterior.

Hoje, 11 indivíduos foram convidados por nós para entrevistas em Bagdá. As respostas foram de que o convidado só conversaria na Diretoria de Monitoração iraquiana ou na presença de um funcionário do governo do Iraque.

Isso pode ser causado pelo desejo, de parte do convidado, de ter provas de que não disse nada que as autoridades não gostariam que dissesse. Em nossas recentes conversações em Bagdá, o lado iraquiano se comprometeu a encorajar pessoas a aceitar entrevistas privadas, ou seja, apenas em nossa companhia. A despeito disso, o padrão não se alterou.

No entanto esperamos que, com mais encorajamento das autoridades, pessoas conhecedoras da situação aceitem entrevistas privadas em Bagdá ou no exterior.

Sr. presidente, devo concluir essa atualização com algumas notas sobre a capacidade crescente da Unmovic. Nos dois últimos meses, a Unmovic reforçou sua capacidade no Iraque e, hoje, tem 260 membros, de 60 países. Entre eles há aproximadamente cem inspetores da Unmovic, 60 pessoas da equipe aérea, bem como pessoal de segurança, comunicações, tradução e interpretação, apoio médico e outros serviços, em nosso escritório de Bagdá e em nosso escritório de campo em Mosul.

Todos eles servem às Nações Unidas e não se reportam a ninguém mais.

Além disso, nosso quadro de inspetores continuará a crescer à medida que nosso programa de treinamento prosseguir. Há um curso de treinamento acontecendo em Viena agora. No final desse curso, devemos ter um quadro de cerca de 350 especialistas qualificados, dentre os quais poderemos escolher nossos inspetores.
A equipe fornecida pelo governo suíço está reformando nosso escritório em Bagdá, que ficou vazio por quatro anos. O governo da Nova Zelândia contribuiu com uma equipe médica e uma equipe de comunicação. O governo alemão contribuirá com veículos aéreos não-tripulados para vigilância e com um grupo de especialistas que os operarão para nós no Iraque. E o governo de Chipre gentilmente permitiu que montássemos um escritório de campo em Larnaca.

Todas essas contribuições auxiliaram no começo rápido de nossas inspeções e no reforço de nossa capacidade, da mesma forma que o auxílio da ONU em Nova York e de organizações irmãs em Bagdá.

Nos últimos dois meses, durante os quais reforçamos nossa presença no Iraque, conduzimos mais de 300 inspeções em mais de 230 locais. Deles, 20 locais jamais haviam sido inspecionados antes.

Pelo final de dezembro, a Unmovic começou a usar helicópteros, tanto para transporte de inspetores quanto para o trabalho de inspeção em si. Temos oito helicópteros no momento. Provaram-se preciosos em ajudar a congelar os locais maiores de inspeção, para observar o movimento na área e em torno dela.

Estabelecer o escritório de campo em Mosul facilitou inspeções rápidas de locais no norte do Iraque. Planejamos estabelecer um segundo escritório de campo em Basra, para o qual já inspecionamos diversos locais.

Senhor presidente, temos agora um aparato de inspeção que nos permite enviar múltiplas equipes de inspeção a cada dia por todo o território iraquiano, via estrada ou pelo ar. Permita-me concluir dizendo que essa capacidade, construída em pouco tempo e já operacional, está à disposição do Conselho de Segurança".

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