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14/02/2003 - 19h21

Leia discurso de ElBaradei ao Conselho de Segurança em português

da Folha Online

Leia a seguir a íntegra em português do discurso do diretor-geral da Agência Internacional da Energia Atômica (AIEA), Mohamed ElBaradei, sobre o Iraque, apresentado nesta sexta-feira ao Conselho de Segurança do organismo.

"Meu relatório ao Conselho hoje é uma atualização da situação das atividades de verificação nuclear da AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica] no Iraque relacionadas à resolução 1441 do Conselho de Segurança e a outras resoluções relevantes. Menos de três semanas se passaram desde minha última atualização ao Conselho, no dia 27 de janeiro _um período relativamente curto_ no processo de inspeções como um todo. No entanto, acredito ser importante para o Conselho permanecer ativamente engajado e totalmente informado neste momento crucial.

O foco das inspeções da AIEA agora moveu-se da "fase de reconhecimento" para a "fase investigativa". A "fase de reconhecimento" tinha como objetivo restabelecer rapidamente nossa base de conhecimento sobre as capacidades nucleares do Iraque, assegurando que atividades nucleares em aparatos nucleares conhecidos não tinham sido reiniciadas, verificar a locação de material e equipamento nuclear e material não-nuclear relevante, e identificar os locais de trabalho do antigo pessoal iraquiano.

O foco da "fase investigativa" é alcançar uma compreensão sobre as atividades do Iraque ao longo dos últimos quatro anos, em particular em áreas identificadas por Estados como sendo preocupantes e aquelas identificadas pela AIEA tendo como base suas próprias análises.

Desde nosso relatório de 27 de janeiro, a AIEA conduziu mais 38 inspeções em 19 locações, para um total de 177 inspeções em 125 locações. O Iraque continuou a fornecer acesso imediato a todas as locações. No curso das inspeções, nós identificamos certos aparatos nos quais restabeleceremos sistemas de detecção e reconhecimento para monitorar, em uma base contínua, atividades associadas a equipamentos críticos de uso dual. Desta vez, estamos usando inspeções recorrentes para assegurar que esse equipamento não está sendo usado para propósitos proibidos.

Como mencionei em meu último relatório ao Conselho, temos várias medidas para áreas amplas e para locações específicas que têm como meta detectar indicações de atividades nucleares, passadas ou em progresso, no Iraque, incluindo amostras ambientais de análises de detecção de radiação.

A esse respeito, nós temos coletado uma ampla variedade de amostras, incluindo água, sedimentos e vegetação, e inspecionado fábricas e outros locais dentro do Iraque, e analisando-os quanto a traços de atividades nucleares.

Também recomeçamos a coletar amostras de ar em locais-chave no Iraque. Três dos quatro aparatos de coleta de amostras de ar que foram removidos em dezembro de 2002 para polimento foram devolvidos ao Iraque. Um deles foi instalado em um local fixo, e os outros dois estão sendo operados de plataformas móveis. Temos a intenção de aumentar seu número para otimizar o uso desta técnica.

Também estamos continuando a expandir o uso de análises gama feitas à mão e conduzidas por carros no Iraque. O veículo de análises gama foi usado nas rotas para locais de inspeção e dentro das locações, assim como em áreas urbanas e industriais. Nós começaremos a fazer análises gama conduzidas por helicóptero assim que o equipamento relevante receber sua certificação final para uso no modelo de helicóptero que nos foi fornecido para uso no Iraque.

AIEA continuou a entrevistar funcionários iraquianos importantes. Recentemente pudemos conduzir quatro entrevistas em particular _ou seja, sem a presença de um observador iraquiano. Os entrevistados, no entanto, gravaram suas entrevistas em fitas cassete. Além disso, discussões continuaram a ser conduzidas com técnicos e autoridades iraquianos como parte de atividades de inspeções e encontros técnicos. Devo observar que, durante nosso recente encontro em Bagdá, o Iraque reconfirmou seu compromisso de encorajar seus cidadãos a aceitarem entrevistas em particular, tanto dentro quanto fora do Iraque.

Em reposta a um pedido da AIEA, o Iraque expandiu sua lista de funcionários relevantes para mais de 300 nomes, juntamente com seus endereços atuais de trabalho. A lista inclui os cientistas-chave de mais alto nível conhecidos pela AIEA nas áreas nuclear e não-nuclear. Nós continuaremos, no entanto, a pedir informação sobre funcionários iraquianos de níveis mais baixos, cujo trabalho pode ser significativo para nosso trabalho.

Gostaria de fornecer a vocês uma atualização sobre diversos assuntos específicos com os quais estamos lidando atualmente. Devo mencionar que, pouco antes de nosso recente encontro em Bagdá, e baseado em discussões externas com o lado iraquiano, o Iraque forneceu documentação relacionada a esses assuntos: a tentativa relatada de importar urânio, a tentativa de aquisição de tubos de alumínio, a aquisição de ímãs e capacidades de produção de magneto, o uso de HMX, e aquelas questões e preocupações que eram relevantes em 1998. Vou tocar brevemente em cada um desses assuntos.

O Iraque continua a declarar que não fez tentativa de importar urânio desde os anos 80. A AIEA recentemente recebeu certa informação adicional relevante para essa questão, que será mais analisada, esperamos que com a assistência do país africano alegadamente envolvido.

A AIEA continua a perseguir reconhecidos esforços por parte do Iraque de conseguir tubos de alumínio de alta resistência. Como vocês saberão, o Iraque declarou que esses esforços estão ligados a um programa para engenharia reversa de mísseis convencionais. A AIEA verificou que de fato o Iraque tem produzido tais mísseis.

No entanto, ainda estamos explorando se os tubos tiveram como objetivo a produção de centrífugas para enriquecimento de urânio. Em conexão com esta investigação, foi pedido ao Iraque que explicasse as razões para as especificações de 'alta resistência' que tinha pedido de vários fornecedores. O Iraque forneceu documentação relacionada ao projeto para engenharia reversa e comprometeu-se a fornecer amostras de tubos recebidos de fornecedores em potencial. Nós continuaremos a investigar a questão a fundo.

Em resposta a indagações da AIEA sobre as tentativas do Iraque de obter um aparato para a fabricação de ímãs, e a possível ligação com a retomada de um programa nuclear, o Iraque recentemente forneceu documentação adicional, que nós estamos examinando atualmente.

No curso de uma inspeção conduzida em conexão com a investigação de tubos de alumínio, inspetores da AIEA encontraram vários documentos relevantes sobre transações com o objetivo de aquisição de fibra de carbono, um material de uso dual utilizado pelo Iraque em seu programa clandestino de enriquecimento de urânio no passado, para a manufatura de rotores de gás centrífugo.

Nossa revisão desses documentos sugere que a fibra de carbono buscada pelo Iraque não está dirigida a propósitos de enriquecimento, já que as especificações do material parecem não condizer com aquelas relacionadas à manufatura de tubos de rotação. Além disso, realizamos inspeções de rastreamento, durante as quais fomos capazes de observar o uso de tal fibra de carbono em aplicações sem relação nuclear e de tirar amostras. Não obstante, a AIEA continuará a perseguir esta questão.

A AIEA continuou a investigar a relocação e consumo do explosivo de alto impacto HMX. Como relatei anteriormente, o Iraque declarou que 32 toneladas do HMX anteriormente sob o selo da AIEA tinham sido transferidos para uso em explosivos industriais, principalmente em usinas de cimento como escorva para explosivos usados em escavações.

O Iraque nos forneceu informações adicionais, inclusive documentação sobre o movimento e o uso deste material, e os inspetores foram levados a locais onde o material teria sido usado. No entanto, dada a natureza do uso de explosivos poderosos, pode ser que o IAEA não consiga chegar a uma conclusão sobre o uso final deste material.

Enquanto nós não temos indicações de que este material foi usado para qualquer outra aplicação do que a declarada pelo Iraque, nós não temos métodos técnicos de verificação, quantitativamente, do uso declarado do material em explosivos.

Nós continuaremos a acompanhar este assunto pela análise de práticas civis em minas no Iraque e por entrevistas de funcionários-chaves iraquianos envolvidos em antigas atividades relevantes de pesquisas e desenvolvimento.

O IAEA completou uma revisão mais detalhada de 2.000 páginas de documentos encontrados em 16 de janeiro na residência particular de um cientista iraquiano. Os documentos estão relacionados predominantemente a lasers, incluindo o uso da tecnologia para enriquecer urânio. Eles consistem em relatórios técnicos; anotações de reuniões (inclusive as do Comitê Permanente para Aplicações do Laser); notas pessoais; cópias de publicações e projetos de teses de estudantes; e vários documentos administrativos, alguns dos quais classificados como confidenciais.

Apesar de os documentos forneceram alguns detalhes adicionais sobre os esforços do Iraque no desenvolvimento do enriquecimento por laser, eles se referem a atividades ou locais já conhecidos do IAEA e parecem ser arquivos pessoais do cientista em cuja casa foram encontrados.

Nada contido nos documentos modifica as conclusões previamente descritas pelo IAEA a respeito da extensão do programa de enriquecimento por laser do Iraque. Apesar disso, nós continuamos a enfatizar que o Iraque deve buscar e fornecer todos os documentos, pessoais ou não, que possam ser relevantes para nosso trabalho.

Na semana passada, o Iraque também forneceu ao IAEA documentação relacionada a questões e preocupações que, desde 1998, pedem mais esclarecimentos, particularmente sobre o desenho de armas e centrífugas. No entanto, nenhuma nova informação estava contida nesta documentação.

Espera-se que as novas comissões iraquianas estabelecidas para buscar por quaisquer documentos e ferramentas adicionais relevantes para seu programa de armas de destruição em massa serão capazes de descobrir documentos e outras evidências que poderiam ajudar a esclarecer essas questões e preocupações restantes, assim como em outras áreas de interesse atual.

Finalmente, eu fui informado nesta manhã pelo diretor-geral do Diretorado de Monitoramento Nacional do Iraque que a legislação nacional que proíbe atividades proscritas foi adotada pelo Parlamento iraquiano hoje. A solução desta antiga questão legal é um passo na direção certa para o Iraque demonstrar seu comprometimento em cumprir suas obrigações sob as resoluções do Conselho de Segurança.

Nas próximas semanas, o IAEA continuará a expandir suas capacidades de inspeção de diversas maneiras, incluindo de seu já extensivo uso de inspeções não-anunciadas em todos os locais relevantes no Iraque.

Para reforçar e acelerar nossa habilidade para investigar questões de interesse, e para reintegrar e reforçar nosso sistema avançado de monitoramento e verificação que foi suspenso em 1998, nós pretendemos aumentar o número de inspetores e pessoal de apoio. Nós também acrescentaremos mais analistas e tradutores para dar apoio à análise de documentos e descobertas de outras inspeções.

Nós pretendemos multiplicar o número de especialistas em aquisição e alfândega para o monitoramento de produtos importados pelo Iraque. Nós também vamos intensificar e expandir o alcance de reuniões técnicas e entrevistas particulares com iraquianos de acordo com nossas modalidades e locações nomeadas, ambas dentro e fora do Iraque.

Além disso, temos a intenção de expandir nossas capacidades de monitoramento praticamente em tempo real de equipamento de uso dual e atividades relacionadas, e de implementar vários componentes adicionais de monitoramento ambiental de grandes áreas com o objetivo de identificar impressões digitais deixadas por atividades relacionadas a material nuclear.

Nós esperamos continuar a receber de Estados informações relevantes para nossa função. Agora que o Iraque aceitou o uso de todas as plataformas para inspeção aérea propostas por Estados colaboradores à Unmovic e à AIEA, incluindo U-2s, Mirage IVs, Antonovs e Drones, planejamos fazer uso deles para apoiar nossas atividades de inspeção, em particular voltadas para monitorar movimentos dentro e ao redor de locais a serem inspecionados.

O governo do Iraque reiterou na semana passada seu compromisso de cumprir suas obrigações para com o Conselho de Segurança e de fornecer cooperação completa e ativa com organizações de inspeções. Supondo que o Iraque honrará esse compromisso, as medidas acima contribuirão para a eficácia do processo de inspeção.

Como relatei em numerosas ocasiões, a AIEA concluiu, em dezembro de 1998, que havia neutralizado o programa nuclear iraquiano do passado e que, consequentemente, não havia questões de desarmamento não-resolvidas deixadas naquela época. Portanto, nosso foco desde a retomada de nossas inspeções no Iraque, há dois meses e meio, foi verificar se o Iraque reativou seu programa nuclear nos últimos anos.

Até o momento não encontramos evidências de atividades nucleares proibidas ou relacionadas a armas nucleares em curso no Iraque. No entanto, como acabo de indicar, uma quantidade de assuntos ainda está sob investigação e ainda não estamos em posição de atingir uma conclusão sobre eles, apesar de estarmos progredindo com relação a algum deles. Para este fim, pretendemos fazer uso total da autoridade concedida a nós por todas as resoluções relevantes do Conselho de Segurança de construir toda a capacidade necessária para o processo de inspeções.

Nesse contexto, eu sublinharia a importância de informações que os Estados possam ser capazes de fornecer para nos ajudar a avaliar a precisão e a integridade das informações fornecidas pelo Iraque.

A experiência da AIEA em verificação nuclear mostra que é possível, particularmente com um sistema de verificação intrusivo, estimar a presença ou ausência de um programa de armas nucleares em um Estado mesmo sem a cooperação completa do Estado inspecionado. No entanto, cooperação imediata, completa e ativa por parte do Iraque, como requerido pela resolução 1441, acelerará o processo. Mais importante, nos tornará capazes de atingir o alto grau de garantia requerido pelo Conselho de Segurança. É minha esperança que os compromissos feitos recentemente em Bagdá continuem a traduzir-se em ação concreta e prolongada."

Tradução de Iana Cossoy Paro e Cristina Amorim

 

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