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07/03/2003 - 18h57

Leia a íntegra do discurso de Hans Blix em português

da Folha Online

Leia, a seguir, a tradução do discurso do chefe dos inspetores de armas na ONU, Hans Blix, apresentado nesta sexta-feira no Conselho de Segurança da ONU:

"Sr. presidente,

Por quase três anos eu venho ao Conselho de Segurança apresentar relatórios trimestrais da Unmovic. Eles descreveram nossas muitas preparações sobre o reinício das inspeções no Iraque.

O 12º relatório trimestral é o primeiro que descreve três meses de inspeções. Eles aconteceram depois de quatro anos sem inspeções. O relatório foi finalizado há dez dias, e um número de eventos relevantes aconteceram desde então. O anúncio de hoje vai complementar o relatório divulgado sobre esses pontos para atualizar o Conselho.

As inspeções no Iraque foram retomadas no dia 27 de novembro de 2002. Em questões relacionadas ao processo, pudemos notar que tivemos acesso imediato a locais a serem inspecionados, e relativamente poucas dificuldades_ certamente muito menos do que as encontradas pela Unscom no período entre 1991 e 1998. Isso pode ser consequência da forte pressão externa.

Algumas questões práticas que não foram esclarecidas pelas conversas entre o sr. El Baradei e eu com os iraquianos em Viena, anteriores às inspeções e à resolução 1441, foram resolvidas em encontros que tivemos em Bagdá.

Foram superadas as dificuldades iniciais levantadas pelos iraquianos sobre helicópteros e aviões de inspeção aérea, operando em áreas fechadas.

Não é o mesmo que dizer que a operação de inspeções é livre de atritos, mas neste ponto nós podemos conduzir inspeções profissionais, sem aviso, em todo o Iraque, além de aumentar a inspeção aérea.

Os aviões de vigilância U-2 norte-americano e o Mirage francês já nos fornecem imagens valiosas, fotos de satélite complementares, e nós esperamos em breve adicionar capacidade de visão noturna em um avião oferecido pela Rússia. Esperamos também adicionar uma vigilância em nível baixo, fechado, em equipamentos fornecidos pela Alemanha.

Agradecemos não apenas aos países que colocaram essas ferramentas valiosas a nossa disposição, mas também aos países, mais recentemente o Chipre, que concordaram em mantê-los em seus territórios.

Sr. presidente, o Iraque, com um sistema administrativo altamente desenvolvido, deveria ser capaz de fornecer mais evidências documentais sobre os programas de armas proibidas. Apenas alguns desses documentos foram descobertos até agora e entregues desde que começamos as inspeções. É decepcionante que a declaração do Iraque, em 7 de dezembro, não levou a novas evidências documentais.

Eu espero que os esforços neste respeito, incluindo a nomeação de uma comissão governamental, dará resultados significativos.

Quando itens proibidos não são contabilizados, são necessários, acima de tudo, todos os relatos críveis sobre isso, ou os próprios itens proibidos, se existirem.

Quando documentos autênticos não são disponíveis, entrevistas com pessoas que teriam conhecimento e experiência relevantes podem ser outra forma de se obter evidências. A Unmovic possui nomes de tais pessoas em seus registros, e elas estão entre as que pretendemos entrevistar.

No último mês, o Iraque nos forneceu nomes que podem ser fontes irrelevantes de informação, em particular pessoas que estiveram em vários locais da destruição unilateral de armas biológicas e químicas e mísseis proibidos em 1991.

Esse fornecimento de nomes leva a duas reflexões. A primeira é que, se as informações detalhadas existentes dizem respeito àqueles que tomaram parte de uma destruição unilateral, seguramente devem haver também registros remanescentes a respeito da quantidade e outros dados sobre vários itens destruídos.

A segunda reflexão é que, com testemunhas relevantes disponíveis, é ainda mais importante ser capaz de conduzir entrevistas de forma e em locais que nos permitam ser confiantes de que o testemunho dado não possui influências externas.

Enquanto o lado iraquiano parece ter entrevistados encorajados a não exigirem a presença de oficiais iraquianos ou inspetores locais ou a gravação das entrevistas, condições que asseguram a ausência de influências indesejáveis são difíceis de se obter dentro do Iraque. Entrevistas fora do país poderiam fornecer tal garantia. É nossa intenção pedir tais entrevistas em breve.

Todavia, apesar das desvantagens restantes, as entrevistas são úteis. Desde que nós começamos a pedir entrevistas, 38 indivíduos foram chamados para conversas particulares, dos quais dez aceitaram nossos termos, sete na semana passada.

Como registrei no dia 14 de fevereiro, autoridades da inteligência afirmaram que armas de destruição em massa são movidas pelo Iraque em caminhões, em particular que há unidades de produção móveis para armas biológicas. O lado iraquiano declara que tais atividades não existem.

Diversas inspeções aconteceram em locais declarados e não-declarados em relação a estruturas móveis de produção. Laboratórios móveis de teste de alimentos e escritórios móveis foram vistoriados, assim como grandes contêineres com equipamento de processamento de sementes. Nenhuma evidência de atividades proibidas foi até agora encontrada.

Espera-se que o Iraque contribua para o desenvolvimento de formas convincentes de se conduzir checagens aleatórias do transporte em solo.

Os inspetores também estão ocupados em examinar os programas do Iraque para veículos pilotados remotamente. Muitos locais foram inspecionados e dados coletados para avaliar seu alcance e outras capacidades de vários modelos encontrados, e inspeções continuam nessa área.

Há informações, negadas pelos iraquianos, que atividades proibidas são conduzidas no subsolo. O Iraque deveria fornecer informações sobre qualquer estrutura adequada para a produção ou o armazenamento de armas de destruição em massa.

Durante inspeções de estruturas declaradas e não-declaradas, as equipes de inspeção examinaram edificações em busca de qualquer estrutura subterrânea. Além disso, radares de exame do solo foram usados em vários locais específicas. Nenhuma estrutura subterrânea de produção ou armazenamento químico ou biológico foi encontrada até agora.

Eu devo acrescentar que, tanto para o monitoramento do transporte terrestre quanto para a inspeção de estruturas subterrâneas, nós precisaríamos aumentar nosso pessoal no Iraque. Não estou falando sobre dobrar a equipe. Eu poderia ter o dobro de quantidade de informação de qualidade sobre locais a serem inspecionados se fossem enviados o dobro de especialistas.

Em 14 de fevereiro, eu relatei ao Conselho que os iraquianos se tornaram mais ativos nas conversações e nos passos propostos, o que potencialmente poderia esclarecer questões não resolvidas sobre o desarmamento. Até há uma semana, quando o atual relatório trimestral foi finalizado, ainda havia relativamente pouco progresso tangível registrado. Por isso, as explicações foram cautelosas no relatório apresentado anteriormente. A partir de hoje, há mais.

Durante nossos encontros em Bagdá, os iraquianos tentaram nos persuadir de que os mísseis Al Samoud 2 estavam incluídos no alcance permitidos pelo Conselho de Segurança. Os cálculos de um painel internacional de especialistas nos levou à conclusão oposta. O Iraque tem, desde então, aceitado que esses mísseis e os itens associados sejam destruídos, e começou o processo de destruição sob nossa supervisão.

Tomar a responsabilidade pela destruição constitui uma medida substancial de desarmamento, de fato a primeira desde meados dos anos 90. Nós não estamos agora lidando com nenhuma brincadeira; armas letais estão sendo destruídas.

No entanto, eu devo acrescentar que o relatório que tenho fala que o trabalho de destruição não foi mantido hoje. Espero que seja uma pausa temporária.

Até hoje, 34 mísseis Al Samoud 2 _incluindo quatro de treinamento, duas ogivas de combate, um lançador e cinco motores_ foram destruídos sob a supervisão da Unmovic. O trabalho continua para identificar e resumir as partes e os equipamentos associados com o programa Al Samoud 2.

Duas câmaras de moldagem reconstituídas, usadas na produção de mísseis de combustível sólido foram destruídas e os resquícios derretidos ou revestidos por concreto.

A legalidade dos mísseis Al Fatah ainda está sendo revisada, esperando por mais investigações e medição de parâmetros variados do míssil.

Mais documentos sobre antraz, VX e mísseis foram recentemente fornecidos. Muitos foram encontrados para reafirmar o que o Iraque já havia declarado, e alguns pedem mais estudos e discussões.

Há atualmente um esforço significativo do Iraque para esclarecer uma fonte principal de incerteza sobre as quantidades de armas biológicas e químicas que foram destruídas unilateralmente em 1991. Uma parte deste esforço diz respeito ao local de deposição, que foi considerado muito perigoso no passado para uma total investigação. Ele agora está sendo escavado.

Até hoje, o Iraque tem oito bombas completas desenterradas, que englobam duas bombas intactas R-400 preenchidas com líquido e seis outras bombas completas. Fragmentos também foram encontrados e amostras foram recolhidas.

A investigação do local de destruição, no melhor dos casos, permite a determinação de um número de bombas destruídas naquele local. Ela deve ser seguida por um esforço sério e convincente para determinar quantas bombas do tipo da R-400 foram produzidas.

Nessa, assim como em outras questões, o trabalho de inspeção está avançando e pode gerar frutos.

O Iraque propôs uma investigação usando tecnologia avançada para quantificar o antraz destruído unilateralmente e jogado no local. No entanto, mesmo se o uso da tecnologia avançada pudesse quantificar o antraz declarado, os resultados ainda estariam abertos a interpretações. A definição da quantidade de antraz destruído deve, é claro, ser seguida por esforços de estabelecer que quantidade foi atualmente produzida.

Com respeito ao VX, o Iraque recentemente sugeriu um método similar para quantificar a matéria-prima do VX declarada, a qual teria sido unilateralmente destruída no verão de 1991.

O Iraque também recentemente nos informou que, seguindo a adoção de um decreto presidencial proibindo pessoas físicas e companhias mistas de se ligarem a trabalhos relacionados a armas de destruição em massa, mais leis sobre o assunto estão para ser decretadas. Isso parece ser uma resposta a uma carta da Unmovic que pede o esclarecimento do assunto.

Sr. presidente, o que fazer sobre essas atividades?

Alguém pode dificilmente evitar a impressão que depois de um período de cooperação relutante, houve uma aceleração de iniciativas do lado iraquiano desde o fim de janeiro. Isso é bem-vindo. Mas o valor destas medidas deve ser julgado com moderação em relação a quantos questionamentos eles atualmente evitam. Isso ainda não está claro.

Tendo essa tela de fundo, a questão agora levantada é se o Iraque tem cooperado, aspas, 'imediatamente, incondicionalmente e ativamente', fecha aspas, com a Unmovic, como pede o parágrafo 9 da resolução 1441. As respostas podem ser vistas nas descrições factuais que forneci.

Porém, se mais respostas diretas são pedidas, eu diria o seguinte: os iraquianos têm tentado quando necessário colocar condições, como fizeram com os helicópteros e os aviões U-2. Eles não têm, no entanto, até agora persistido em essa ou aquela condição durante o exercício de quaisquer de nossos direitos de inspeção. Se tivessem agido assim, relataríamos.

É óbvio que, enquanto as iniciativas numerosas que foram agora adotadas pelos iraquianos, com a intenção de resolver algumas assuntos antigos e abertos sobre o desarmamento, podem ser vistas como ativas ou até pró-ativas, essas iniciativas três ou quatro meses depois da nova resolução não constituem cooperação imediata. Nem elas necessariamente cobriram todas as áreas de relevância. Todavia, elas são bem-vindas. A Unmovic responde com a esperança de resolver questões sobre o desarmamento atualmente não resolvidas.

Sr. presidente, membros do conselho podem relacionar a maioria do que eu disse à resolução 1441, mas a Unmovic está executando seu trabalho sob as rígidas resoluções do Conselho de Segurança. O relatório trimestral mostrado a vocês antes segue a resolução 1284, que não apenas criou a Unmovic, mas que também continua a guiar muito de nosso trabalho.

Sob o cronograma estabelecido naquela resolução, os resultados de uma parte desse trabalho serão relatados ao Conselho antes do fim deste mês.

Deixe-me ser mais específico. A resolução 1284 instrui a Unmovic a, aspas, 'dirigir-se a questões não resolvidas do desarmamento', fecha aspas, e a identificar, aspas, 'tarefas-chaves restantes do desarmamento', fecha aspas. E a última citação é para ser submetida à aprovação pelo Conselho no contexto do programa de trabalho. A Unmovic estará pronta a mostrar um rascunho do programa de trabalho neste mês, conforme requerido.

A Unmovic, a Unscom e o painel do Amorim fizeram um trabalho valioso em identificar as questões do desarmamento que ainda estão abertas desde o fim de 1998. A Unmovic tem usado esse material como ponto de partida, mas analisou os dados anteriores e dados e documentos anunciados após 1998 até o presente para compilar sua própria lista de questões não resolvidas ou, em especial, questões agrupadas. Essa é a resposta para essas questões que buscamos em nossas inspeções, e é também da lista desses assuntos agrupados que a Unmovic identificará as tarefas-chaves de desarmamento restantes.

Como apontado no relatório anterior, esta lista de assuntos está pronta. A Unmovic deve apenas submeter o programa de trabalho com as tarefas-chaves ao Conselho. Conforme deduzo, diversos membros, membros do Conselho, estão interessados no documento de trabalho com os grupos completos de desarmamento. Nós temos desclassificado esse material e estamos prontos a torná-lo disponível aos membros do Conselho, conforme solicitado.

Neste documento, o qual pode ainda ser adaptado de acordo com novas informações, os membros terão uma análise mais atualizada de questões consideradas nos documentos de 1999, os quais os membros geralmente se referem. Cada capítulo do documento termina com diversos pontos, os quais indicam o que o Iraque poderia fazer para resolver a questão. Portanto, a cooperação do Iraque poderia ser avaliada frente às resoluções bem-sucedidas das questões.

Eu devo dizer que o documento de trabalho contém muita informação e discussão sobre as questões que existiam no fim de 1998, incluindo informações que surgiram depois de 1998. Ele contém muito menos informação e discussão sobre o período pós-1998, em especial por causa da pobreza de informação.

Todavia, agências de inteligência têm relatado que programas proibidos continuaram ou reiniciaram neste período. É uma afirmação distante que programas proibidos e itens são dispostos em estruturas subterrâneas, como mencionei, e que itens proibidos estão sendo movidos pelo Iraque. O documento contém sugestões de como essas preocupações podem ser tratadas.

Sr. presidente, deixe-me concluir contando-lhes que a Unmovic está atualmente desenhando um programa de trabalho, o qual a resolução 1284 exige que seja entregue neste mês. Ele vai obviamente conter nossa lista proposta de tarefas restantes, ele vai descrever o sistema reforçado de monitoramento e verificação progressivo que o Conselho nos pediu para implementar. Ele também vai descrever os vários subsistemas que constituem o programa. Por exemplo, sobre vigilância aérea, informação de governos e fornecedores, amostras, controle de tráfego rodoviário etc.

Quanto tempo levará para que as tarefas restantes sejam cumpridas? Mesmo que a cooperação possa ser e seja imediata, o desarmamento e então sua verificação não podem ser instantâneos. Mesmo com uma atitude iraquiana pró-ativa, induzida por uma pressão externa contínua, ainda levará tempo para verificar locais e itens, analisar documentos, entrevistar pessoas relevantes e extrair conclusões. Não levará nem anos nem semanas, mas meses.

Nem os governos, nem os inspetores, querem que as inspeções continuem para sempre. Porém, deve-se lembrar que, de acordo com as resoluções válidas, a inspeção e o sistema de monitoramento de manutenção devem permanecer no local depois do desarmamento, para trazer segurança e soar o alarme se sinais forem encontrados da retomada de quaisquer programas de armas proibidas.

Muito obrigado, sr. presidente."

Tradução de Cristina Amorim
 

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