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20/03/2003 - 05h16

Diversidade étnico-religiosa do Iraque pode ameaçar sua unidade

PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo

A diversidade étnico-religiosa do Iraque pode ameaçar sua unidade territorial caso o frágil equilíbrio interno não seja levado em conta e administrado com destreza pelo futuro governo. Se o regime de Saddam Hussein cair, como promete Washington, as autoridades que o substituírem precisarão conciliar as aspirações de sunitas, xiitas, cristãos, árabes e curdos do Iraque a fim de evitar divisões no país.

Nas últimas décadas, houve diversos períodos de tensão entre o governo e a miscelânea iraquiana de religiões e etnias, sobretudo após a Guerra do Golfo, em 1991. Nesse mesmo ano, uma revolta armada eclodiu no sul do Iraque. Segundo a comunidade internacional, a rebelião foi organizada por grupos xiitas (ramo do islã majoritário no país).

Diversos levantes curdos se seguiram. Em 1991, James Baker, então secretário de Estado dos EUA, contentou-se em observar a fuga de milhares de curdos em direção à Turquia. Desta vez, Colin Powell, seu sucessor, promete protegê-los.

De qualquer forma, a rota de fuga de eventuais retaliações e bombas seria outra agora. A Turquia concentra a absoluta maioria dos 25 milhões de curdos (cerca de 60% deles) e teme levantes domésticos e a fundação de um Curdistão independente em parte de seu território.

No Iraque, os curdos representam cerca de 15% dos 24 milhões de habitantes. Relegados por acordos que dividiram a região após a Primeira Guerra Mundial, eles vivem em diversos países (Turquia, Irã, Iraque, Síria, Azerbaijão e Armênia) e formam o maior grupo étnico sem Estado do mundo.

Nabil Abdul Fattah, do Centro de Estudos Estratégicos e Políticos Al Ahram, do Cairo, afirma que, se a transição de poder não for cuidadosa e bem planejada, o risco de fragmentação do Iraque é considerável. Segundo o analista, sem a concessão de autonomia a Províncias onde os curdos são maioria, os movimentos separatistas vão se fortalecer.

Outro fator de desestabilização é que importantes refinarias de petróleo ficam em áreas curdas. Não por acaso a cidade de Kirkuk (onde se descobriu o petróleo iraquiano em 1927) é reivindicada como capital curda no Iraque. Além dos curdos, analistas temem que revoltas de muçulmanos xiitas, que formam 60% da população iraquiana, possam completar a receita para um conflito mais amplo na região que envolveria o Irã (majoritariamente xiita) e a Arábia Saudita (majoritariamente sunita).

"Saddam Hussein sonha com a grandiosidade da Mesopotâmia [região entre os rios Eufrates e Tigre] e da Babilônia [de Bab Ili, a porta de Deus] e ainda reivindica porções de terra em disputas com vizinhos como Irã e Kuait, mas garante a unidade do país com mão-de-ferro", afirma Fattah.

História milenar

A região entre os rios Tigre e Eufrates (a Mesopotâmia, conforme a denominação dos gregos), que praticamente forma o Iraque moderno, é o berço dos primeiros vestígios da civilização humana _incluindo a invenção da roda, da matemática e da agricultura.

A diversidade de etnias e religiões e a história milenar do Iraque são fatores que propiciaram uma riqueza cultural, mas também o que historiadores árabes descrevem como a "síndrome da Torre de Babel" (que ficaria em território iraquiano): um entendimento nem sempre fácil aliado a um chamariz para a cobiça externa. Entre outros, caldeus, persas, mongóis, otomanos, sauditas e britânicos já almejaram dominar o país.

Se, na Antiguidade, eram a terra fértil e o desenvolvimento que estimulavam os conquistadores, no século 20 o petróleo se tornou o principal atrativo. Em 1929, dois anos depois de sua descoberta no norte do país, os ingleses já garantiam o controle com a criação da Iraq Petroleum Company, cuja sede se fixou em Londres. Agora, sabe-se que o Iraque possui as maiores reservas de petróleo conhecidas após as da Arábia Saudita, o que incentiva disputas comerciais, políticas e militares.

No passado, o domínio otomano (o Iraque foi anexado ao Império Otomano no século 16) e o colonialismo europeu que o substituiu incentivaram o crescimento do nacionalismo árabe no Iraque, que já foi o centro cultural da região (o império islâmico abássida, com sua literatura, sua filosofia, sua arquitetura e sua ciência, desenvolveu-se a partir do atual Iraque). Um conflito armado deve acirrar movimentos nacionalistas e ampliar o fosso entre os diversos representantes do mosaico étnico-religioso iraquiano.

Um eventual governo pós-Saddam tem duas opções: a habilidade política ou a repressão sistemática adotada por países da região.

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