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26/04/2003
-
02h31
Enviado especial da Folha de S.Paulo a Buenos Aires
Luiz Inácio Lula da Silva, o mais importante líder democrático da esquerda latino-americana até tomar posse, virou, depois dela, a referência para o candidato mais identificado com o neoliberalismo na Argentina, o efêmero ministro da Economia Ricardo López Murphy.
López Murphy tem dito que "Lula está fazendo o que ele faria" (se eleito presidente da Argentina amanhã ou no segundo turno, em maio). É o que conta Juan José Sebreli, um dos três intelectuais tidos como "progressistas" que, nesta campanha, se transformaram em propagandistas do ex-ministro do fracassado governo Fernando de la Rúa.
Completa um segundo intelectual, o escritor Marcos Aguinis: "López Murphy está planejando fazer uma política responsável como a de Lula. Assim como o grupo de Lula teve de silenciar o setor infantil de seu partido, López Murphy terá também de calar parte de seu partido".
Guinada
Detalhe: a parte que Aguinis gostaria de ver calada não pode ser descrita exatamente como infantil. Trata-se, por exemplo, de Manuel Solanet, um dos principais economistas de López Murphy e que foi membro da equipe de José Alfredo Martínez de Hoz, ministro da Economia nos primeiros cinco anos da sangrenta ditadura militar do período 1976-83.
Os comentários dos dois intelectuais foram feitos em entrevista à revista (de esquerda) "Veintetres", espantada pela adesão dos dois (e mais de Santiago Kovladoff) a López Murphy.
De novo usando Lula como modelo, Aguinis justifica assim sua guinada: "López Murphy vai causar uma surpresa no sentido positivo, como a que está sendo Lula no Brasil. Acreditavam que Lula fosse fazer a revolução soviética no Brasil e Lula está fazendo um governo responsável, está modernizando o Brasil".
Sebreli chegou a votar em candidato trotskista à Presidência da República. Aguinis publicou no ano passado "O Atroz Encanto de Ser Argentino", mergulho na alma dos argentinos que se tornou best-seller instantâneo.
Ortodoxia clássica
Já López Murphy foi bem o contrário de um best-seller: ficou dez dias no Ministério da Economia, em 2001.
Caiu na esteira de um protesto liderado pelos estudantes porque pretendia cobrar anuidade nas faculdades públicas e demitir 98 mil funcionários públicos, entre outros itens de seu receituário ortodoxo clássico.
Um segundo candidato identificado com a direita, o ex-presidente Carlos Saúl Menem, também usa Lula como exemplo: chegou a dizer que, se Lula pôs o Exército nas ruas para combater a criminalidade, por que ele, Menem, não poderia fazer o mesmo?
É uma alusão ao fato de que o governo Lula usou o Exército nas vésperas do Carnaval para patrulhar as ruas de um Rio de Janeiro anarquizado pelo crime organizado.
É também alusão ao fato de que Menem quer usar as Forças Armadas para a repressão ao crime, que cresceu fortemente na Argentina, em parte como consequência da feroz crise econômica.
Prestígio de Lula
O uso do nome de Lula tem uma explicação fácil: pesquisa recente mostra que o presidente brasileiro tem mais que o dobro do prestígio dos mais bem colocados candidatos presidenciais argentinos, que oscilam entre 15% e algo além de 20%.
Mas o prestígio de Lula se explica pela história de vida, cantada em prosa e verso pela mídia do mundo todo, no momento da vitória. Agora é o início de sua gestão, não a sua carreira, que está sendo apropriada pela direita da Argentina.
Os dois candidatos mais à direita (López Murphy e Menem) têm um discurso que contraria toda a vida política de Lula como militante político e social.
López Murphy, por exemplo, qualifica de "sediciosos" os grupos comunitários que realizam manifestações de protesto e usam o bloqueio de ruas e estradas para dar mais visibilidade à sua atuação.
Entre os "sediciosos", certamente estaria o MTV (Movimiento Tierra y Vivienda), uma versão argentina mais urbana do MST, grupo historicamente ligado ao PT.
Especial
Saiba mais sobre as eleições na Argentina
Lula vira modelo para a direita argentina
CLÓVIS ROSSIEnviado especial da Folha de S.Paulo a Buenos Aires
Luiz Inácio Lula da Silva, o mais importante líder democrático da esquerda latino-americana até tomar posse, virou, depois dela, a referência para o candidato mais identificado com o neoliberalismo na Argentina, o efêmero ministro da Economia Ricardo López Murphy.
López Murphy tem dito que "Lula está fazendo o que ele faria" (se eleito presidente da Argentina amanhã ou no segundo turno, em maio). É o que conta Juan José Sebreli, um dos três intelectuais tidos como "progressistas" que, nesta campanha, se transformaram em propagandistas do ex-ministro do fracassado governo Fernando de la Rúa.
Completa um segundo intelectual, o escritor Marcos Aguinis: "López Murphy está planejando fazer uma política responsável como a de Lula. Assim como o grupo de Lula teve de silenciar o setor infantil de seu partido, López Murphy terá também de calar parte de seu partido".
Guinada
Detalhe: a parte que Aguinis gostaria de ver calada não pode ser descrita exatamente como infantil. Trata-se, por exemplo, de Manuel Solanet, um dos principais economistas de López Murphy e que foi membro da equipe de José Alfredo Martínez de Hoz, ministro da Economia nos primeiros cinco anos da sangrenta ditadura militar do período 1976-83.
Os comentários dos dois intelectuais foram feitos em entrevista à revista (de esquerda) "Veintetres", espantada pela adesão dos dois (e mais de Santiago Kovladoff) a López Murphy.
De novo usando Lula como modelo, Aguinis justifica assim sua guinada: "López Murphy vai causar uma surpresa no sentido positivo, como a que está sendo Lula no Brasil. Acreditavam que Lula fosse fazer a revolução soviética no Brasil e Lula está fazendo um governo responsável, está modernizando o Brasil".
Sebreli chegou a votar em candidato trotskista à Presidência da República. Aguinis publicou no ano passado "O Atroz Encanto de Ser Argentino", mergulho na alma dos argentinos que se tornou best-seller instantâneo.
Ortodoxia clássica
Já López Murphy foi bem o contrário de um best-seller: ficou dez dias no Ministério da Economia, em 2001.
Caiu na esteira de um protesto liderado pelos estudantes porque pretendia cobrar anuidade nas faculdades públicas e demitir 98 mil funcionários públicos, entre outros itens de seu receituário ortodoxo clássico.
Um segundo candidato identificado com a direita, o ex-presidente Carlos Saúl Menem, também usa Lula como exemplo: chegou a dizer que, se Lula pôs o Exército nas ruas para combater a criminalidade, por que ele, Menem, não poderia fazer o mesmo?
É uma alusão ao fato de que o governo Lula usou o Exército nas vésperas do Carnaval para patrulhar as ruas de um Rio de Janeiro anarquizado pelo crime organizado.
É também alusão ao fato de que Menem quer usar as Forças Armadas para a repressão ao crime, que cresceu fortemente na Argentina, em parte como consequência da feroz crise econômica.
Prestígio de Lula
O uso do nome de Lula tem uma explicação fácil: pesquisa recente mostra que o presidente brasileiro tem mais que o dobro do prestígio dos mais bem colocados candidatos presidenciais argentinos, que oscilam entre 15% e algo além de 20%.
Mas o prestígio de Lula se explica pela história de vida, cantada em prosa e verso pela mídia do mundo todo, no momento da vitória. Agora é o início de sua gestão, não a sua carreira, que está sendo apropriada pela direita da Argentina.
Os dois candidatos mais à direita (López Murphy e Menem) têm um discurso que contraria toda a vida política de Lula como militante político e social.
López Murphy, por exemplo, qualifica de "sediciosos" os grupos comunitários que realizam manifestações de protesto e usam o bloqueio de ruas e estradas para dar mais visibilidade à sua atuação.
Entre os "sediciosos", certamente estaria o MTV (Movimiento Tierra y Vivienda), uma versão argentina mais urbana do MST, grupo historicamente ligado ao PT.
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