Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
03/05/2009 - 02h31

Análise: Ódio e reconhecimento a Thatcher

Publicidade

DOM PHILLIPS
Especial para a Folha de S.Paulo

Dia 29 de março de 1984. "Maggie! Maggie! Maggie! Fora! Fora! Fora!", ecoavam os gritos nas ruas de Liverpool. A cidade estava em greve. Cinquenta mil pessoas seguiram em passeata naquele dia em apoio à prefeitura socialista de Liverpool, que tentava aprovar um orçamento ilegal e contra o governo.

Maggie tinha deixado 3 milhões de pessoas desempregadas. Em Liverpool, isso representava 20% da população. Havia bairros na cidade onde 90% dos jovens estavam sem emprego.

O clima na manifestação era de confronto. "Podia sentir o gosto de revolução no ar", disse mais tarde o vice-prefeito, Derek Hatton. Mas a revolução não chegou a Liverpool. E o governo conservador durou ainda mais 13 anos.

O Reino Unido foi um país cindido durante os anos Thatcher. Riqueza no sul, pobreza no norte. A greve violenta das minas de carvão dividia cidades, famílias e amigos. Eu estava em Liverpool, onde nasci e cresci. Naquele dia, estava também desempregado. E desiludido. Seis meses depois, deixei o país.

Odiávamos Thatcher. Seu sotaque. Sua maneira condescendente. Seus assessores ruins. A oportunista Guerra das Malvinas.

Porém, se estou escrevendo este texto hoje, é por causa, justamente, de Maggie. As coisas boas de seu governo foram enfim reconhecidas, depois de 25 anos. Uma delas foi tentar transformar desempregados em empresários. Napoleão havia dito: "os ingleses são uma nação de lojistas." Maggie foi quem tornou isso uma realidade.

Seu governo criou um programa chamado "The Enterprise Allowance" (fundo de empreendimento). Por meio dele, quem estivesse desempregado podia fazer um empréstimo de mil libras (cerca de R$ 3.270) se tivesse uma proposta de um bom negócio. Poderia ainda receber do governo 160 libras por mês (cerca de R$ 515), 90% do seu aluguel e, ainda, o possível lucro do empreendimento, durante um ano.

Muita gente tirou proveito dessa bolsa. Músicos, artistas plásticos, atores e jornalistas. Com um parceiro, lancei uma revista mensal sobre música, cultura e cinema, em Bristol. Fizemos um empréstimo de duas mil libras (R$ 6.395), alugamos um escritório e fizemos nosso negócio.

Financeiramente, a revista foi uma catástrofe. Cada número custava 0.82 libras (R$ 2,67), mas era vendido por 0.80 libras (R$2,61). Ou seja, a revista faliu. Mas foi assim que minha

carreira começou. Como nunca me formei em jornalismo, a revista foi minha faculdade. Depois disso consegui um emprego na "Mixmag", uma revista sobre música eletrônica.

Naquela época, essa cena explodiu na Inglaterra. E, com isso, a revista também.

Virei editor. Após sete anos, saí e trabalhei para os jornais "Guardian", "Observer" e "Independent".

Hoje trabalho aqui no Brasil para o "Times" e o "Sunday Times", entre outros. Tive muita sorte. Ainda odiamos Margaret Thatcher. Mas ela me legou ambição e oportunidade. E não só para mim. Aprendemos que nossa carreira profissional era nossa responsabilidade mesmo. E, por isso, também a agradecemos.

DOMINIC PHILLIPS é jornalista britânico e autor de "Superstar DJs Here We Go! - The Rise and Fall of the Superstar DJs"

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página