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29/06/2003 - 03h42

Fraqueza de Toledo agudiza crise no Peru

OTÁVIO DIAS
da Folha de S.Paulo

A economia do Peru cresceu 5,2% no ano passado, o melhor resultado da América Latina, e deve crescer mais de 4% este ano. Mas, segundo pesquisa do Instituto Apoyo do último dia 16, 85% dos peruanos reprovam a gestão do presidente Alejandro Toledo, 57. Apenas 11% a aprovam.

Como se explica um descompasso tão grande entre o bom desempenho econômico do país e a baixíssima popularidade do governo? Para decifrar essa contradição, a Folha de S.Paulo ouviu três respeitados profissionais peruanos.

A resposta foi unânime: o motivo central é o desgaste da imagem do próprio Toledo, visto como pouco sincero, gastador, desconectado das necessidades do cidadão e incapaz de liderar o país. "Não há uma crise estrutural, o que há é uma crise da pessoa do presidente", afirmou Rossana Echeandía, 41, editora de política do jornal "El Comercio", um dos mais importantes do país.

No início da semana, todo o ministério pediu demissão. O país vive um momento de incerteza política e de fortes rumores devido à dificuldade do presidente encontrar nomes para recompor o governo.

Até o fechamento desta edição, Toledo ainda não havia nomeado os novos ministros.

A crise é tão aguda que já se discute a possibilidade do mandato de Toledo, que termina em 2006, não chegar ao fim. Outros sugerem que o presidente indique um superministro para conduzir o governo e passe a cumprir apenas funções protocolares.

"Toledo perdeu a confiança da população. Para a maioria, ele não está à altura do cargo e não tem autoridade", disse Guillermo Loli, 40, responsável pelas pesquisas do Instituto Apoyo.

Diante da questão "O que o presidente Toledo deveria fazer para gerar confiança e levantar sua popularidade?", 59% dos entrevistados escolheram, em primeiro lugar, a resposta "ser sincero, dizer a verdade". Em segundo lugar, com 51%, veio a opção "diminuir seu salário, ser austero". Em terceiro lugar, com 48%, aparece a resposta "reconhecer seus erros, deixar de culpar os outros". A pergunta permitia que o entrevistado escolhesse mais de uma resposta.

"Algumas pessoas chegam ao poder para mudar o país. Toledo passa a impressão de que, depois que chegou à Presidência, já conseguiu o que queria", diz o economista Hernando De Soto, 61.

O desgaste da imagem de Toledo tem origem na campanha eleitoral, quando o então candidato fez promessas que não tinha condições de cumprir, como, por exemplo, a de dobrar o salário dos professores do sistema público.

Quase dois anos passaram desde sua posse e, diante do não cumprimento da promessa, os professores peruanos desencadearam há algumas semanas uma ampla greve que, aliada a protestos de rua de outros setores, levaram o governo a decretar Estado de emergência por 30 dias.

"Toledo fala mais do que deveria. A cada dia que sai às ruas, promete algo novo", diz Echeandía.

Paternidade negada

Outro episódio que contribuiu para construir a imagem de um presidente pouco sincero foi a relutância de Toledo em reconhecer a paternidade de Zaraí, sua filha nascida de um relacionamento fora do casamento, nos anos 80.

Ele só reconheceu a paternidade diante da ameaça da Justiça de forçá-lo a realizar um exame de DNA, e após Zaraí realizar uma campanha em defesa de seus direitos. Apesar de Toledo ter negado diversas vezes ser pai da menina de 14 anos, as pesquisas mostravam que 80% dos peruanos achavam ele estava mentindo.

No último dia 10, Toledo protagonizou mais um episódio que arranhou sua imagem.

O presidente anunciou, com alarde, a libertação de 60 trabalhadores da empreiteira argentina Techint que haviam sido sequestrados dois dias antes na selva peruana, possivelmente por membros do Sendero Luminoso (um dos mais violentos grupos rebeldes da América Latina nos anos 80, mas com sua força reduzida desde 1992).

Entretanto, informações posteriores colocaram em dúvida a versão oficial e, embora não haja confirmação, acredita-se que os reféns tenham sido libertados após pagamento de resgate.

Gastador

Já a fama de gastador começou a se construir logo após a posse, quando Toledo aumentou seu próprio salário para US$ 18 mil mensais (cerca de R$ 52 mil), num país onde cerca de 50% da população vive abaixo da linha de pobreza.

Diante da repercussão negativa, Toledo já foi forçado a reduzir seu salário em duas oportunidades. No Brasil, o salário do presidente é de R$ 8.883,45.

Toledo também é criticado por emendar feriados e viajar para o litoral norte do Peru, conhecido pelas praias paradisíacas frequentadas pela elite do país. "Esse tipo de atitude pode não ter importância em termos reais, mas não é o que as pessoas querem ver", diz a editora do "El Comercio".

Há poucos dias, envolveu-se em nova polêmica ao decidir viajar aos EUA para discursar, como ex-aluno, na cerimônia de encerramento do ano letivo da Universidade Stanford, na Califórnia.

A viagem não agradou por ter um caráter estritamente pessoal num momento em que o país vive uma crise política. Para piorar as coisas, Toledo insistiu em usar o avião presidencial apesar de o Congresso ter determinado que ele deveria viajar em avião comum, pagando as despesas.

"Toledo perdeu a conexão com a população", diz Loli, do Instituto Apoyo. "Se o presidente Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] for a um estádio de futebol, será aplaudido. Toledo não pode fazer isso."

Mas o "calvário" de Toledo não termina aí. Sua falta de pontualidade é motivo de piada em Lima. Quando alguém atrasa para um compromisso, diz-se que funciona de acordo com a "hora Cabana", em referência ao local onde nasceu o presidente.

Outro lado

A Folha de S.Paulo telefonou para a Embaixada do Peru em Brasília na quinta-feira (26) e pediu uma entrevista com o embaixador sobre a crise política no Peru e o presidente Toledo. A resposta foi que o representante do Peru não responderia às perguntas do jornal.

A reportagem também entrou em contato com o escritório de imprensa do Palácio do Governo, em Lima, solicitando uma conversa com o porta-voz do presidente. Segundo o chefe de informação da Presidência, Sergio Carrasco, não havia ninguém para comentar questões relativas à imagem presidencial.
 

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