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29/06/2003 - 04h10

ONGs desafiam poder neoconservador norte-americano

JOÃO BATISTA NATALI
da Folha de S.Paulo

A hegemonia do pensamento neoconservador nos Estados Unidos talvez não esteja correndo sérios riscos. Mas ela pode ser arranhada por no mínimo duas iniciativas originais. A primeira está na criação de um instituto, chamado American Majority (Maioria Americana), financiado por Steven Kirsch, o milionário criador do Infoseek, programa de busca da internet, e presidido por John Podesta, chefe da Casa Civil na administração Clinton (1993-2001). O grupo quer equilibrar com idéias liberais os múltiplos debates na política e na mídia.

A segunda iniciativa é mais heterodoxa. Consiste em mobilizar o 1,4 milhão de integrantes da MoveOn para as primárias que escolherão o democrata que disputará a Casa Branca com George W. Bush em 2004. Trata-se da mesma rede horizontalizada, sem hierarquia de comando, que, por sites e e-mails, promoveu entre janeiro e fevereiro gigantescas manifestações pacifistas contra a Guerra do Iraque.

Vejamos o contexto. Bush está sujeito à crescente influência dos neoconservadores, grupo pouco preocupado com questões tradicionais na agenda da direita (família, aborto, educação religiosa) e bem mais ambicioso no projeto de expansão internacional do poderio norte-americano.

Os líderes do pensamento neoconservador estão quase sempre em segundo plano na mídia. Não fazem proselitismo para ganhar adeptos. São pessoas discretas, preocupadas em impregnar com suas idéias os centros de decisão.

Não são tampouco, e nem remotamente, parecidos com os lobistas que raciocinam em termos de economia de mercado e batalham para abaixar os impostos.

O grupo era visto nos anos 80 como falcões da extrema direita, adversários da "détente" (equilíbrio de forças) com a então União Soviética e, ao menos no caso do ideólogo Albert Wohlstetter (1913-1997) e alguns seguidores, defendia até o emprego de artefatos nucleares em conflitos periféricos. Wohlstetter acreditava que Nixon e Kissinger eram frouxos por terem reconhecido a China e negociado com a então URSS a redução de arsenais.

Nos anos 90, os neoconservadores, sem muita influência efetiva, alertaram contra políticas amistosas com a Rússia. Mas só teriam voz efetiva depois do 11 de Setembro e dos conflitos no Afeganistão e no Iraque. Voltam agora suas atenções ao mundo islâmico e ao Oriente Médio e festejam crises nas cidadelas inimigas do front interno, como a que recentemente se abateu sobre o liberal "The New York Times".

Na hierarquia oficial norte-americana, não pertencem ao grupo Donald Rumsfeld, chefe do Pentágono, o chefe da diplomacia, Colin Powell, ou mesmo o secretário da Justiça, John Ashcroft --este ligado à direita tradicional dos grupos evangélicos sulistas.

O mais graduado neoconservador na máquina administrativa é Paul Wolfowitz, secretário-adjunto da Defesa. Os demais estão fora do governo e são influentes pelo que publicam e por suas redes de relações pessoais.

O empenho do grupo em fazer a Guerra do Iraque levou publicações liberais, como a revista "The New Yorker" ou o jornal "The Boston Globe", a desconfiarem de uma espécie de conspiração de ideólogos e a desenterrarem seus gurus. O que bastou para colocar em evidência, 30 anos após sua morte, o filósofo de origem alemã Leo Strauss, que conheceu Heidegger e, emigrado aos Estados Unidos, lecionou em Nova York e na Universidade de Chicago.

Strauss nunca redigiu um manual do neoconservadorismo em linguagem simples ou teve empenho em divulgar suas idéias para um público mais amplo. Tratava-se bem mais de um exegeta de textos clássicos, de um conhecedor de idiomas arcaicos, para quem apenas os segmentos minoritários da elite intelectual teriam acesso à linguagem cifrada do conhecimento filosófico.

Não é bem o perfil do ideólogo combativo e reacionário, que vira bicho ao se falar de socialização dos meios de produção. Os straussianos --Wolfowitz ou Richard Perle, influente consultor de Bush-- acreditam que os EUA têm as chaves do jogo internacional e devem impor sua lógica pela força, se encontrarem resistência.

Uma "hegemonia benevolente", na curiosa expressão de Robert Kagan e William Kristol, dois outros neoconservadores. Paralelamente, o grupo despreza o multilateralismo das Nações Unidas.
 

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