Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
06/07/2003 - 02h30

Sars retrocede, mas pode voltar em meses

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo
FABIANO MAISONNAVE
da Folha de S.Paulo

A epidemia de Sars foi oficialmente contida ontem, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a erradicação da doença em Taiwan, último país da lista dos infectados. O controle do surto, menos de sete meses após seu surgimento, na China, é um marco na história do combate a doenças infecciosas. Mas especialistas advertem que ainda é cedo demais para comemorar.

"Não estamos celebrando o fim da Sars hoje. Mas observamos um marco: a epidemia foi contida", disse Gro Harlem Brundtland, diretora-geral da OMS.

"Há várias perguntas sem resposta", disse à Folha de S.Paulo o americano David Heymann, 61, chefe do departamento de doenças transmissíveis da organização. "A doença permanece endêmica, mas sendo transmitida em níveis que não podemos detectar? Vai aumentar sazonalmente? Vamos ter surtos outra vez no próximo ano? Ou ela desapareceu completamente dos humanos e não será reintroduzida? Não sabemos."

A OMS estabeleceu como critério para decretar um dado país livre da Sars o fato de esse país estar há 20 dias -o dobro do tempo de incubação do vírus causador da doença- sem um caso novo.

No entanto, para o microbiologista Donald Low, 58, que coordena o combate à Sars em Toronto, o critério da OMS é uma "fórmula mágica". "No dia 14 de maio, a OMS declarou que o surto havia acabado em Toronto. Mas ainda tínhamos pacientes internados em hospitais. O que criticamos é que ninguém nos perguntou se o surto tinha acabado."

A maior cidade do Canadá sofreu um segundo surto de Sars, controlado na semana passada.

Para Low e vários outros infectologistas, a prova dos noves deverá acontecer nos próximos três meses, quando o outono começa a esfriar o hemisfério Norte.

A mudança de estação é a época em que os vírus respiratórios mais se propagam. O coronavírus Urbani, micróbio causador da Sars, pertence à mesma família de alguns dos causadores do resfriado comum. Portanto, o outono chinês é uma data decisiva para saber se o vírus foi realmente eliminado da população humana.

Segundo o infectologista Marcelo Burattini, da USP, a tentativa de devolver o parasita à natureza pode ter falhado. "Todas as populações submetidas ao vírus tiveram casos secundários."

Burattini, que tem elaborado projeções em computador do comportamento da epidemia (leia texto abaixo), diz que não é possível fazer uma previsão cientificamente embasada sobre o eventual retorno da Sars porque ninguém sabe como o vírus saiu da natureza para os humanos.

O chamado reservatório natural, ou a espécie da qual o coronavírus "pulou" para os seres humanos, ainda é desconhecido. Se existe vírus circulando nele, pode acontecer uma nova epidemia.

A OMS estima que o impacto de um eventual novo surto seja menor, porque a rede global de vigilância contra vírus respiratórios, ativada em 1997, após a chamada "gripe da galinha" de Hong Kong, já está preparada para a Sars.

E, até lá, estima Heymann, testes de detecção precoce e vacinas poderão estar disponíveis, com investimentos dos países ricos. "Os países do hemisfério Norte têm de estar interessados em todas as doenças infecciosas."

O vírus causador da Sars foi identificado em tempo recorde, fato comemorado pela comunidade científica e que deixa a OMS fortalecida politicamente. Com a Aids, última grande pandemia, o mundo levou três anos só para reconhecer o agente, seis anos para adotar medidas eficazes e 13 para adotar um esquema terapêutico.

No caso da Sars, o alerta global foi dado em uma semana. Em 40 dias, o agente já estava identificado -e seu genoma, sequenciado- e em 50 dias a epidemia estava sendo controlada.

Avanços limitados

A elaboração de um teste confiável para detecção da doença e a padronização um tratamento para pacientes de Sars, no entanto, ainda estão longe do ideal.

"O tratamento é uma bagunça", resume Low. "Nós medicamos mais de 200 pessoas com ribavirina [droga que corta a replicação do vírus], mas hoje quase todo o mundo concorda que se trata de uma terapia inócua."
"Apesar de termos visto milhares de casos de Sars, não fizemos nenhum ensaio clínico apropriado para analisar as drogas administradas. Não estamos melhores agora em comparação com quatro meses atrás." Os avanços nas pesquisas sobre testes de detecção também são insuficientes.
"Precisamos de testes que detectem o vírus cedo. Caso contrário, nossas atividades de vigilância serão muito difíceis, porque dependeremos de testes de anticorpos, que só funcionam de 20 a 25 dias depois do começo da doença", afirma Heymann.

Para especialistas, as medidas mais eficazes para conter a doença não surgiram a partir de avanços tecnológicos e descobertas científicas. O que funcionou mesmo foi a boa e velha quarentena.

Especial
  • Saiba tudo sobre a Sars
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página