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27/07/2003 - 03h30

Blair perde o brilho, mas deve resistir

OTÁVIO DIAS
da Folha de S.Paulo

O primeiro-ministro britânico Tony Blair, 50 anos e perto da metade de seu segundo mandato, atravessa uma fase difícil em que sua maior qualidade _uma extraordinária capacidade de conquistar a confiança da população_ está sendo questionada, mas deve vencer as próximas eleições, previstas para até 2006.

A Folha de S.Paulo ouviu dois jornalistas e um professor britânicos e os três concordam: Blair deverá manter o controle sobre o Partido Trabalhista, apesar do momentâneo descontentamento interno, e o Partido Conservador (oposição) não representará séria ameaça.
As concordâncias terminam aí _como, aliás, é natural na apimentada vida política do país_, pois ao menos dois entrevistados têm visões opostas sobre Blair.

"Confiança é como virgindade. Perdida, não é mais recuperada. A capacidade política de Blair baseava-se na sua habilidade em inspirar confiança. Agora que perdeu sua principal arma, nunca mais se recuperará. Ele é como um pássaro de asas quebradas. Poderá continuar premiê, mas nunca mais voará", diz Matthew Parris, 53, colunista do "The Times" e da revista "The Spectator".

"A mídia sempre diz que a confiança no premiê acabou. Mas a verdade é que os britânicos desconfiam de todos os políticos. Blair tem tudo para obter uma terceira vitória consecutiva, algo inédito para um premiê trabalhista", afirma George Jones, 65, professor de governo da London School of Economics (LSE).

O principal motivo da crise de confiança é a Guerra do Iraque. Blair aliou-se ao presidente dos EUA, George W. Bush, na ofensiva contra Saddam Hussein e, apesar da rápida deposição do ditador, enfrenta questões sobre os motivos da ação militar.

A principal justificativa apresentada por Blair para invadir o Iraque foi a ameaça que Saddam representaria por se negar a destruir suas supostas armas de destruição em massa, proibidas pela ONU. Quase três meses após a queda do ditador, não foram encontrados sinais da existência das tais armas, e Blair é acusado de ter exagerado a ameaça militar iraquiana e de ter usado "provas" falsas para justificar a guerra.

Há dez dias, o especialista britânico em armas de destruição em massa David Kelly, fonte da rede BBC numa reportagem crítica ao dossiê sobre o Iraque apresentado pelo governo, apareceu morto, num provável suicídio. Surgiu a suspeita de que teria sofrido extrema pressão de membros do governo, a ponto de se matar.

Diversas pesquisas de opinião publicadas na última semana mostraram uma forte queda no apoio ao premiê devido às dúvidas suscitadas pelo episódio.

Diante da comoção no país, o governo foi forçado a aceitar a abertura de um inquérito sobre as circunstâncias da morte do cientista, e acredita-se que, se a investigação concluir que houve ação indevida por parte de membros do alto escalão, cabeças rolarão.

"Deve haver renúncias. Do ministro da Defesa, Geoff Hoon, ou de Alastair Campbell, diretor de comunicação e o segundo homem mais importante do governo. Blair confia muito em sua credibilidade e integridade pessoais. E elas estão abaladas. Mas acho que não renunciará", diz Edward Lucas, 41, repórter de política da revista "The Economist".

Num artigo recente intitulado "Estamos testemunhando a loucura de Tony Blair?", Parris _que foi deputado conservador por sete anos, apadrinhado pela então primeira-ministra Margaret Thatcher, mas desistiu da política e se tornou um dos mais irônicos comentaristas políticos britânicos_ sustenta que beira a insanidade a convicção com que o premiê defende suas posições e atitudes em relação ao Iraque.

"Ele prometeu que haveria uma resolução da ONU autorizando a guerra. Não houve. Que seria o mediador entre os EUA e a Europa. Não conseguiu. Que Bush aceitaria uma administração da ONU após a vitória. O que não aconteceu. Que as armas de destruição em massa seriam encontradas. Não foram. A cada dificuldade, Blair pede tempo, duas semanas, um mês, dois meses, para que seu argumento se prove verdadeiro. Esse é o comportamento de um homem insano, que vive no mundo da fantasia", diz.

Para Jones, "o que vai determinar o futuro de Blair não tem nada a ver com o Iraque e a guerra, mas com a economia". "Se o desemprego e a inflação continuarem baixos, se os impostos não aumentarem e se persistir o sentimento de que o governo está conduzindo bem a economia, Blair será reeleito. O britânico está mais interessado em seu bem-estar que em política externa", afirma.

Blair também tem sido alvo de "fogo amigo". Membros do próprio Partido Trabalhista _originalmente de centro-esquerda, mas trazido para o centro pelo premiê_ já pressionam por sua saída. Se isso ocorresse, um novo líder seria escolhido, provavelmente o ministro das Finanças, Gordon Brown, e governaria até as próximas eleições, quando enfrentaria o teste das urnas.

"Não vejo risco de isso acontecer, porque Blair tem a classe média do seu lado. Ele é a garantia de nada ameaçador. Um líder trabalhista de verdade [mais à esquerda] amedrontaria esses eleitores, e os parlamentares trabalhistas eleitos por distritos de classe média sabem que correriam risco de não se reeleger", diz Lucas.

"Quando as eleições estiverem perto, muitos dos trabalhistas que fazem barulho agora perceberão que, se quiserem continuar no Parlamento, terão de apoiar Blair porque o público o estará apoiando", afirma Jones.
Para Parris, o mais provável é que Blair conduza os trabalhistas até as próximas eleições, mas sua vitória, segundo o colunista, será menor do que em 1997 e 2001.

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