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23/03/2004
-
10h11
PETER DEMANT
especial para a Folha Online
O assassinato do fundador e líder do Hamas, Ahmed Yassin, coloca de imediato três perguntas: irá ajudar a conter a violência entre Israel e os palestinos ou atiçá-la? Qual será seu impacto sobre as tentativas de paz? E dentro do campo político palestino, quem será beneficiado?
Quase com certeza pode-se dizer que a ação israelense desencadeará uma nova escalada de violência mútua. O Hamas é uma organização muçulmana fundamentalista de resistência anti-sionista que propõe destruir o Estado de Israel e substitui-lo por um Estado islâmico que incluiria o que hoje é Israel mais os territórios palestinos. Rejeita qualquer partilha de território entre árabes e judeus, recusa a coexistência com o Estado judeu e usa de meios terroristas como homens-bomba. Há dez anos é o maior inimigo do processo de paz e conseguiu, provavelmente mais do que qualquer outro fator, descarrilar as negociações entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina.
Com isto, Yassin comprovou ser inimigo não só de Israel mas igualmente de Iasser Arafat, nacionalista que apostou no processo político para conseguir um Estado. A impotência de Arafat em obter um desfecho aceitável pelos palestinos, associada à corrupção de sua administração, minou seu prestígio e beneficiou o Hamas. Desde a implosão do processo político e o começo da Intifada em 2000, o Hamas ainda ganhou popularidade pelos atos cruéis mas audaciosos dos homens-bomba.
Além disto, muitos palestinos associam o Hamas não primariamente com a resistência à ocupação israelense mas antes com clínicas, escolas e outros serviços sociais, mais honestos e baratos do que os da própria Autoridade palestina.
Israel, por outro lado, acha que tem o direito de se defender com "assassinatos focalizados" contra os instigadores do terror: a eliminação de Yassin, o "Osama bin Laden" palestino, se encaixa nesta lógica. Seu desaparecimento constitui um duro golpe contra o Hamas; contudo, não há dúvida de que os seguidores de Yassin tentarão vingar, da mais dolorosa forma possível, a morte de alguém que até palestinos não-fundamentalistas viam como o segundo mais importante líder palestino.
A negociação israelo-palestina, por sua vez, estava moribunda desde antes do assassinato. A desconfiança mútua é total. Um planejado encontro entre o premiê israelense, Ariel Sharon, e Ahmed Korei, seu colega palestino, já foi adiado em reação a um ataque terrorista do Hamas em Ashdod na semana passada. Sem a retomada das negociações políticas, porém, não há nenhuma chance para uma virada positiva no conflito. Infelizmente, negociações sérias são inviáveis por enquanto as lideranças palestina e israelense não suprimam seus respetivos extremistas; nem Sharon nem Arafat parecem capazes ou dispostos a fazer isto. O assassinato de Ahmed Yassin, portanto, só dificultará ainda mais uma aproximação que vem se tornando cada vez mais improvável.
A questão mais interessante é quem mais se beneficiará da morte de Yassin: Arafat ou os fundamentalistas? É pouco provável que Arafat possa diretamente aproveitar a eliminação de seu mais perigoso concorrente: mesmo com 20 mil policiais, sua autoridade está solapada demais para superar 2.000 ativistas do Hamas.
Se Arafat tentar controlar os muçulmanos fundamentalistas, ele será visto como lacaio de Israel; se não o fizer, fortalecerá o Hamas à revelia. Conclusão: a raiva palestina deverá repercutir a favor do próprio Hamas. Contudo, a coerência do Hamas poderá sofrer com um vazio em sua liderança. A organização é bastante pluriforme e nem um possível sucessor radical como Abdel Aziz Rantissi (que também já foi alvo de ações israelenses) poderá controlá-la com tanta autoridade quanto o "santo" Yassin. A direita israelense está apostando na fragilização e até atomização da elite política-militar palestina? Escolha míope: se o centro político palestino sumir, quem conterá os grupelhos terroristas no dia em que ambos os lados finalmente decidirem dar uma nova chance à paz?
Peter Demant, autor do livro "O Mundo Muçulmano", é especialista em Oriente Médio e professor de história da Ásia no curso de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo)
Especial
Saiba mais sobre o conflito no Oriente Médio
Análise: Assassinato de Yassin abrirá nova rodada de violência
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especial para a Folha Online
O assassinato do fundador e líder do Hamas, Ahmed Yassin, coloca de imediato três perguntas: irá ajudar a conter a violência entre Israel e os palestinos ou atiçá-la? Qual será seu impacto sobre as tentativas de paz? E dentro do campo político palestino, quem será beneficiado?
Quase com certeza pode-se dizer que a ação israelense desencadeará uma nova escalada de violência mútua. O Hamas é uma organização muçulmana fundamentalista de resistência anti-sionista que propõe destruir o Estado de Israel e substitui-lo por um Estado islâmico que incluiria o que hoje é Israel mais os territórios palestinos. Rejeita qualquer partilha de território entre árabes e judeus, recusa a coexistência com o Estado judeu e usa de meios terroristas como homens-bomba. Há dez anos é o maior inimigo do processo de paz e conseguiu, provavelmente mais do que qualquer outro fator, descarrilar as negociações entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina.
Com isto, Yassin comprovou ser inimigo não só de Israel mas igualmente de Iasser Arafat, nacionalista que apostou no processo político para conseguir um Estado. A impotência de Arafat em obter um desfecho aceitável pelos palestinos, associada à corrupção de sua administração, minou seu prestígio e beneficiou o Hamas. Desde a implosão do processo político e o começo da Intifada em 2000, o Hamas ainda ganhou popularidade pelos atos cruéis mas audaciosos dos homens-bomba.
Além disto, muitos palestinos associam o Hamas não primariamente com a resistência à ocupação israelense mas antes com clínicas, escolas e outros serviços sociais, mais honestos e baratos do que os da própria Autoridade palestina.
Israel, por outro lado, acha que tem o direito de se defender com "assassinatos focalizados" contra os instigadores do terror: a eliminação de Yassin, o "Osama bin Laden" palestino, se encaixa nesta lógica. Seu desaparecimento constitui um duro golpe contra o Hamas; contudo, não há dúvida de que os seguidores de Yassin tentarão vingar, da mais dolorosa forma possível, a morte de alguém que até palestinos não-fundamentalistas viam como o segundo mais importante líder palestino.
A negociação israelo-palestina, por sua vez, estava moribunda desde antes do assassinato. A desconfiança mútua é total. Um planejado encontro entre o premiê israelense, Ariel Sharon, e Ahmed Korei, seu colega palestino, já foi adiado em reação a um ataque terrorista do Hamas em Ashdod na semana passada. Sem a retomada das negociações políticas, porém, não há nenhuma chance para uma virada positiva no conflito. Infelizmente, negociações sérias são inviáveis por enquanto as lideranças palestina e israelense não suprimam seus respetivos extremistas; nem Sharon nem Arafat parecem capazes ou dispostos a fazer isto. O assassinato de Ahmed Yassin, portanto, só dificultará ainda mais uma aproximação que vem se tornando cada vez mais improvável.
A questão mais interessante é quem mais se beneficiará da morte de Yassin: Arafat ou os fundamentalistas? É pouco provável que Arafat possa diretamente aproveitar a eliminação de seu mais perigoso concorrente: mesmo com 20 mil policiais, sua autoridade está solapada demais para superar 2.000 ativistas do Hamas.
Se Arafat tentar controlar os muçulmanos fundamentalistas, ele será visto como lacaio de Israel; se não o fizer, fortalecerá o Hamas à revelia. Conclusão: a raiva palestina deverá repercutir a favor do próprio Hamas. Contudo, a coerência do Hamas poderá sofrer com um vazio em sua liderança. A organização é bastante pluriforme e nem um possível sucessor radical como Abdel Aziz Rantissi (que também já foi alvo de ações israelenses) poderá controlá-la com tanta autoridade quanto o "santo" Yassin. A direita israelense está apostando na fragilização e até atomização da elite política-militar palestina? Escolha míope: se o centro político palestino sumir, quem conterá os grupelhos terroristas no dia em que ambos os lados finalmente decidirem dar uma nova chance à paz?
Peter Demant, autor do livro "O Mundo Muçulmano", é especialista em Oriente Médio e professor de história da Ásia no curso de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo)
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