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15/08/2004 - 03h29

Para americano, "Chávez não é ditador, ainda"

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo, em Nova York

O plebiscito revogatório que Hugo Chávez enfrenta hoje não será realizado de forma democrática, e o presidente venezuelano tem os meios e demonstrou intenção de manipular o resultado.

A opinião é do especialista em América Latina Stephen Johnson, ex-funcionário para assuntos da região no Departamento de Estado dos EUA e hoje analista sênior da Heritage Foundation, principal centro de estudos conservador do país.

Johnson afirma que "há um clima de intimidação" no país, "pelo qual as pessoas podem se sentir relutantes" a votar contra Chávez.

O especialista caracteriza o regime político daquele país como "autocrático". "Não chamaria de ditadura, ainda", declarou.

E chega mesmo a duvidar de que tenha de fato ocorrido a tentativa de golpe de Estado para tirar o venezuelano do poder em abril de 2002.

"Não tenho certeza sobre o que realmente aconteceu no levante. Para mim, houve muito teatro naquilo tudo, planejado pelo próprio Chávez."

Leia a seguir trechos da entrevista que Johnson concedeu à Folha.

Folha - Como o sr. vê as chances da oposição no plebiscito?

Stephen Johnson
- A maioria das pesquisas mostra Chávez avançando até quase um empate. Mas não sei se isso significa alguma coisa, tanto por causa do clima de intimidação e pelo despejo de dinheiro em programas sociais. Ao mesmo tempo, há um clima de intimidação, pelo qual as pessoas podem se sentir relutantes a votar pela sua saída.

Folha - O sr. acha que muitos eleitores poderiam não declarar que pretendem votar contra Chávez, mas ao fim fazê-lo?

Johnson
- É possível, mas acho difícil fazer um prognóstico agora. O outro problema é o que o governo vai fazer para tentar influenciar o resultado. Se, com toda essa tecnologia [voto eletrônico], haverá quedas de sistema intencionais ou problemas técnicos que possam excluir eleitores. Se poucos votarem e houver menos de 3,7 milhões de eleitores que decidam pela saída de Chávez, o plebiscito pode fracassar, mesmo que Chávez perca. Os resultados podem ser manipulados em favor do presidente.

Folha - O sr. acha que isso é algo que Chávez faria?

Johnson
- Sim. Ele tentou limitar a participação de observadores internacionais, tem um interesse claro em permanecer no poder, os observadores estão trabalhando sob restrições. Outra coisa é que o governo não precisa anunciar o resultado até o início de setembro, o que deixa espaço para muita coisa acontecer.

Folha - Parece-me que o sr. não acredita que o atual governo venezuelano seja democrático.

Johnson
- Acho que ele se move na direção de uma administração autocrática. Não chamaria de ditadura, ainda. Todos os Poderes estão "no bolso" de Hugo Chávez. O Congresso, em sua maioria. A Suprema Corte foi abarrotada com amigos do presidente. O conselho eleitoral é chavista.

As instituições independentes que fazem uma democracia funcionar como tal não estão mais lá. Começa a parecer bastante com o Peru dos anos 90, sob Fujimori.

Folha - Mas os chavistas afirmam que a polarização, de um lado, se deve à dura resistência que Chávez encontra de outro. O que o sr. acha do argumento?

Johnson
- Baboseira. Não há verdade nisso. Primeiro de tudo, não tenho certeza sobre o que realmente aconteceu no levante [tentativa de golpe de Estado em abril de 2002, que tirou Chávez da Presidência por dois dias]. Para mim, houve muito teatro naquilo tudo, planejado pelo próprio Chávez.

A oposição, dada a chance de concorrer honestamente, contra um presidente honesto, pode ou não vencer. Penso que os venezuelanos olhariam as duas propostas e tomariam sua decisão baseados em idéias, e não em pessoas. Do jeito que as coisas estão agora, é tudo uma questão personalista. E isso não é democracia. É a velha tradição latino-americana de mando do homem forte, um substituindo o outro.

Folha - Sobre o golpe: Chávez ficou de fato detido pelos militares, não?

Johnson
- Há algumas coisas que aconteceram. Os generais pediram que ele renunciasse depois que as tropas atiraram em cidadãos venezuelanos [que protestavam contra Chávez]. Depois disso, o que aconteceu foi bastante curioso. Os mesmos generais começaram a dar ordens, conseguiram apoio de algumas pessoas da sociedade civil e depois passaram a realizar atos antidemocráticos, como dissolver o Congresso.

O fato seguinte foi o apoio dos militares a Chávez, que o trouxeram de volta. O que toda essa manobra conseguiu foi fazer sumir vários oponentes de Chávez, e fazê-los parecerem bem malvados, quando ele voltou dois dias depois. Minha impressão é que ele pode ter planejado bastante disso.

Folha - O sr. acha que seria melhor para a Venezuela e a América Latina se Chávez perdesse o plebiscito?

Johnson
- Não. Acho que seria melhor se houvesse um processo democrático e transparente, em que ele tivesse de enfrentar ou o plebiscito ou uma tentativa de reeleição que fossem justos, em que as pessoas tivessem a chance de tomar essa decisão. Um processo em que tanto Chávez quanto a oposição tivessem recursos iguais e igual acesso à mídia e à possibilidade de fazer campanha.

Folha - O que, a seu ver, não está acontecendo agora...

Johnson
- Obviamente que não. Ele tem o poder da mídia, tem o poder do Estado para gastar cerca de US$ 1,7 bilhão em programas sociais de última hora para tentar influenciar o voto, e a oposição não tem nada disso, não tem os recursos para igualar isso.

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