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05/02/2006 - 08h01

Governo tenta "enganar" nepaleses com eleições, diz jornalista

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DANIELA LORETO
da Folha Online

O Nepal realiza eleições municipais no próximo dia 8 para escolher representantes de 58 cidades, mas o processo eleitoral não é visto com credibilidade pela população. Especialista fazem coro a essa opinião.

O país enfrenta uma longa crise com os rebeldes maoístas, que desde 1996 tentam pôr fim ao regime de governo do Nepal --uma monarquia constitucional--, e destituir o rei Gyanendra, para instalar uma república comunista.

Em entrevista à Folha Online, o jornalista Damaru Lal Bandhari, do "Himalayan Times", especialista em política nepalesa , disse que a monarquia está muito longe de chegar a uma solução por meio das eleições municipais. "Pior que isso, não há qualquer chance de que elas sejam conduzidas da maneira que se espera, já que os candidatos incluem pessoas sem qualquer senso político".

Leia a seguir a íntegra da entrevista concedida à Folha Online, por telefone, da capital Katmandu.

Folha Online - O governo insiste em realizar as eleições locais em 8 de fevereiro e já anunciou eleições gerais para abril de 2007. No entanto, a oposição boicotou a votação, e a população e os rebeldes maoístas também a rejeitam, gerando tensão e conflitos no país. Como sr. avalia esta situação?
Damaru Lal Bandhari
- Um ponto que deve ficar claro para a comunidade internacional sobre as eleições municipais anunciadas para 8 de fevereiro é que elas são simbólicas, não têm qualquer significado político para os principais partidos do Nepal, que a boicotaram de maneira unânime. Ao anunciar as eleições, a monarquia constitucional, que já deu todos os sinais de que pretende obter poderes ditatoriais, deu mais um passo com a intenção de enganar a população. Ele [o rei Gyanendra] não se mobilizou para restituir o processo constitucional reativando o Parlamento, que foi dissolvido em 22 de maio de 2002. Tampouco quis formar um governo composto por todos os partidos, ou até mesmo um governo interino, como exigem os maoístas. A monarquia está muito longe de chegar a uma solução por meio das eleições municipais. Pior que isso, não há qualquer chance de que elas sejam conduzidas da maneira que se espera, já que os candidatos incluem pessoas sem qualquer senso político, que não terão condições de representar a população. O regime incluiu até mesmo mendigos como supostos candidatos, já que não havia candidatos suficientes, devido às ameaças dos rebeldes contra aqueles que decidissem concorrer.

Folha Online - Se as eleições acontecerem de fato, elas irão mudar alguma coisa na situação do país? Por que a insistência do governo em realizá-las?

Bandhari
- As eleições não mudarão absolutamente nada. Como elas poderiam mudar algo, se os principais partidos políticos [que possuem 98% da representação no Parlamento] a boicotaram? O pleito é apenas uma tentativa de marginalizar os principais partidos políticos e mostrar à comunidade internacional que o país pode seguir em frente sem estes partidos. A história da família real sugere que nenhum rei tentou instituir um governo pluralista, com a participação de vários partidos. É preciso dizer também que esta postura da monarquia é apoiada pelo Exército, que nunca foi uma força secular neste país. A postura do palácio apenas complica o processo e prejudica os líderes dos principais partidos políticos, que formaram uma aliança para combater a regressão contínua.

Folha Online - No último dia 1º, o rei Gyanendra completou um ano exercendo o poder absoluto, após o golpe de Estado dado em 2005. O sr,. pensa que a pressão dos partidos políticos e da população pode ser forte o suficiente para depor o rei?

Bandhari
- O rei completou um ano de poder sob o artigo 127 da Constituição. Embora a lei suponha que o monarca deva restaurar a ordem política e constitucional, Gyanendra vem, sem dúvida, desrespeitando a Constituição, apesar de afirmar que está seguindo o que foi recomendado pelo primeiro-ministro, que está preso devido a denúncias fabricadas de corrupção, recomendou no artigo. O Nepal é um país muito pobre, com um baixíssimo nível de consciência política entre a população. Não há muitas pessoas nas ruas fazendo demonstrações, o que faz com que a pressão sobre o rei seja pequena. Além disso, a guerrilha maoísta, que teve início em 1996 para restaurar a ordem republicana, resultou nas mortes de mais de 30 mil pessoas, e não parece ser uma ameaça para a monarquia. A possibilidade de o rei ser deposto parece distante neste momento, já que os Estados Unidos, a Índia e a China tendem a apoiá-lo. Talvez estes países não queiram que o rei seja substituído por um governo liderado pelos maoístas, e a tendência no Nepal parece ser essa, já que os partidos políticos não causaram grande impressão na população, por defenderem a manutenção da monarquia.

Folha Online - Como está a atmosfera nas ruas? As pessoas estão com medo? A tensão e a instabilidade cresceram com a proximidade das eleições?

Bandhari
- As ruas, em geral, estão livres de manifestações, porque as pessoas têm medo. É claro que os sete partidos estão realizando alguns protestos, mas eles não causam impacto suficiente para levar o governo a restaurar a democracia. Os manifestantes não chegaram ao ponto de estarem dispostos a arriscarem suas vidas por mudanças políticas. Os protestos são realizados de maneira superficial, o que faz com que percam sua força. Os manifestantes temem que o Exército reprima as demonstrações com violência. No entanto, é provável que o rei tenha pedido cautela ao Exército, já que, até agora, nenhum soldado atirou diretamente em manifestantes. Em meu ponto de vista, não acho que a tensão tenha crescido tanto devido às eleições, já que muita gente nem tomou conhecimento das eleições, devido ao seu caráter de "farsa". Vale chamar atenção para o fato de que muitas vagas foram abertas mesmo sem candidatos. As eleições se tornaram uma "piada" desde que aqueles que foram declarados eleitos sem terem nem mesmo se candidatado renunciaram, por medo de represálias dos rebeldes. Os maoístas declararam uma semana de greve geral, que incluirá a data da eleição. A greve começa no domingo.


Folha Online - Em janeiro, os rebeldes maoístas anunciaram a retomada de suas atividades. Como eles estão agindo no país? Há muitos episódios de violência?

Bandhari
- A insurgência maoísta teve início em 1996. Inicialmente, eles anunciaram que estavam lutando por um Estado republicano governado por comunistas. No entanto, com o decorrer do tempo, afirmaram aceitar um regime no qual a monarquia seja de fato constitucional, como acontece no Japão e na Inglaterra. O fato de que os rebeldes estariam realmente trabalhando pela paz ficou claro quando eles dialogaram com a aliança de oposição formada por sete partidos e assinaram um acordo que inclui 12 pontos. O documento foi publicado e o rei foi chamado a negociar, para que se instituísse um governo interino que deveria realizar eleições para uma Assembléia Constituinte, que decidiria que tipo de regime seria adotado pelo país. De fato, os maoístas anunciaram um cessar-fogo unilateral que durou quatro meses, e terminou devido à falta de resposta do rei. Gyanendra sabe que, se a paz for restaurada, ele não terá função a desempenhar e o Exército terá de voltar aos quartéis. Hoje as pessoas temem mais o Exército que os maoístas que, de certa forma, se identificaram com a população. No entanto, eles não deixam também de ser conhecidos pelos violentos ataques.

Folha Online - Nós conversamos com turistas que estão no Nepal e eles relataram a ocorrência freqüente de toques de recolher e cortes nos sistemas de comunicação. Qual a intenção deste tipo de medida? Elas são uma tentativa de minar protestos contra o governo antes das eleições?

Bandhari
- Sim. O governo tem recorrido a toques de recolher sempre que a tensão cresce. Linhas telefônicas ficaram cortadas no ano passado e celulares pré-pagos ainda não funcionam. A intenção, claro, é a de demonstrar poder e intimidar as pessoas. Os serviços podem ser restabelecidos após as eleições. Os cortes também visam impedir a comunicação entre os maoístas. Até mesmo os próprios rebeldes impõem toques de recolher nas áreas do país que dominam.

Folha Online - A censura também é uma das medidas adotada pelo atual governo no Nepal. Como é trabalhar como jornalista em um país onde não há liberdade de imprensa?

Bandhari
- É claro que o governo tende a impor regras para restringir a liberdade de imprensa. Recentemente, os jornalistas foram avisados para "se conterem" na hora de escrever sobre os rebeldes, para "preservar" a imagem do país. Também há restrições a respeito do que se publica sobre a família real. No entanto, os jornais semanais mais importantes e de grande alcance, continuam escrevendo de forma arrojada. Mas nenhum jornal diário escreve livremente sobre a família real. A autocensura impera.

Folha Online - Em sua opinião, qual seria a solução para levar mais democracia ao país? Mais pressão internacional?

Bandhari
- Uma das soluções seriam manifestações às quais os mais de 1 milhão de habitantes de Katmandu de fato aderissem. Demonstrações em todo o país também poderiam ajudar, mas nada disso está acontecendo. Uma das razões para isso é o fato de que os partidos políticos, que assumiram o poder em 1990, não levaram o país a lugar nenhum, perdendo, em grande parte, o apoio da população. A pressão internacional seria benéfica, mas não é muito provável neste momento. Os Estados Unidos, que têm interesse no Nepal em questões de segurança, devido à sua localização geográfica, no sul da China, tendem a apoiar o palácio. Talvez os EUA confiem mais no rei do que nos partidos políticos para manterem o controle de suas atividades de segurança e espionagem no Nepal, já que o Exército está sob o controle do palácio. É claro que os EUA e outros países demonstraram apoio à aliança de oposição, mas apenas de maneira formal.

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