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03/02/2006 - 18h31

Haiti terá eleições "normais", diz general brasileiro

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GUILHERME GORGULHO
da Folha Online

As tropas da Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti), lideradas pelo general brasileiro José Elito Carvalho Siqueira, 59, terão papel fundamental para garantir a segurança dos haitianos nas eleições na terça-feira (7).

Em meio à incerteza da população e dos candidatos, após quatro adiamentos do pleito, o comando da missão se mostra otimista quanto à situação no país, apesar da violência generalizada que impera na periferia da capital. "Eu não tenho dúvidas de que poderemos ter uma eleição dentro dos limites normais", declarou o general-de-divisão em entrevista exclusiva à Folha Online, de Porto Príncipe, por telefone.

23.jan.2006/AP
José Elito Carvalho Siqueira, que comanda forças no Haiti
O general sergipano --que está no Haiti desde 21 de janeiro--, no entanto, prevê que haverá tensão no país após a abertura das urnas. "O momento pós-eleitoral aqui não será certamente uns dias de muita calma, por razões naturais, de quem perdeu, quem ganhou. Pode ter alguma confrontação."

Leia a seguir íntegra da entrevista concedida à Folha Online:

Folha Online - Qual será o papel da Minustah durante as eleições?

José Elito Carvalho Siqueira - O papel da Minustah aqui no país, como você sabe, é de uma força de estabilização, para dar segurança e tranqüilidade ao povo e à nação para que possa atingir os objetivos que ela precisa. E as eleições é claro, é um grande objetivo. Estamos todos em um planejamento integrado, que acreditamos que está indo bem, e vamos torcer para que nestes dias antes, durante e depois das eleições --porque o plano não é só para o dia 7--, que este plano funcione e que os problemas que possam ocorrer, que eles fiquem dentro dos limites do que poderíamos dizer 'da normalidade' e que o país e o seu povo possam atingir este grande objetivo deles.

Folha Online - O senhor não teme que a violência atrapalhe o processo eleitoral? A American Airlines cancelou os vôos para o Haiti no dia da eleição.

Elito - Nós não temos que temer nada, nós temos que tentar resolver. Essa é a missão da força de estabilização. Não é uma força de ocupação, é uma força de estabilização. Então, com as forças da polícia nacional que aqui estão, com todos, a população cooperando, enfim, com o apoio de todos, eu não tenho dúvidas de que poderemos ter uma eleição dentro dos limites normais. E isso é o que torcemos para que aconteça.

Folha Online - Os eleitores não vão estar apreensivos de ir às ruas temendo o que aconteceu em novembro de 1987, quando mais de 30 pessoas foram mortas por milícias e zonas eleitorais destruídas?

Elito - Eu não posso fazer comparações com o passado, porque nem eu conheço muito bem. Claro que os problemas são realmente sérios quando acontecem, mas o que eu lhe digo é exatamente isso. Os momentos são diferentes. A gente sente a população mais participante. Na quarta-feira, tivemos a informação de que 90% dos eleitores apanharam as suas cédulas de identidade. Então há uma previsão de um grande número de eleitores votarem, então é isso que nós temos que pensar, positivamente. Mas não podemos deixar de estar preparados para auxiliar as forças policiais aqui e que estes problemas de violência, se ocorrerem, não sejam em dimensões fora de um padrão suportável dentro deste contexto.

Folha Online - Qual é a sua impressão sobre a situação atual no Haiti nestes primeiros dias?

Elito - A impressão é muito mais positiva do que eu imaginava. O conhecimento que eu tinha era, claro, das notícias pelos generais Heleno [Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que comandou a Minustah entre junho de 2004 e agosto de 2005] e Bacellar [Urano Teixeira da Matta Bacellar, que chefiou a missão entre agosto de 2005 e 7 janeiro de 2006, quando se suicidou na capital haitiana], que são nossos amigos. Então quando eu aqui cheguei, eu esperava ver pior do que vi. E você vê coisas positivas no país, eu estive no norte e no sul neste fim de semana, conhecendo todas as unidades, as áreas, e você vê coisas muito bem feitas, coisas de bom gosto, crianças uniformizadas indo para a escola. Apesar de todos os problemas, eu confesso que fiquei mais impressionado positivamente do que negativamente.

Folha Online -Como está a situação no bairro de Cité Soleil?

Elito - Cité Soleil é uma situação bem interessante. Cité Soleil fisicamente não representa muito, é uma área de 2,5 km por 2,5 km. No entanto, simbolicamente é uma área que tem um valor especial aqui, porque há um número muito grande de pessoas que moram lá, numa situação realmente muito ruim, e com marginais que ficam lá dentro aproveitando-se desta situação. Então esta é a situação dela, é uma coisa bastante localizada. É como se você aí, em São Paulo, [tivesse] um determinado bairro, ou no Rio de Janeiro, uma determinada favela. Então essa é a situação, precisamos fazer talvez operações no futuro em apoio à polícia da área, vamos ver como fazer. Como fizemos em Bel Air em dezembro com o batalhão brasileiro, e hoje a área está excelente. O batalhão brasileiro fez um excelente trabalho. Então vamos ver, vamos analisar. Mas Cité Soleil é um problema importante, mas localizado, ele não reflete o país.

Folha Online - O senhor diria que, com exceção de Cité Soleil, a situação está sob controle no Haiti?

Elito - Eu diria que sim, está sim em controle. E Cité Soleil também poderá estar no futuro, vamos ver apenas, dar as prioridades, e agora são as eleições. Vamos ter um novo governo, vamos ter, tomara, um presidente, então e aí, com o país estruturado, as decisões tornam-se menos difíceis, com certeza.

Folha Online - Fora de Porto Príncipe, como está a segurança?

Elito - Está muito bem, é o que eu lhe falei. No norte e no sul do país, a impressão que eu tive foi muito boa. Estamos com tropas da Argentina, do Uruguai, do Sri Lanka, do Nepal, da Espanha, espalhadas fora de Porto Príncipe, e estão indo muito bem. Vamos realmente torcer para que tenhamos uma execução muito boa também, precisamos ter a ajuda de todos.

Folha Online - O senhor acredita que esta diferença entre Cité Soleil [sob a responsabilidade das tropas da Jordânia] e Bel Air [onde as tropas brasileiras controlaram a criminalidade após uma ação intensiva] esteja relacionada com as atuações distintas das tropas nas duas áreas?

Elito - Isso pode ser fator, mas não é o único fator. Cada caso é um caso. A situação de Bel Air pode ser parecida com a de Cité Soleil sim. Mas tem momentos oportunos e agora não é um momento oportuno para se fazer alguma ação em Cité Soleil, porque há um objetivo muito mais importante no momento. Mas, como Cité Soleil agora, como amanhã outros, se pudermos cooperar para que aquela população que está lá --e a grande maioria é de pessoas decentes que querem trabalhar, que querem estudar--, que elas possam ter uma vida melhor, se o governo assim quiser e nós podermos ajudar, vamos ajudar.

Folha Online - Em Cité Soleil não haverá seções eleitorais?

Elito - O que o governo aqui achou melhor é que... nós vamos ter em torno de cinco pontos de votação na periferia de Cité Soleil, na própria estrada que passa em Cité Soleil. Então, com isso, ninguém vai andar mais do que dois quilômetros para poder ir ao seu ponto de votação e votar tranqüilamente. Eu creio que essa foi uma boa solução, porque é mais seguro para todos.

Folha Online - Como funciona a coordenação das ações políticas e militares da Minustah? O senhor acha que este trabalho é suficiente para tentar reduzir a violência e estabilizar o país?

Elito - Nesta uma semana que estamos aqui, vivendo este momento especial, é claro, as reuniões têm sido muito produtivas. A todo momento nos reunimos com o primeiro-ministro [interino, Gérard Latortue], com os órgãos de imprensa, com os órgãos policiais, com a polícia nacional... e estamos em um trabalho integrado, inclusive todos estarão aqui nos últimos dias no quartel-general da Minustah. Os órgãos civis e militares estão todos integrados para fazer o melhor possível para as eleições.

Folha Online - Atualmente a Minustah está com quantos homens no país?

Elito - Nosso efetivo militar é de 7.500 homens, estamos com o limite máximo que a ONU nos autoriza. A polícia internacional são outros mais de mil homens. A polícia nacional também está com um efetivo de cerca de 4.000 homens, espalhados no país. É um efetivo que julgo, com o apoio do governo e da população, ser possível fazer uma eleição no dia 7 que seja normal.

Folha Online - Há previsão de redução deste efetivo após as eleições?

Elito - Não, oficialmente eu desconheço, como "force commander" [comandante da força]. Não sei a nível político e de governos dos países, como que estão. O momento pós-eleitoral aqui não será certamente uns dias de muita calma por razões naturais, de quem perdeu, quem ganhou. Pode ter alguma confrontação, alguma coisa deste tipo. Nós estamos com um plano para prosseguir, após as eleições, até irmos conseguindo a naturalidade da situação. Creio que as tropas, pelo menos até o final do primeiro semestre, certamente estarão muito envolvidas para ajudar o país nesta nova fase.

Folha Online - Qual é a sua perspectiva para permanecer no Haiti?

Elito - O 'force commander' [comandante da força], o meu cargo, é um mandato com a ONU. Eu fui designado pelo prazo de um ano, é a minha situação. Agora, as tropas normalmente são renovadas a cada seis meses. A tropa brasileira mesmo, agora em maio, junho, o batalhão que aqui está será substituído por um batalhão cuja origem é o Nordeste. Eles já estão inclusive em preparação no Brasil. É o que eu acredito que vá acontecer, a cada seis meses a renovação de todos os países, ou não, de acordo com decisões de governo.

Folha Online - Há informações de que existem cerca de 15 seqüestros por dia no Haiti, a maioria em Porto Príncipe, como apontam entidades de defesa dos direitos humanos.

Elito - Isso não é verdade. Realmente houve fase de maior número de seqüestros e menor número. Dezembro realmente foi --e eu ainda não estava aqui-- um mês que teve um número de seqüestros orquestrados até, parece, em número definitivos. Em janeiro a queda foi vertiginosa, eu não tenho números, mas foi uma queda de mais de 60%. É uma coisa que oscila muito, e eu não teria um dado preciso para passar.

Folha Online - Há cerca de dois meses, grupos de direitos humanos denunciaram à OEA (Organização dos Estados Americanos) supostos abusos cometidos pelas tropas da Minustah contra civis. O que mudou desde então?

Elito - Isso é uma imposição, é uma regra absolutamente rígida para todos nós, do soldado ao general. Não há flexibilidade no cumprimento dessa ordem. Os casos que possam ter havido, eu não conheço nenhum deles... existem também regras muito rígidas de "board of inquiries", que são inquéritos imediatos, repatriamentos imediatos, soluções rápidas, para não deixar dúvidas quanto às ações que foram tomadas decorrentes da culpabilidade de alguém. Se for também inocentado, nenhum problema e continua. Mas as ações que eu vejo aqui, são muito bem planejadas para isso, para justamente não deixar que uma coisa isolada vá macular um trabalho nobre que todos estão fazendo.

Folha Online - Qual a principal mudança que houve entre o seu comando e o do general Urano Bacellar?

Elito - Absolutamente nenhuma mudança estrutural. Os generais Heleno e Bacellar fizeram trabalhos aqui excepcionais. O que eu pretendo é que possa estar à mesma altura de continuar somando, como eles, aqui.

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