Colunas
Clovis Rossi
01/09/2009

Abrindo a janela

No voo da TAM para Londres, vi "As Garotas do Calendário", filme britânico que conta a história de um grupo de senhoras, beirando os 70 anos, que decidem posar nuas para um calendário, com o objetivo de arrecadar fundos para o hospital da pequena comunidade em que vivem.

A horas tantas, uma das senhoras, talvez a de mais idade, está tomando o café-da-manhã com o marido, ainda mais velho. Ele empurra o jornal que está lendo para ela e diz:

"Você está nua nesse jornal".

Silêncio de segundos, e ele retorna: "Passe-me o bacon, por favor".

A sabedoria convencional diria que se trata de um retrato acabado, em poucos segundos, do inglês típico, inoxidável fleumático mesmo ante uma situação bastante insólita.

Eu tenho, no entanto, o mau hábito de questionar a sabedoria convencional. Pergunto-me: é o inglês típico ou apenas o estereótipo do inglês típico? Afinal, a ciência ensina que nenhuma pessoa é igual à outra. Logo, não é científico pressupor que todos os ingleses sejam iguais na fleuma --ou em qualquer outra característica.

No fundo, é esse tipo de curiosidade que está por trás da coluna que estreia hoje. Desde criancinha --e aí é literal, não apenas força de expressão-- tenho incontrolável curiosidade por saber como são as pessoas, os fatos e os locais que acabam indo parar nos jornais, na TV ou na rádio --e, agora, na internet.

Começou em 1956, quando a então União Soviética invadiu a Hungria para acabar, a sangue e fogo, com uma rebelião contra o regime comunista.

Foi o momento em que, apesar dos meus tenros 13 anos, passei a ler o jornal inteiro, não apenas esporte e quadrinhos, como até então. Devorava obcecadamente tudo sobre a Hungria. Mas não consegui dar à carreira jornalística a direção infantilmente pretendida, a de descobrir o mundo. Só 17 anos mais tarde, comecei a fazê-lo, a partir da cobertura do golpe no Chile.

Os 36 anos seguintes só serviram para uma coisa: descobrir que, cada vez que descobria alguma coisa sobre algum país ou assunto, descobria também que apareciam "ene" coisas/assuntos que eu precisaria descobrir mais tarde.

Consola-me saber, neste 1º de setembro que marca o 70º aniversário do início da Segunda Guerra Mundial (1939/45), que não estou sozinho nessa busca sem fim. O jornal "The Guardian" puxa para a capa a controvérsia, na Europa, sobre quem são os culpados pela guerra, se apenas a Alemanha de Hitler ou também a União Soviética de Stálin, que fez um pacto com Hitler.

O presidente russo Dimitri Medvedev, apesar de pós-comunista, sai em defesa de Stálin, chegando a dizer que, "no fim das contas, [Stálin] salvou a Europa".

Se há essa polêmica em torno de um assunto encerrado há 64 anos e sobre o qual se escreveram todos os livros possíveis, imagine então como é complicado --e polêmico-- escrever sobre temas contemporâneos.

Não importa. Nessa viagem, vale menos obter todas as respostas (porque não as há) e mais ter a chance de fazer todas as perguntas.

É o que se tentará neste espaço, com a óbvia prioridade para as relações Brasil/mundo, por mais que tenha perfeita consciência de que está longe de ser assunto popular. No livro "A Agenda Internacional do Brasil", recém-lançado, o especialista Amaury de Souza reproduz pesquisa feita na "comunidade brasileira de relações internacionais": apenas 11% dos integrantes da "comunidade" acham que a opinião pública tem interesse pela política externa.

Prefiro olhar a pesquisa pelo lado do copo meio cheio: em 2001, idêntica pesquisa descobria apenas 4% de interessados.

Como acredito, honestamente, que política externa, como qualquer política, não pode ser deixada apenas nas mãos dos diplomatas e do governo ou do Congresso (que, aliás, nem se mete nesse assunto), esta "janela" é a minha modestíssima contribuição para ver se, dentro de sete anos, triplica outra vez o número de interessados, como entre 2001 e 2008.

Fica, então, o convite para olhar pela janela comigo.

*

JANELINHAS

Mundo cruel

Um colecionador arrematou em leilão um carro Shelby Daytona Cobra Coupe por US$ 7,25 milhões (R$ 15,16 milhões), o mais alto preço já alcançado por um carro raro, segundo o "Financial Times". Daria para comprar 25 Mercedes-Benz S500, que no Brasil só é feito por encomenda, a R$ 600 mil cada.

O jornal britânico informa também que, na fase de baixa dos mercados, carros raros em boas condições renderiam mais a um eventual investidor do que qualquer outro tipo de ativo, incluindo aí ações, obras de arte ou ouro.

Enquanto isso, na Terra, quando você compra seu carro, ele começa a se desvalorizar no minuto seguinte.

O mundo é cruel.

*

O "galinheiro" Unasul

Os torneios de oratória em que se transformaram as cúpulas latino-americanos cansaram até um cardeal (Juan Luis Cipriani, arcebispo de Lima e primaz da igreja católica no Peru). Cipriani deixou de lado a paciência, virtude católica, para dizer que a recentíssima cúpula da Unasul em Bariloche lhe pareceu "um galinheiro".

De quebra, deu aula de jornalismo, ao questionar o interesse da mídia por tais reuniões. "Os meios de comunicação deveriam dedicar-se a dar uma visão de quantas coisas boas se fazem na América Latina", acha o arcebispo.

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Nem eu nem os outros

Ted Kennedy Jr., na cerimônia fúnebre do senador Ted Kennedy, lembrou frase do pai: "Eu não me incomodo em não ser presidente. O que me incomoda é que alguma outra pessoa o seja".

Aposto que 11 de cada 10 presidenciáveis ou primeiro-ministeriáveis no mundo todo diriam a mesma coisa.

*

Quer ser copeiro?

A embaixada do Brasil em Londres está com processo seletivo aberto até dia 9 para contratar um copeiro. Pode ser brasileiro, desde que maior de 21 anos e com residência legal no Reino Unido. O salário é de 1.587 libras por mês, o que dá, ao câmbio de ontem, cerca de R$ 4.700.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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