Colunas
Clovis Rossi
29/09/2009

Negociar é preciso

da Folha Online

Diz a ONU que as ameaças à embaixada brasileira em Honduras são "inaceitáveis". Ótimo, eu também acho, mas e daí? Daí, nada. A menos que uma das partes --Manuel Zelaya ou os golpistas-- ceda, a pantomima vai continuar indefinidamente.

Como continuou, após o golpe, a condenação universal, a imposição de algumas sanções (ou o anúncio de algumas punições), a discurseira toda, os comunicados diplomáticos da OEA, da Unasul, da cúpula Unasul-países africanos, da torcida do Corinthians e do Flamengo e por aí vai.

Papel, papel, papel, blablablá --e os golpistas não moveram um músculo, a não ser quando o presidente deposto materializou-se na embaixada brasileira em Tegucigalpa e criou um constrangimento ao vivo e em cores.

Constrangimentos passam logo, no entanto, ou são empurrados com a barriga.

Está na hora de a diplomacia brasileira ou alguma outra com bala na agulha, se é que há alguma, entender que todas as posições de princípio foram marcadas a fogo durante a crise. Todas. Agora, é aceitar que um mínimo de realismo obriga a algum tipo de negociação com os golpistas, se é que se pretende resolver a crise, em vez de apenas marcar posição, o que seria uma atitude maravilhosa para centro acadêmico mas não serve para o jogo de adultos.

Princípios e declarações claramente não comoveram os golpistas. Assim como não se materializou a insurreição popular esperado pelos "zelaystas", ou por falta de quorum ou por excesso de repressão (ou ambas).

O mais elementar sentido comum manda, pois, negociar. Do contrário, vai se realizar a eleição presidencial de novembro, o mundo não vai reconhecer, mas o novo presidente vai tomar posse, o mundo não vai reconhecer, mas Zelaya continuará na embaixada brasileira ou para onde resolver e conseguir ir, até secar em vida --claro que sempre com o apoio das belas palavras do planeta comovido.

*

Por falar em comoção, fazia muitíssimo tempo que não via um debate tão indigente como o que se dá em torno de Honduras. É o maniqueísmo mais idiota: "chavistas" e "lulistas" apoiam Zelaya, faça Zelaya o que fizer, certo ou errado. Os anti-"chavistas" e/ou "anti-lulistas" apoiam Roberto Micheletti, faça o que fizer, mal disfarçando a satisfação com um golpe contra um "chavista". É infernal.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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