Colunas
Clovis Rossi
13/10/2009

Maitê, o português e a desconfiança

Maitê Proença acabou arrumando uma bela confusão com os portugueses, ao fazer uma reportagem sobre Portugal para o programa "Saia Justa", do canal a cabo GNT.

Foi um leitor brasileiro mas que mora em Portugal, casado com portuguesa e com duas filhas lá nascidas, quem me chamou a atenção para a irritação dos portugueses --e dele próprio. Quem quiser conferir, o vídeo está aqui.

Eu vi, preparado para coisas muito feias, até porque o leitor, Marcelo Lourenço, dizia que "a reportagem é das coisas mais grosseiras e preconceituosas" que ele já vira na vida.

Não achei nada de muito extraordinário, não. É evidente que há preconceito quando, por exemplo, Maitê mostra, como se fosse típico apenas de Portugal, um número 3 invertido à porta de uma casa de Sintra, belíssima cidade patrimônio da humanidade, pertinho de Lisboa.

Sou capaz de apostar que, em qualquer cidade brasileira, americana, francesa ou lituana, pode-se encontrar não um mas vários números invertidos.

Mas, convenhamos, não chega a ser o equivalente a xingar a mãe.

Maitê reclama ainda de não haver um técnico no hotel "cinco estrelas" em que se hospedou em Lisboa capaz de resolver seu problema de conexão com a Internet.

Mas não me pareceu que culpasse uma suposta burrice de português de piada pelo fato. Eu entendo a atriz: sempre que tenho problemas com a internet, quando viajo, xingo (silenciosamente) a mãe de todos os que tentam e não conseguem resolver o problema, qualquer que seja a nacionalidade do "incompetente".

O fato é que as queixas de Maitê ganharam espaço até na TVi local, que diz: "Em tom de confidência mas com língua viperina, a actriz conta que não conseguiu arranjar um técnico de informática no seu hotel de cinco estrelas para consertar uma avaria simples no seu computador. 'Mandaram um técnico que olhava para o meu mouse (rato) como se fosse uma capivara (...) Depois chamaram um colega que, imaginem, era o porteiro do hotel!', conta imitando o sotaque português...".

Não creio que Portugal e Brasil caminhem para o rompimento diplomático por causa disso, mas esse tipo de episódio é revelador, no micro-detalhe, do oceano de incompreensão que existe entre as duas partes.

O português em geral é extremamente sensível ao menosprezo que percebem nos brasileiros, correta ou incorretamente. E são extremamente preconceituosos em relação às brasileiras em especial. Nunca esqueci uma vez em que, ao fazer uma reportagem sobre os brasileiros radicados em Portugal, uma das entrevistadas me disse que apresentar-se como brasileira (o que, de resto, é inevitável pela diferença de sotaque) e ser tratada como prostituta é quase automático.

Fico curioso por saber como a vida dos brasileiros em Portugal será relatada no seminário que o Itamaraty promove a partir do dia 15, chamado "Brasileiros no Mundo". É uma louvável iniciativa para ouvir as comunidades brasileiras espalhadas pelo mundo (literalmente). Será que, no país em que a língua deveria servir de elo, há mais desconfianças e resmungos de parte a parte do que em outros países da diáspora?

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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