Colunas
Clovis Rossi
15/10/2009

Imagem é tudo, traseiro não é nada

Para encerrar o assunto brasileiros x portugueses, um olhar brasileiro sobre os problemas da diáspora tupiniquim.

Primeiro, o olhar de Israel Lopes de Souza, dentista brasileiro radicado em Torres Vedras, a 37 km de Lisboa, que se diz "muito bem sucedido profissionalmente".

Israel relata que está em Portugal há 17 anos e que, nos primeiros tempos, os portugueses diziam que sua língua, o português falado no Brasil, era "português com mel".

Esses tempos doces acabaram. Culpa dos próprios brasileiros, na ótica do dentista.

"Posso te contar duas coisas que se passaram ontem [quarta-feira]. Tenho uma paciente que trabalha no tribunal e estava super nervosa porque dois brasileiros mataram um vizinho dela a facadas, mais de 50 facadas. Ela me disse que ultimamente muitos assassinatos são cometidos por brasileiros".

É evidente que essa senhora não deve ter estatísticas que apoiem sua afirmação sobre assassinatos por brasileiros, mas é uma sensação que se espalha por Portugal (e outros países). Do nada, não sai.

O segundo caso relatado pelo dentista Israel é o comentário que ouviu de um rapaz na academia: "Ele dizia a outro que alugou um quarto para um brasileiro, advogado. Um dia chegou em casa e o advogado tinha roubado tudo de valor. Até as alianças e o anel que tinha comprado para a noiva. Quando a polícia foi investigar descobriu que o advogado era cabeleireiro e que já tinha voltado para o Brasil com o bolso cheio, depois de vários golpes. Casos como este já ouvi dezenas. Sem falar os assaltos a bancos, joalherias, lojas, bombas de gasolina, etc.".

Agora, o olhar de Frederico Nunes, há dois anos e oito meses em Lisboa, empregado em uma escola que ensina Português para estrangeiros e estudante de Publicidade:

"Há a questão dos imigrantes aqui, garotas de programa ou pessoas que cometem crimes que teriam pouca ou nenhuma repercussão no Brasil, mas que aqui, com os baixos índices de violência e o estilo português de fazer tempestade num copo d'água, causam um grande barulho. No ano passado, houve um assalto a uma agência bancária, com reféns, e terminou com um bandido morto e outro ferido. Chocou o país. Os dois eram brasileiros ilegais".

Saltemos para a Inglaterra, mais exatamente para Essex, de onde escreve Cristiane Jacobs, casada com um britânico. Ela diz que foge do estereótipo da brasileira, por ser loira e de olhos azuis, "embora os quadris delatem minha latinidade"

Acrescenta: "O estigma de 'prostituta' acontece não só em Portugal, mas também por aqui, haja vista as reclamações de amigas brasileiras solteiras, muitas delas trabalhando em empresas de ponta do Reino Unido, fazendo uso de sua graduação no Brasil.

Chegam até a cogitar usarem um anel de casamento, que funciona como um 'inseticida' contra predadores morais aqui na terra da rainha. O que não teria muito uso no Brasil, uma vez que os 'machões' brasileiros não se intimidam com este instrumento da fidelidade".

Mas Cristiane não culpa eventual preconceito britânico apenas. "A Embratur tem uma bela parcela de culpa neste engodo; por décadas a fio vendeu os glúteos brasileiros como parte de todo um pacote de turismo. Uma conhecida minha, na Alemanha, contou-me sobre uma certa feira de turismo realizada no país, visando os empresários do setor. Ela acompanhava o marido (empresário alemão) e, ao se aproximar do corredor onde estava o quiosque da Embratur, uma mulata o agarrou e disse, em alemão precário:

'Você está gostando do que está vendo? Então venha para o Brasil, onde há mulheres como eu".

Voltemos à Europa continental, mais exatamente para a Suíça, de onde escreve Hermano Santos da Bôa Morte, para contar que faz parte de um grupo, "entre vários outros, reunidos na Suíça e na Europa, que batalha para que a imagem brasileira mude aos olhos dos que nos hospedam".

Bôa Morte lamenta que os esforços dele e de seu grupo tenham sido prejudicados pela encenação por uma brasileira de um ataque racista, no ano passado, nas imediações de Zurique, que provocou escândalo aqui e lá.

Tudo somado, meus caros amigos do Itamaraty, temos um problema. De imagem. Parece sério, e não vai ser com cartões postais de traseiros abundantes, que a Embratur já chegou a utilizar, que ele será resolvido.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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