Colunas
Clovis Rossi
01/12/2009

Surfando na onda Brasil

ESTORIL - Posso confessar uma coisa, só entre nós? Estou adorando a onda Brasil no cenário internacional. Os jornalistas brasileiros também surfamos nela, também somos içados para situações em que, antes, nem nos davam muita bola.

Já relatei nem me lembro mais se neste espaço ou na Folha-papel um episódio que aconteceu comigo em 1997 quando cobria a cúpula da União Europeia em Amsterdã, da qual resultou um tratado com o nome da capital econômica da Holanda, vital para a construção europeia.

Cheguei, peguei meu crachá de jornalista e fui examinar o mapa dos locais de reuniões, que seriam em grandes tendas armadas num parque público de Amsterdã. Encosta um jornalista holandês, vê "Brazilie" escrito no meu crachá e fulmina: "Você veio 'all the way down there' para isto?".

Nunca tive o tal complexo de vira-lata que Nélson Rodrigues achava que assola todo brasileiro. Mas que veio um sentimento de inferioridade veio. Deu vontade de responder que "lá de baixo" é a mãe.

Agora, ser de "down there", desde que seja do Brasil, dá prestígio, de que tivemos prova hoje eu e os companheiros Deborah Berlinck ("O Globo") e Andrei Netto ("Estadão").

Terminara a entrevista coletiva de encerramento da Cúpula Ibero-Americana e nós queríamos alguns esclarecimentos adicionais de José Sócrates, o primeiro-ministro português. Usualmente, isso que chamo de "cenas de jornalismo explícito" (cercar autoridades com gravadores ou microfones, instrumentos aliás que não uso, a não ser muito excepcionalmente) não faz parte dos usos e costumes tolerados por autoridades europeias ou norte-americanas.

Mas Sócrates aparentemente ficou tocado quando lhe observei que o comunicado da cúpula me parecia ambíguo demais e deve ter achado que era importante conversar com jornalistas brasileiros.

Chegou ao extremo de pedir aos demais jornalistas, inclusive os portugueses, que se afastassem por se tratar de uma conversa informal. Foi até autografar uma camiseta de algum movimento, longe de nós, mas surpreendentemente voltou e ficou conversando só conosco.

Aconteceu até de dar um pito em um assessor de imprensa que tentou puxá-lo para o almoço de encerramento, que estava para começar: "Não vê que eu estou conversando?", disparou, ríspido.

É insólito: normalmente são os assessores de imprensa de autoridades que dão pito nos jornalistas quando tentam cercar seus chefes, não o chefe que espinafra o assessor, quando tenta salvá-lo do que o presidente Lula costuma chamar de "sacrifício democrático" (dar entrevistas).

Ficou totalmente claro que o Brasil era o motivo da deferência quando se aproximou José Luis Rodríguez Zapatero, presidente do governo espanhol, e juntou-se ao papo como se fôssemos todos velhos amigos.

Zapatero desandou a elogiar a "enorme" competência do Itamaraty, como se desse por assegurado que a diplomacia brasileira acabaria por dar um jeito de resolver a crise hondurenha (que era o eixo do bate-papo).

Depois, foi o turno dos elogios a Lula: "É incrível o prestígio de Lula, à direita e à esquerda", disse, para repetir, enfatizando, "à direita e à esquerda". Ensaiei perguntar se mais à direita ou mais à esquerda, mas não quis estragar o clima. Afinal, a conversa estava tão animada e tão simpática que esperei, inutilmente, que Zapatero dissesse algo como "o 'nuestro' Barça está cada dia melhor, hein, 'compañero?". Ele é também torcedor do inefável Barcelona.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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