Colunas
Clovis Rossi
04/01/2010

2010, o ano do terrorismo?

Lembra-se de que, quando Barack Obama assumiu, faz um ano, dizia-se que seu êxito ou fracasso estaria condicionado, basicamente, pela aprovação de seu plano de saúde e pelo resultado da guerra no Afeganistão? (Com o passar dos meses, entrou na contabilidade o que Obama faria na Conferência do Clima de Copenhague).

Bom, isso era em 2009. Em 2010, a história começa a ser diferente. Obama está sob fogo pela velha "guerra ao terrorismo", o termo cunhado por seu antecessor George Walker Bush, cuja gestão foi claramente marcada por ele - do que resultou um sonoro fiasco, é sempre bom lembrar.

Não é por acaso que o ex-vice-presidente Dick Cheney, atirador-chefe dos neoconservadores, tem dito que Obama não parece estar conduzindo uma "guerra ao terrorismo", com o que acabou colocando o presidente na defensiva.

É puro oportunismo utilizar um atentado frustrado (o do voo Amsterdã/Detroit, que um fanático nigeriano, supostamente em nome da Al Qaeda, tentou derrubar) para acossar Obama, quando o governo de que Cheney fez parte, em vez de atentados frustrados, foi testemunha do maior ataque a território americano desde o bombardeio de Pearl Harbour, meio século antes.

É bom lembrar que, no período Bush (2001/08), houve 331 mortes em eventos ilícitos envolvendo aeronaves, sem contar, claro, as do 11 de setembro, de acordo com dados levantados pelo jornal espanhol "El País" junto à Organização de Aviação Civil Internacional.

Não estou dizendo que foram todos nos Estados Unidos ou que o governo Bush seja o responsável. Apenas registrando que a "guerra ao terrorismo" não estava sendo vencida antes de Obama assumir.

Mas oportunismo às vezes pega, até porque, se há algo muito difícil de controlar, é o terrorismo dos fanáticos, que não hesitam em matar e morrer no mesmo ato.

O pior é que começa a se consolidar a avaliação de que, cada vez mais, o terrorismo será praticado por indivíduos agindo ou por conta própria ou por encomenda dessa franquia terrorista chamada Al Qaeda.

Se já é difícil detectar uma célula terrorista, um só indivíduo é muito mais, obviamente.

De acordo com estudo divulgado pelo Council on Foreign Relations, a Al Qaeda tem células clandestinas autônomas em cerca de 100 países, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a Itália, a França, a Espanha, a Alemanha, para citar apenas países do mundo rico.

Só por aí já se vê que, mesmo que ganhe a guerra no Afeganistão, onde a Al Qaeda gozou de santuário durante o regime dos talebãs, não significará uma vitória completa contra o terrorismo.

Os Estados Unidos e seus aliados têm que levar em conta que o principal nicho da Al Qaeda, hoje, é o vizinho Paquistão, de acordo com o relatório de 2008 sobre terrorismo do Departamento de Estado.

Mas, ainda que se ataque o pacote completo (Afeganistão/Paquistão), restaria o fato de que a rede terrorista, incluindo franqueados da Al Qaeda, se estende pelo Oriente Médio, Sudeste asiático, África, Europa e Ásia Central.

O fanatismo complica ainda mais as coisas, de que dá prova a exortação ao crime praticada pelo xeque Ali Mohamud Rage, suposto porta-voz do grupo terrorista islâmico Al Shabab, que controla a metade sul da Somália. O xeque louvou o "bravo gesto" do rapaz de 23 anos, natural da Somália, que tentou matar Kurt Westergaard, o cartunista dinamarquês que desenhou algumas das caricaturas de Maomé que, anos atrás, provocaram a fúria de uma fatia grande dos muçulmanos.

Mais: Mohamud Rage, em declarações ao jornal "The Daily Telegraph", pediu "a todos os muçulmanos que sigam a boa ideia daquele homem [que atacou Westergaard]". Seria o início do "levante dos muçulmanos contra os agressores", concluiu.

Alguém se surpreenderá se houver uma nova tentativa de matar o cartunista ou uma nova tentativa de derrubar um avião ou atacar outros meios de transporte, como já ocorreu em Madri e Londres?

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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