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Clovis Rossi
05/01/2010

Oriente Médio, Brasil e profissionalismo

O chanceler Celso Amorim encontra-se amanhã (quarta-feira, dia 6) com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Nacional Palestina, Riad Malki.

Informa o Itamaraty que "os dois ministros darão seguimento a conversas sobre temas bilaterais e sobre o processo de paz israelo-palestino mantidas durante a visita do presidente Mahmud Abbas ao Brasil, em 20 de novembro".

Poderia ter acrescentado que se trata também de preparação para a visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará (em março, em princípio) a Israel, Jordânia e territórios palestinos. Depois, em abril, Lula planeja visitar o Irã.

Essas duas viagens tendem a ser as mais importantes iniciativas diplomáticas do ano. Servirão para medir com mais rigor a influência que o Brasil pode de fato tentar ter nas negociações de paz no Oriente Médio e, digamos, no Grande Oriente Médio, para incluir o Irã.

Enquanto isso, o encontro de amanhã em Genebra serve igualmente como bom pretexto para apresentar ao Itamaraty algumas questões relativas ao terrorismo, o assunto da semana (ou do mês ou do ano).

Não se trata de arbítrio meu. Na visita ao Brasil, o presidente palestino anunciou publicamente que gostaria que Lula cobrasse de seu visitante seguinte (o presidente iraniano Mahmoud Ahmedinejad) que cessasse o apoio ao Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), que controla a Faixa de Gaza e se opõe ao grupo de Abbas, Al Fatah, que governa o que Israel liberou da Cisjordânia.

Primeira questão, pois, é essa: Lula cobrou algo de Ahmedinejad? Se sim, qual foi a resposta?

Se o Brasil pretende de fato ter um papel mais ou menos relevante na região, vai ter que enfrentar uma segunda questão: o Hamas está na lista de organizações terroristas tanto dos Estados Unidos como da União Europeia. Que militantes do grupo praticaram atentados, não há dúvidas. Mas o Hamas é também uma organização política e social relevante para os palestinos, não só em Gaza.

Tanto é que ganhou as eleições lá.

A dúvida é se Lula limitará sua visita a Ramallah, de onde despacha Abbas, ou a estenderá a Gaza, o que criaria um tremendo problema tanto com a Autoridade Palestina como com Israel. Não ir a Gaza de alguma maneira seria validar o conceito do Hamas como organização terrorista.

Esse resumo muito sumário mostra como é complexo envolver-se com o Oriente Médio. Não quer dizer que Lula não deva fazê-lo, mas quer dizer que não pode fazê-lo com o simplismo de sua primeira aproximação à eleição iraniana, ao dizer que os protestos oposicionistas e a repressão a eles não passavam de uma disputa entre torcedores de futebol.

Oriente Médio e Irã são temas para profissionais. Não aceitam metáforas amadoras.

Terrorismo solo

A informação das autoridades holandesas de que Abdulmutallab, o nigeriano que tentou explodir o voo da Northwestern em que viajava de Amsterdã para Detroit, agiu sozinho reforça a análise mais ou menos consensual de que o terrorismo doravante será individual, conforme dizia o texto de ontem.

Ou seja, fica ainda mais complicado detectar um terrorista.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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