Colunas
Clovis Rossi
20/01/2010

Obama, a derrota e, talvez, a mudança da mudança

Não consigo imaginar pior presente para o primeiro aniversário da posse de Barack Obama do que a derrota do candidato democrata na disputa pelo lugar deixado vago pela morte do senador Edward Kennedy.

Para qualquer lado que se olhe, é uma tragédia para o presidente e, claro, para o seu partido. Alguns lados:

1 - Ted Kennedy ocupou o assento (pelo Estado de Massachusetts) durante 47 anos. Ou seja, com todos os presidentes desse longuíssimo período, republicanos ou democratas, o eleitorado preferiu um democrata. Pode-se até dizer que preferiu um Kennedy, não um democrata, mas o sobrenome e o partido estão indissoluvelmente ligados.

2 - Faz apenas 15 meses, Obama ganhou em Massachusetts por 26 pontos percentuais. Perder agora revela uma guinada radical demais.

3 - Todos os congressistas do Estado são, hoje, democratas (eram até a derrota de terça-feira).

Mas, mais que os símbolos, o grave no resultado é que põe em risco a reforma do sistema de saúde, a grande, super-híper-blaster prioridade de Obama, que já passou na Câmara (modificada em relação à proposta do presidente, mas passou) e está no Senado.

A maioria democrata no Senado (60 a 40) garantia uma razoável tranquilidade para aprovar um pacote aceitável para a Presidência. Blindava o presidente, como dizia a crônica política norte-americana, contra a prática conhecida por lá como "filibuster" (por aqui, é a conhecida obstrução).

Como ainda faltam uns 15 dias de trâmites para que o republicano Scott Brown, o vitorioso em Massachusetts, tome posse, os democratas sempre podem tentar aprovar o plano de saúde nesse intervalo, usando a maioria "blindada". Não seria lá muito bonito, mas quem disse que política é jogo limpo?

Os democratas estão agora fazendo o usual: trocar acusações sobre quem é o culpado pela derrota, se os locais e a candidata derrotada, Martha Coakley, ou a direção nacional e o próprio presidente, que teriam demorado para jogar pesado no Estado.

Mas é possível que quem tenha razão seja Alex Vogel, estrategista republicano que, ouvido pelo "Washington Post", afirmou: "O que o sucesso de Brown me diz é que o eleitorado não abandonou os anos Bush pelo liberalismo mas porque estavam irritado com um governo ruim e ineficaz".

Se for assim mesmo, a vitória de Obama não teria sido a da "mudança" mas apenas resultado da fadiga do material [republicano], o que é infinitamente menos charmoso. O tempo dirá.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

FolhaShop

Digite produto
ou marca