Colunas
Clovis Rossi
25/02/2010

O (bom ) teatro que não temos

Escrevo quando ainda está em andamento o debate sobre o plano de saúde que é o grande tema nos Estados Unidos, pelo menos em matéria de política interna.

O presidente Barack Obama chamou líderes de seu próprio partido, o Democrata, e dirigentes da oposição republicana, para uma discussão pública, na medida em que está sendo transmitida pela televisão.

Vai ser difícil encontrar outro mecanismo capaz de dar transparência e, pelo menos em tese, qualidade ao debate. É óbvio que vai haver muito teatro, muito jogo para a plateia, mas ainda assim será a ocasião adequada para explicitar o que Obama chamou, ao abrir o programa, de "uma batalha muito ideológica, muito partidarizada", por isso mesmo capaz de "embaralhar o sentido comum".

Nem acho que uma discussão ideológica ou partidarizada seja necessariamente negativa. No caso específico desse debate televisionado, é bom que o público saiba claramente que ideologia está (ou não) por trás das posições republicanas e democratas. E, a partir dessa definição, tome partido pelo lado com o qual se identifica ou com os pontos de cada ideologia/partido com os quais está de acordo. Não há nenhuma razão para supor que o público aceita monoliticamente o conjunto de posições de um partido ou do outro.

Pelo que deu para ver até a hora de escrever, o ponto central de divergência é realmente ideológico e vale para tudo, não apenas para o pacote de saúde: o papel do Estado. O senador republicano Jon Kyl deixou claro que, na sua opinião, os planos dos democratas para reformular o sistema de saúde "dariam a Washington excessivo controle sobre ele", entendendo-se Washington como "governo federal".

Que os americanos decidam se é assim mesmo ou não. Para os brasileiros, resta a inveja de ver em ação um modelo de prestação de contas inexistente por aqui. Algum partido, alguma personalidade, por acaso sugeriu, ao menos, que houvesse um debate televisionado entre os cardeais do governo e da oposição sobre, por exemplo, o Plano Nacional de Direitos Humanos, a mais recente polêmica de porte?

No debate norte-americano, o presidente Obama ouve, toma notas, presta atenção. Algum presidente brasileiro, no passado, no presente ou no futuro (levando em conta os presumíveis candidatos) teria a humildade de pelo menos fingir que pode estar enganado e, por isso mesmo, toma nota do que dizem os outros sobre seus planos e programas? E permite que os opositores digam, ao vivo e em cores, que o presidente está errado?

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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