Colunas
Clovis Rossi
30/03/2010

A era dos trogloditas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva festejou outro dia o fato de que não haverá o que ele chamou de "trogloditas" na eleição presidencial de 2010.

Parece ter razão, mas, se a tiver mesmo, será uma eleição fora de tom com o que se verifica em boa parte do mundo, inclusive na periferia da política brasileira.

O que está rolando, convenhamos, são cenas explícitas de "trogloditismo", se o leitor me permite o neologismo.

Comecemos pela Itália e a eleição regional de domingo/segunda-feira. O único movimento que cresceu em relação a pleitos anteriores foi a Liga Norte, que 110 de cada 100 representantes da mídia internacional séria chamam de xenófoba. Na verdade, acaba sendo mais que isso, porque não apenas repudia imigrantes estrangeiros mas não esconde a urticária que sente no convívio com os italianos do Sul, a parte mais pobre do país.

A Liga triplicou seus votos, na comparação com as regionais de 2005, chegando a 12,7% nacionalmente. Como a Liga se apresenta, basicamente, no Norte, como indica seu nome, chegar, assim mesmo, a quase 13% no cômputo nacional é uma façanha e tanto.

Ainda mais que os dois grandes blocos convencionais, a direita de Silvio Berlusconi e a esquerda reunida no Partido Democrático, recuaram, sempre na única comparação realmente correta, que é com as regionais de 2005.

É sempre bom lembrar que, uma semana antes, na França, também em eleições regionais, a extrema-direita (Frente Nacional) ressuscitou das cinzas a que parecia condenada pelas eleições nacionais de 2007 e obteve 12% dos votos, o que é bastante razoável para um partido fora do "mainstream".

Passemos aos Estados Unidos. O tal "Tea Party", o movimento de extrema-direita, está empurrando o Partido Republicano para um radicalismo absurdo. A tal ponto que circulam camisetas com a inscrição "Vamos devolver Obama ao Quênia" [país de origem do pai do presidente].

Nesse ambiente troglodita, nada mais lógico - e lamentável - que surjam milícias alucinadas. O jornal espanhol "El País" desta terça-feira informa que nove militantes de extrema-direita foram detidos pelo FBI em uma operação que se desenrolou em três Estados. O objetivo final era criar um ambiente de pânico que levasse à queda de Obama.

Delírio? Pode ser, mas o fato é que uma pesquisa recente mostrou que 25% dos eleitores republicanos acreditam piamente que Obama é o anti-Cristo. Se essa gente não é "troglodita", como chamá-los?

No Brasil, o partido do presidente que festeja a ausência de "trogloditas" na eleição abriga, no entanto, uma certa Maria Izabel Noronha, também presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), que quer "quebrar a espinha dorsal" do governo [de José Serra]. É declaração de líder de torcida organizada radical de futebol, não de militante política civilizada.

Tudo somado, alguma surpresa com o fato de um homofóbico assumido, capaz de afirmar que a Aids é coisa de homossexuais, chegar a finalista do "Big Brother Brasil10"?

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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