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Clovis Rossi
28/04/2010

Economia não é feita em laboratório

A Grécia está sendo tratada, no noticiário internacional, como uma espécie de adolescente viciado e mal comportado, indigno de conviver com os civilizados europeus do Norte, teoricamente os únicos capazes de comer com garfo e faca no banquete econômico.

Esse preconceito fica evidente no acrônimo inventado para designar os países com problemas no pós-crise: PIGS, de Portugal, Itália, Grécia e Espanha (o "S" é de Spain). É verdade que as circunstâncias obrigaram a acrescentar um "I" (de Irlanda) ao conglomerado "porco". A Irlanda não é um país do Sul da Europa, ao contrário dos outros, mas é periférica em relação à antigamente chamada "Loira Albion", a Inglaterra.

É verdade que o governo grego e a própria sociedade se comportaram irresponsavelmente nos anos de bonança, consumindo e se endividando alucinadamente, para não mencionar o fato de que as informações sobre o déficit público foram falsificadas.

O problema com esse tipo de análise é que ele só pode ser feito em laboratório, desprezando que a política e as pulsões humanas interferem bastante, às vezes decisivamente, na ação econômica dos agentes.

Guardadas as proporções, o que os gregos fizeram foi o que um bom punhado de norte-americanos também fez, antes do que ficou conhecido como a crise das hipotecas subprime.

Foram se endividando alucinadamente, não apenas porque a posse de um imóvel é um sonho humano universal, mas também porque as empresas financeiras emprestaram irresponsavelmente.

É errado? É. Mas quem é que vai conseguir mudar a natureza humana e convencer consumidores, na hora da bonança, de que não é saudável endividar-se demais? Ou convencer as financeiras, sempre na hora da bonança, de que emprestar sem garantias sólidas tampouco é saudável?

Engenharia de obra feita é fácil, mas foram pouquíssimos os especialistas que, antes do estouro das subprime, avisaram que estava se formando uma bolha que, mais cedo que tarde, estouraria. Assim como não houve uma santa alma capaz de dizer que a Grécia se encaminhava para o colapso enquanto rolava a farra do crescimento econômico global.

Ao contrário. O que houve foi uma financeira, a Goldman Sachs, a propor ao governo grego de então (conservador) um esquema que permitiria maquiar a dívida.

Agora que a coisa desandou, a Goldman Sachs festeja lucros com o episódio subprime, enquanto o novo governo grego (socialista) tem que pagar a conta do mal-feito anterior.

E ainda vem economistas de peso, como Paul Krugman, a dizer que o erro foi a Grécia ter aderido ao euro, assim como há quem diga que deve sair dele, voltar à dracma, desvalorizá-la para poder exportar mais e, assim, sair da crise.

Tolice. Estudo divulgado nesta quarta-feira pelo Centro para Estudos Geoeconômicos, dos EUA, mostra que, no fim de 2000 (antes, portanto, de a Grécia adotar o euro, o que ocorreu em 2001), "79% de sua dívida já era denominada em euros, e meros 8% em dracmas. Mesmo que a Grécia permanecesse fora da zona euro, sua dependência em empréstimos em euros teria apenas aumentado. E uma dracma desvalorizada simplesmente anteciparia a presente crise, porque se aceleraria o crescimento da relação dívida/PIB".

Conclusão: "O fato de que o euro não é uma moeda ótima para a Grécia - ou qualquer outro país da zona euro, aliás - não é o principal problema. O problema é tomar excessivos empréstimos externos, problema com o qual a Grécia tem lutado desde o princípio do século 19".

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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