Colunas
Clovis Rossi
13/05/2010

Cuidado com a roupa no Irã, Lula

Não sei se a comitiva que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está levando ao Irã inclui mulheres. Se incluir, cuidado com a roupa que vestirem. Podem provocar um terremoto. Literalmente, não figuradamente.

Pelo menos é essa a opinião do aiatolá Kazem Sadeqi, que disse, faz pouco que "mulheres que não se vestem discretamente (...) espalham o adultério na sociedade, o que aumenta a ocorrência de terremotos".

Não, Sadeqi não é um desses pregadores do apocalipse que podem ser encontrados eventualmente nas praças de qualquer grande cidade do Ocidente. Ele vem a ser o responsável pelas pregações em Teerã.

Não é só isso: a Constituição determina que tudo se baseie na "Welayat-e Faqih" ou o governo de um "jurista islâmico".

Ou seja, clérigos como Sadeqi é que dizem o que é certo ou errado. Não sei se o atual "jurista islâmico" supremo, Ali Khamenei, concorda ou não com a estapafúrdia teoria do pregador de Teerã, mas esse espírito dá bem uma ideia de como é difícil negociar com os aiatolás.

Não é que o Irã esteja livre de terremotos. Mas "o potencial para calamidades decorre da falta de técnicas de construção apropriadas e do pobre cumprimento dos desatualizados códigos de construção", como escrevem Jamsheed K. Choksy, professor de Estudos Iranianos e Internacionais na Universidade de Indiana (EUA) e Carol E. B. Choksy, professora adjunto de Inteligência Estratégica e Gerenciamento da Informação da mesma instituição.

A roupa das mulheres e o adultério nada têm a ver com isso, portanto.

O presidente Mahmoud Ahmadinejad pode até não acreditar nas teorias de Sadeqi, mas, ainda assim, em uma visita no dia 6 de abril a um dos 25 abrigos para emergências da capital iraniana, pediu que os moradores de Teerã deixassem a cidade antes que ocorresse uma "tragédia devastadora".

A capital tem 8 milhões de habitantes, 6 milhões nos subúrbios menos seguros do ponto de vista sísmico.

Há, nesse pedidos, pelo menos dois problemas: governos deveriam dedicar-se a prevenir problemas, dentro do possível, claro, em vez de recomendar ao público que fuja. Segundo problema, sair de Teerã não resolve, se se lembrar que, em dezembro de 2003, um terremoto na histórica cidade de Bam (2 mil anos) matou 26.271 pessoas e destruiu 90% das casas.

O terremoto, aliás, tem um curioso vínculo com o principal propósito da visita de Lula ao Irã: em consequência dele, houve um efêmero degelo nas relações Irã/EUA. Os Estados Unidos ofereceram ajuda humanitária e o governo dos aiatolás prometeu, em troca, cumprir os acordos com a Agência Internacional de Energia Atômica.

É exatamente disso que se trata agora. Lula insiste, uma e outra vez, que o Irã tem todo o direito de desenvolver seu programa nuclear, desde que seja para uso pacífico, para o que é necessário que a Agência Internacional de Energia Atômica o avalize.

A missão do presidente brasileiro ficaria muito mais fácil se o Irã se preocupasse mais com falhas (geológicas ou humanas) do que com a vestimenta das mulheres.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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