Pensata

Eliane Cantanhêde

08/09/2007

Há vida no Haiti

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai em novembro ao Haiti, num momento em que a ONU e o próprio Brasil discutem os próximos passos para tentar salvar o pequeno e miserável país do Caribe. O pior, que era a violência, passou. Quer dizer, melhorou. Mas e agora?

A Minustah (missão da ONU para a estabilização do Haiti), é uma missão militar liderada pelo Brasil, com envio de tropas militares para combater as gangues urbanas e garantir, como garantiu, as eleições diretas e democráticas. Mas acuar as gangues foi só um passo. Se não houver recuperação institucional, econômica e social, volta tudo ao que era - e sem o Quartel de Abrantes.

O brasileiro Ugo Fasano, representante do FMI no Haiti, recorre a dados para mostrar o efeito da pacificação sobre a economia. Desde 2004, quando começou a missão, a inflação caiu de quase 40% ao ano para 8%; o crescimento, que era negativo (o menor da América Latina), está entre 2,5% e 3% e as reservas internacionais foram de US$ 30 milhões para US$ 270 milhões.

Mas ele diz que tudo ainda está começando e não se pode tirar as tropas de lá: "A estabilização política e a garantia de segurança são fundamentais para atrair investimentos para o Haiti. Sem investimentos, o país nunca vai se desenvolver", diz Fasano.

A questão é que há muito o que fazer e pouco de onde tirar os recursos para ampliar a ajuda. O também brasileiro Luiz Carlos da Costa, representante da ONU no país, deixa bem claro: "Conseguir manter o número atual das forças já um esforço muito grande, muito importante. Não dá para aumentar".

Foi uma resposta à discussão aberta pelo sub-comandante do Batalhão Brasileiro, coronel do Exército Tomás Miguel Miné Paiva. Ele diz que a violência está sob controle, mas é fundamental investir agora em infra-estrutura: estradas, edificações, água, poços e luz (a capital fica às escuras à noite, porque não tem energia!).

Para isso, o coronel, que é recebido aos gritos de "Tomás, Tomás" pelas crianças (muitas nuas) de Citée Soleil, o bairro mais miserável de Porto Príncipe, defende que, em vez de reduzir o efetivo brasileiro na região, como pregam alguns, o ideal seria fazer o contrário: aumentar. Não de qualquer jeito, mas sim o número do pessoal da Engenharia. Conforme o ministro Nelson Jobim (Defesa) não cansa de repetir, o Exército brasileiro tem boa performance em construção de estradas, por exemplo.

A questão é que cada país e cada setor envolvido no Haiti quer uma coisa. O próprio governo haitiano quer ajuda para institucionalizar o país, com reforço das áreas de Justiça e polícia, como disse o primeiro-ministro Jacques Edouard Alexis aos nove ministros de Defesa de países das forças de estabilização e que se reuniram em Porto Príncipe na terça e na quarta-feira passada.

E os Estados Unidos, que são grandes financiadores da ONU - e, portanto, da Minustah - querem ajudar o Haiti, mas querem muito mais ainda atender a seus próprios interesses. Quais sejam: aumentar a vigilância nas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas do Haiti, por onde flui boa parte da droga que é depois desembarcada às toneladas em solo americano.

Os EUA, aliás, estão terminando uma instalação própria na capital haitiana que mais parece uma fortaleza. Ocupa todo um quarteirão, é inteiramente cercada e... fica de frente para o Batalhão Brasileiro. Não deve ser por acaso.

A visita de Lula em novembro será oportuna, inclusive para mostrar que o Brasil está no Haiti porque é bom para o Brasil, em primeiro lugar, e para o Haiti, em segundo. Não para se pau-mandado de Washington.

É ali, naquele pequeno país pobre e sujo, com gente bonita e agora cheia de esperança, que o Brasil testa seu sonho de real liderança (ou "protagonismo") na América Latina e treina suas Forças Armadas para agir numa área delicadíssima: o combate à violência urbana, como no Rio.

Esse é um debate que veio para ficar e será liderado certamente por Jobim. Logo, logo, o Haiti será aqui.

PS - Se eu estive no Haiti? Sim, estive. Vi, gostei e acho que o Brasil não deve sair. Deve ficar, ajudar e, principalmente, aprender.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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