Pensata

Eliane Cantanhêde

19/09/2007

Imagens de Mônaco e do Brasil

O Principado de Mônaco deverá extraditar o ex-banqueiro Salvatore Cacciola porque está preocupado em alterar a imagem de leniência com os crimes financeiros. E o Brasil, está ou não preocupado com a fama de paraíso da impunidade?

O governo, a mídia, os políticos, todos parecem estar comemorando antecipadamente a extradição de Cacciola, condenado a 13 anos de prisão no Brasil por peculato e por gestão fraudulenta do Banco Marka, que foi pego com as calças curtas e apostando alto, e errado, quando da desvalorização do Real em 1999.

Mas comemorando o quê? O fato puro e simples de o procurado número um do Brasil no exterior estar praticamente fazendo o caminho de volta para cumprir pena. E é aí que mora o perigo, ou a grande dúvida. Se ninguém da elite vai parar atrás das grades por mais de algumas horas ou dias, por que só Cacciola vai parar?

O mais provável é que o governo brasileiro faça toda a encenação conveniente, enviando diplomatas, primeiro, e o ministro da Justiça, em seguida, até vencer a etapa de garantir a extradição. Depois... tudo depende da Justiça e a gente sabe muito bem o que isso significa.

Pilhas e pilhas de provas nunca foram suficientes para garantir de fato a prisão de poderosos, que acabam voltando para a Câmara, para o Senado e para os salões do glamour e da boa vida, embalados por advogados caríssimos e um sistema judicial que permite dezenas de habeas corpus e outros jeitinhos, até que o crime prescreva ou o sujeito caia duro, com direito a enterro de luxo e heranças fabulosas para várias gerações.

Num país em que, apesar de tudo, presidentes do Senado são absolvidos, ou renunciam para voltar depois como se nada tivesse acontecido, seria espantoso que fosse um italiano naturalizado brasileiro o único a pagar devidamente o pato.

Os adjetivos, aliás, já estão soltos no ar. Para o ministro Marco Aurélio de Mello, responsável pela canetada do Supremo Tribunal Federal que liberou Cacciola para fugir do país, ele é apenas um "bode expiatório". Para o filho do ex-banqueiro, Fabrizio, em entrevista à repórter da Folha Lilian Christofoletti, o pai foi vítima de "uma caça às bruxas".

Taí. Pode-se lutar pela extradição, pode-se defender a prisão, pode-se querer tudo, mas nisso não dá para tirar a razão de Mello e de Fabrizio. Ou prendem-se todos ou não se prende só um. Trata-se de nova versão do "ou restaura-se a moralidade, ou locupletem-se todos".

Mônaco tem acatado em torno de dez extradições por ano, para livrar a cara e a (má) fama. Resta saber o que o Brasil e a Justiça brasileira querem: restaurar a moralidade ou dar razão àqueles filmes hollywoodianos em que o bandido, sempre grã-fino e charmoso, acaba agarrado numa gostosa nas lindas e quentes areias de Copacabana.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

FolhaShop

Digite produto
ou marca