Pensata

Eliane Cantanhêde

06/02/2008

Pé francês no Brasil

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy deverão ter quatro encontros neste ano --o que não é nada trivial-- para consolidar a anunciada "aliança estratégica" Brasil-França na área de defesa e também na área civil, inclusive com a criação de uma universidade internacional na Amazônia.

Essa universidade, segundo o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, com quem conversei em Paris na semana passada, é um projeto do Brasil com a França e prevê a participação dos chamados países amazônicos: Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Guiana e Suriname.

"A idéia é ter um centro de pesquisas compartilhadas", disse Marco Aurélio. Essas pesquisas podem ser nas áreas mais diversas, desde doenças tropicais a contenção do efeito-estufa, para identificar e potencializar os efeitos positivos que a região possa ter para o mundo, para o futuro. E não custa lembrar que já há um centro de excelência ali, o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

O primeiro encontro de Lula com Sarkozy será no próximo dia 12, no Oiapoque, na fronteira Brasil-Guiana. Eles deverão assinar um protocolo formal para a "aliança estratégica" e deflagrar os grupos de trabalho bilaterais para definir programas em diferentes áreas de interesse.

O carro-chefe da aliança é na área de defesa, envolvendo submarinos, helicópteros, treinamento de tropas e, até, quem sabe, fornecimento dos caças Rafale para recompor a combalida frota da FAB. Mas Marco Aurélio preferiu destacar outras frentes, como a construção de uma ponte entre o Brasil e a Guiana, cooperação para cursos profissionalizantes e para aperfeiçoamento de pequenas e médias empresas, além da universidade.

"A aliança não se resume aos governos. O que se pretende é engajar os dois Estados e também suas empresas, sobretudo na área militar, mas não só", disse Garcia, que participou de parte do encontro de Sarkozy com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, na terça-feira da semana passada, e teve reuniões na sexta-feira seguinte no gabinete presidencial e no Ministério de Relações Exteriores da França.

Lula e Sarkozy deverão ter o segundo encontro do ano em Lima, no Peru, aproveitando a Cúpula União Européia-América Latina, em abril/maio. Depois, o terceiro poderá ser na reunião do G-8 (dos países mais desenvolvidos do mundo), ainda no primeiro semestre, no Japão.

Ainda não está garantido, porém, se Lula irá ou não ao G-8. Sua ida vai depender do status do convite que os ricos fizerem ao G-5 (países emergentes, como o Brasil). "O presidente Lula não quer ficar só no banquinho, esperando, quer uma participação objetiva", disse Garcia, condicionando a viagem a uma reunião dos 13 países, praticamente em igualdade de condições. Falta combinar com os russos, ou melhor, com os ricos.

O quarto encontro Lula-Sarkozy deverá ser em Brasília, em dezembro, quando o presidente francês fará uma visita de chefe de Estado ao Brasil e participará da reunião da UE com o país. Será também o lançamento de 2009 como 'o ano da França no Brasil', com caráter cultural.

Segundo o assessor internacional, a aliança com a França é importante, mas o Brasil também está fazendo acordos ambiciosos com outros países. Citou, como exemplo, acordos espaciais com a Ucrânia e com a Rússia --país, aliás, para onde Jobim embarcou depois de sua passagem de uma semana na França, a bordo do brasileiríssimo Legacy, fabricado pela Embraer e a serviço da FAB.

O programa de Jobim na Rússia é semelhante ao que cumpriu na França: visitas a fábricas, jantares com cúpulas de empresas e informações detalhadas sobre armamento, principalmente sobre submarinos e caças. O Brasil tem ambicioso programa para produzir seu próprio submarino de propulsão nuclear. Tem a tecnologia da energia atômica, mas lhe falta a de cascos e de "miolo cibernético" e pretende adquirir um modelo convencional para transformar em nuclear E, se a França tem os caça Rafale, a Rússia tem os Sukhoi (aqueles que vendeu a Hugo Chávez, na Venezuela).

A próxima viagem de Jobim será aos EUA, que igualmente produzem submarinos e caças. Mas, se fosse para apostar, eu apostaria que o Brasil pende muito mais para a França do que para os concorrentes russos e americanos. E não apenas nessa delicada e caríssima área de suprimento militar.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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