Pensata

Eliane Cantanhêde

19/02/2008

Brasil, entre Cuba e EUA

O Brasil terá certamente um papel importante, senão fundamental, na transição de Cuba pós-Fidel Castro. Não só por ser o principal país da América do Sul, mas por ter defendido, desde FHC e principalmente agora com Lula, a reintegração cubana ao continente e o fim das barreiras e embargos.

Se Hugo Chávez é o maior e mais eficaz amigo de Cuba com seus petrodólares, Lula tem uma enorme vantagem sobre ele: além de aliado de Fidel e agora de Raul Castro, Lula mantém um diálogo maduro e próximo com os Estados Unidos. É assim com George W. Bush, certamente será assim com o sucessor --ou sucessora-- seja democrata, seja republicano.

É um mediador natural de qualquer tentativa de diálogo, principalmente entre governos, mas não só.

Cuba precisa dos petrodólares de Chávez, mas precisa mais ainda do respeito internacional e das sólidas pontes do Brasil e de Lula com o mundo e com os EUA. E os EUA precisam do Brasil para abrir a porta de qualquer diálogo possível com Cuba.

Há várias incógnitas sobre o que acontecerá daqui em diante, depois que Fidel anunciou pelo jornal "Granma" sua retirada de cena, renunciando à presidência do Conselho de Estado, equivalente à Presidência da República, e ao posto de comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Para resumir:

1) Raul Castro, seu irmão e sucessor, terá pulso para comandar a transição, mantendo os cubanos serenos e ao mesmo tempo abrindo o país ao continente, ao mundo e até aos próprios inimigos,os EUA?

2) Como vão se comportar os "cubanos de Miami", que têm muito dinheiro e querem triturar todos os Castro com os próprios dentes?

3) Os EUA, que empurraram Fidel para a órbita soviética e comunista, terão flexibilidade para abrir o diálogo e cancelar o embargo à ilha?

4) E como se comportarão os próprios cubanos dentro da ilha?

Ao contrário das democracias, Cuba não convive com pesquisas de opinião pública. Não sabe, nem se sabe fora dela, até onde os cubanos querem a abertura, como vislumbram o futuro, se desejam jogar tudo para o alto para ter o tênis de grife ou preferem manter tudo como está.

Desde a revolução de janeiro de 1959, mais de um milhão de cubanos deixaram a ilha, insatisfeitos com a falta de liberdade e de oportunidades capitalistas --com tentaram, sem sucesso, os dois campeões de boxe enviados de volta do Brasil para Havana, em avião venezuelano.

Apesar disso, as análises confidenciais brasileiras, desde a época de FHC, são de que Fidel conseguiu manter expressivo apoio popular, sobrevivendo ao fim da União Soviética, à queda do Muro de Berlim e à crise econômica, que se tornou especialmente grave depois de 1995.

Conseguirá manter esse apoio também após a renúncia, agora, ou após a própria morte?

Fidel é o mito de gerações. Difundiu ideais de igualdade emocionantes que fizeram a cabeça de milhões mundo afora, enquanto determinou e conduziu uma prática política repressora das liberdades individuais que gerou oposição também em milhões mundo afora. Além de ter convivido com um embargo econômico cruel e inabalável durante décadas. Um embargo que derrubaria qualquer um, menos ele.

O que se espera é que os ideais sobrevivam, amparados por bons índices de saúde e de educação, e que novos ventos acrescentem ao regime cubano modernidade, democracia e integração ao mundo. Manter o bom legado, passar por cima do mau legado.

É uma utopia? É, mas o Fidel que se aliou a Che Guevara um dia para derrubar um ditador sanguinário e mudar o mundo era o quê? Um utópico. Que, uma vez no poder, se julgou único e insubstituível.

Seu maior acerto foi ter derrubado Fulgencio Batista. Seu maior erro foi ter se perpetuado no poder sufocando qualquer chance de oposição e de questionamento.

Como o próprio Fidel já disse, a história o julgará. Mas, o que mais importa agora não é Fidel, é Cuba. E o que vai acontecer com ela, sua gente e tudo o que representam para o mundo.

Um tema obrigatório, aliás, na conversa que Lula deverá ter com a secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, durante o almoço que eles terão em Brasília, em meados de março. Não será a primeira vez que falarão de Cuba, mas pode ser a mais importante delas.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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