Pensata

Eliane Cantanhêde

30/04/2008

Quem atira a primeira pedra?

Os alckministas disputavam Quércia. Os petistas da Marta disputavam Quércia. Os demo do Kassab disputavam Quércia. Mas quem levou foi José Serra.

Quércia é, digamos, o mal necessário. Saiu de fininho de uma carreira política meteórica para cuidar dos seus muitos negócios bem-sucedidos, mas manteve força política baseada num tripé: o tempo de TV do PMDB (4 minutos na eleição paulistana), controle da máquina partidária e muito dinheiro, algo fundamental em campanhas.

Na entrevista que o ex-governador e ex-senador deu para Monica Bergamo na Folha de hoje (30/04), ele foi um primor. Disse boas verdades, insinuou meia verdades e foi provocativo como sempre, ironizando o fato cristalino de que foi alvo de um leilão, até bater o martelo com Serra a favor da candidatura Kassab. Alguém há de desmentir que tentou seu apoio? Alckmin, Marta, Serra? E quem vai atirar a primeira pedra porque Serra venceu essa?

Adversários ferozes na campanha municipal, os três têm duas coisas em comum. Todos são de partidos e grupos políticos que rejeitam Quércia desde o fim dos anos 1980 (o PSDB foi criado em 1988 para se opor a uma eventual candidatura Quércia à Presidência no ano seguinte, que não se confirmou). E todos têm que tapar o nariz e ir lá negociar seu apoio.

Nosotros, de fora, podemos criticar o quanto quisermos a aliança Serra-Quércia, e temos bons motivos para fazê-lo, mas, do ponto de vista político-eleitoral, foi uma vitória inegável do tucano. Essa aliança enfraquece Alckmin na disputa pela Prefeitura da maior capital, neutraliza a onda peemedebista em direção a Aécio Neves e abre uma opção para o PMDB (maior partido do país) para além de Lula e do PT.

Lula, com seu fenomenal apoio popular, conseguiu unir o sempre dividido PMDB em torno do seu governo, mas o PT ainda não conseguiu inventar um candidato forte o suficiente para manter a atração fatal dos pemedebistas para 2010. Serra, assim, abriu uma brecha para ter o apoio do partido, ou de uma parcela dele.

Até aqui, Aécio produzia fatos e fotos e ostentava o mais relevante fato político, que era a aliança PT-PSDB em Minas. Serra deu a volta por cima com o apoio de Quércia a Kassab, e o PT nacional ainda deu uma mãozinha para o tucano paulista, ao desautorizar o casamento mineiro de Aécio com o prefeito Fernando Pimentel.

As peças de 2010 estão sendo colocadas na mesa. Serra tem as pesquisas, o Estado mais poderoso e começa a armar apoios; Aécio tem charme, sobrenome e demonstra enorme vontade de concorrer; Ciro Gomes voltou à superfície, engolindo uma personalidade às vezes agressiva; Dilma Rousseff agarra-se a Lula e ao PAC, tentando sobreviver; e Heloísa Helena tende a marcar posição novamente.

Nesse tabuleiro, as posições mais decisivas são o favoritismo de Serra, de um lado, e a força popular de Lula, de outro. O que indica um novo embate PSDB-PT, com o PSDB dividido, o PT na dependência completa de Lula e o PMDB olhando o jogo de fora, para fazer suas apostas. Milionárias, por certo.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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